quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Informativo n. 510 do STJ

Quinta Turma DIREITO PROCESSUAL PENAL. REPUBLICAÇÃO DE DECISÃO. REABERTURA DO PRAZO RECURSAL. O prazo para a interposição de recurso flui a partir da última publicação da decisão a ser impugnada, de modo que a republicação, mesmo que desnecessária ou feita por equívoco, acarreta a reabertura do prazo recursal. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.219.132-PR, DJe 12/5/2011, e EREsp 281.590-MG, DJ 1º/8/2006. HC 238.698-SP, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora-convocada do TJ-SE), julgado em 20/11/2012. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. A causa de aumento de pena não pode ser presumida pelo julgador, devendo o fato que a configurar estar descrito pormenorizadamente na denúncia ou queixa. O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamado de princípio da congruência, representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, visto que assegura a não condenação do acusado por fatos não descritos na peça acusatória. É dizer, o réu sempre terá a oportunidade de refutar a acusação, exercendo plenamente o contraditório e a ampla defesa. É certo que, a teor do disposto no art. 383 do CPP, o acusado se defende dos fatos que lhe são atribuídos na denúncia ou queixa, e não da capitulação legal, razão pela qual o juiz poderá, sem modificar a descrição fática, atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que tenha de aplicar pena mais grave. Contudo, o fato que determina a incidência do preceito secundário da norma penal deverá estar descrito na peça acusatória, com o objetivo de viabilizar o contraditório e a ampla defesa. Autorizar a presunção de causa de aumento de pena, sem qualquer menção na exordial, configura inversão do sistema de ônus da prova vigente no ordenamento processual, visto que seria imposto à defesa o dever de provar a inexistência dessa circunstância, e não à acusação o ônus de demonstrá-la. Precedentes citados: HC 149.139-DF, DJe 2/8/2010; HC 139.759-SP, DJe 1º/9/2011. REsp 1.193.929-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2012. DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. VÍCIO INSANÁVEL. Não é válida a interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja posterior consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em processo penal. A interceptação telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, que depende de ordem judicial, nos termos do inciso XII do artigo 5º da CF, regulamentado pela Lei n. 9.296/1996. A ausência de autorização judicial para captação da conversa macula a validade do material como prova para processo penal. A escuta telefônica é a captação de conversa feita por um terceiro, com o conhecimento de apenas um dos interlocutores. A gravação telefônica é feita por um dos interlocutores do diálogo, sem o consentimento ou a ciência do outro. A escuta e a gravação telefônicas, por não constituírem interceptação telefônica em sentido estrito, não estão sujeitas à Lei 9.296/1996, podendo ser utilizadas, a depender do caso concreto, como prova no processo. O fato de um dos interlocutores dos diálogos gravados de forma clandestina ter consentido posteriormente com a divulgação dos seus conteúdos não tem o condão de legitimar o ato, pois no momento da gravação não tinha ciência do artifício que foi implementado pelo responsável pela interceptação, não se podendo afirmar, portanto, que, caso soubesse, manteria tais conversas pelo telefone interceptado. Não existindo prévia autorização judicial, tampouco configurada a hipótese de gravação de comunicação telefônica, já que nenhum dos interlocutores tinha ciência de tal artifício no momento dos diálogos interceptados, se faz imperiosa a declaração de nulidade da prova, para que não surta efeitos na ação penal. Precedente citado: EDcl no HC 130.429-CE, DJe 17/5/2010. HC 161.053-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27/11/2012. DIREITO PROCESSUAL PENAL. IMPEDIMENTO DE MAGISTRADO. PRONUNCIAMENTO ANTERIOR EM OUTRA INSTÂNCIA. O impedimento previsto no art. 252, III, do CPP, refere-se à hipótese do magistrado ter funcionado como juiz de outra instância, de modo que não se enquadra a situação na qual o julgador acumula, no mesmo juízo, jurisdição cível e criminal. O referido impedimento busca evitar ofensa ao duplo grau de jurisdição, que ocorreria caso o magistrado sentenciante participasse de julgamento do mesmo feito em outra instância. Assim, o impedimento, quando presente, ocorre dentro do mesmo processo, não o configurando a simples circunstância de o magistrado ter se pronunciado sobre os mesmos fatos em esferas jurídicas distintas, tal como no caso de decisão em ação civil pública e, posteriormente, em ação penal. Precedentes citados do STF: HC 73.099-SP, DJ 17/5/1996; do STJ: REsp 1.177.612-SP, DJe 17/10/2011, e HC 131.792-SP, DJe 6/12/2011. REsp 1.288.285-SP, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador-convocado do TJ-PR), julgado em 27/11/2012.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

