quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tráfico - Regime de cumprimento de pena

Tráfico de drogas: cabe regime aberto assim como penas substitutivas
29/06/2010-09:30
Autores: Áurea Maria Ferraz de Sousa; Luiz Flávio Gomes;

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Tráfico de drogas: cabe regime aberto assim como penas substitutivas. Disponível em http://www.lfg.com.br - 29 de junho de 2010.

Em abril de 2010 comentamos aqui no nosso Blog louvável decisão do Min. Ayres Britto (HC 97256/RS - STF) apontando todos os fundamentos que já vínhamos defendendo desde a edição da Lei 11.343/06 no tocante à possibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico ilícito de drogas.

A Sexta Turma do STJ (em 17.06.10) posicionou-se no mesmo sentido no HC 151.199, cujo relator foi o desembargador convocado Haroldo Rodrigues. Para o Tribunal da Cidadania é possível, a depender das circunstâncias do caso concreto, que o condenado por tráfico de drogas inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto ou mesmo aberto. O colegiado ainda reconhece a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para quem cometeu o crime de tráfico sob a vigência da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), alterada pela Lei 11.464/07.

No caso julgado pelo mencionado writ, o réu havia sido preso com 7,2 gramas de crack e um grama de maconha; era primário e sem registro de antecedentes criminais, motivos que ensejaram a fixação da pena em primeira instância no mínimo legal. Estas circunstâncias teriam sido fundamentais para a concessão de duplo benefício: imposição de regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade e substituição por duas restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução.

De acordo com o relator Haroldo Rodrigues, reconhecidas todas as especificidades do caso e levando-se em conta o princípio da individualização da pena, ela deverá ser cumprida no regime aberto, pois como não ultrapassa quatro anos (art. 33, §2º, “c”, do CP), não deve ser aplicado o artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, de acordo com o qual a pena por crime de tráfico de drogas deve ser cumprida inicialmente em regime fechado. Ainda mencionando o princípio da individualização da pena, o da proporcionalidade e o da efetivação do justo determinou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Confira os precedentes sobre o tema em informativos de jurisprudência do STJ e do STF, respectivamente:



Informativo n. 0427. Período: 15 a 19 de março de 2010.

Sexta Turma

TRÁFICO. ENTORPECENTE. SUBSTITUIÇÃO. PENA.

O paciente foi condenado e incurso nas penas do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. O Tribunal a quo, à vista do § 4º, reduziu-as em seu grau máximo, ficando estabelecido um ano e oito meses de reclusão em regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena. Inicialmente, destacou o Min. Relator que a Sexta Turma deste Superior Tribunal vem admitindo a substituição da pena mais gravosa desde o julgamento do HC 32.498-RS, DJ 17/4/2004. Destacou, também, que o STF, no julgamento do HC 82.959-SP, entendeu que conflita com a garantia de individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/1988) a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado, nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. Entendeu que, como a progressão tem a ver com a garantia da individualização, de igual modo, a substituição da pena mais gravosa. E concluiu pela concessão da ordem, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, deixando a cargo do juiz da execução estabelecer o que for necessário para a implementação das penas. A Min. Maria Thereza de Assis Moura e o Min. Og Fernandes salientaram que, até agora, seu posicionamento era denegar a ordem de habeas corpus, tendo em vista a decisão da Corte Especial que concluiu pela constitucionalidade da vedação. Mas, diante do posicionamento do STF no HC 102.678-MG, a decisão da Corte Especial sofreu outro posicionamento, em que restou assegurada a possibilidade da conversão da pena, aplicável nas hipóteses da Lei n. 11.343/2006, para o delito de tráfico, respeitadas as circunstâncias fáticas. Então, votaram também no sentido da concessão da ordem. Diante disso, a Turma, por maioria, também o fez. Precedentes citados: HC 120.353-SP, DJe 8/9/2009; HC 112.947-MG, DJe 3/8/2009; HC 76.779-MT, DJe 4/4/2008, e REsp 661.365-SC, DJe 7/4/2008. HC 118.776-RS, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 18/3/2010.



Informativo STF - Brasília, 15 a 19 de março de 2010 - Nº 579.

PLENÁRIO

(...)

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos - 5

O relator disse que o momento sentencial da dosimetria da pena não significaria senão a imperiosa tarefa de transportar para as singularidades objetivas e subjetivas do caso concreto os comandos abstratos da lei. Destarte, nessa primeira etapa da concretude individualizadora da reprimenda, o juiz sentenciante se movimentaria com irreprimível discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade e outra que já não tivesse por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado, sem prejuízo, de que a proposição da lei pudesse ser endurecedora nos crimes enunciados pela Constituição Federal (art. 5º, LXIII). Anotou que, se a lei não poderia fechar para o julgador a porta da alternatividade sancionatória, poderia prever, no entanto, a cumulação da pena que tivesse por conteúdo a liberdade com outra pena desvestida de tal natureza. Nesse sentido, explicou que o direito penal bem poderia cumular penas, inclusive a privativa e a restritiva de liberdade corporal (CF, art. 37, § 4º), mas lhe seria vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se deslocar com discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. Uma coisa seria a lei estabelecer condições mais severas para a concreta incidência da alternatividade, severidade legal jurisdicionalmente sindicável tão-só pelos vetores da razoabilidade e da proporcionalidade, outra seria proibir pura e secamente, como fez o art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, a convolação da pena supressora ou restritiva da liberdade em pena restritiva de direitos. (sem grifos no original)



Parece-nos que, enfim, começa a prevalecer na jurisprudência pátria o que bem mencionou o relator Haroldo Rodrigues: a efetivação do justo, emanado do sistema constitucionalista de direito. O sistema legalista deve ser conciliado com o constitucionalista. Na eventualidade de uma lei venha a conflitar com as regras ou princípios constitucionais, devem preponderar os últimos. O legislador disse que não cabe regime aberto nem substitutivas no tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 44). Mas a jurisprudência diz que cabe. Por quê? Porque a lei é inferior à Constituição. Havendo conflito entre elas, prepondera a última.

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