NOTA PÚBLICA SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PRISIONAL CATARINENSE

NOTA PÚBLICA SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PRISIONAL CATARINENSE A AJD/SC - ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, núcleo de Santa Catarina, entidade não governamental, sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito e a defesa dos Direitos Humanos, tendo em vista a grave situação por que passa a segurança pública do Estado, acentuada pelos ataques a ônibus, viaturas, bases policiais e unidades prisionais, amplamente divulgado em rede nacional, vem a público manifestar o seguinte: 1. O estado para-legal nasce onde o estado legal falta. 2. A paz social passa obrigatoriamente pelo respeito aos direitos fundamentais de toda a população, inclusive das pessoas presas (art.5º, da CF), respeito esse fonte legitimadora das instituições públicas; 3. Nos últimos dez anos a população carcerária catarinense cresceu em escala geométrica. Porém o sistema prisional não recebeu investimento proporcional, sendo sucateado, sofrendo com prédios em ruínas, com a falta de salubridade para os presos, no atendimento mínimo da sua saúde e na ausência de oferta de trabalho e estudo, entre tantas outras omissões. Além disso, há falta de agentes penitenciários devidamente valorizados e treinados, aptos a exercer suas importantes atividades com segurança e responsabilidade. Ou seja, as unidades prisionais de Santa Catarina restam comparáveis às da idade média, sem as mínimas condições de cumprimento da pena que a lei e o padrão de civilidade arduamente conquistados exigem. 4. Por outro lado, a Secretaria de Justiça e Cidadania não tem se mostrado capaz de enfrentar a situação e apontar políticas de estado concretas para a problemática, sequer indicando com clareza quais os planos de ação e projetos efetivos que pretende implantar para as urgentes melhorias do sistema prisional. 5. O reflexo, como se viu, é o descontrole do sistema e a violência se apresentando em toda sua crueldade, dentro e fora do cárcere. Portanto, é preciso que o Estado compareça nas unidades prisionais, com política sólida de investimentos, em respeito absoluto ao fundamento da dignidade da pessoa humana e em última análise em respeito ao povo catarinense. Ângela Konrath – Juíza do Trabalho Coordenadora do Núcleo da AJD/SC

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Lewandowski e Barbosa: o cachimbo entorta a boca - Conjur

Excelente texto de Carlos Costa,publicado no Conjur revelando o perfil profissional de Lewandowski e Barbosa. Lewandowski e Barbosa: o cachimbo entorta a boca Por Carlos Costa “A aula do prof. Dr. Enrique Ricardo Lewandowski no mestrado de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP deveria terminar às 19 horas daquela calorosa sexta-feira, 23 de março de 2007. Mas os alunos que o cercam ao final da palestra não têm pressa em sair, apesar da sala abafada no segundo andar. São perguntas e comentários de uma plateia que acompanhou atenta a preleção. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Lewandowski não revela cansaço, apesar de haver enfrentado os percalços de um vôo desde Brasília no começo da tarde – nesse período de esperas provocadas pela crise aérea. Atento, sorri para uma aluna, atende a um professor assistente, ouve algum comentário, indica uma leitura, recebe congratulações. Finalmente se dirige para as escadas – sua agenda ainda prevê uma entrevista. “No andar de baixo, há uma hora era esperado pela equipe de reportagem de uma revista jurídica da cidade de Osasco, para uma conversa sobre temas da atualidade. O editor, o repórter e a fotógrafa estavam acomodados na sala da Congregação, um espaço solene em que impera uma tela representando o criador dos cursos jurídicos no Brasil, D. Pedro I. Nas paredes da sala, desfilam os nomes dos juristas que passaram pela direção da ‘Escola das Arcadas’ – e apenas eles parecem não se incomodar com o calor sufocante desse espaço solene. Porte atlético, alto, Lewandowski desce o último lance de escada e aperta a mão de um bedel: ‘Há quanto tempo não lhe vejo, tudo bem?’. Figura carismática, cumprimenta amável a senhora do café, e oferece água aos repórteres, pedindo mais um minuto de paciência, pois tem de atender a um professor da PUC-SP, que o esperava na sala ao lado. Finalmente a entrevista inicia. O ministro responde aos repórteres da revista, que começam perguntando sobre sua trajetória. Esse texto foi a abertura de um perfil que publiquei há cinco anos, e vem agora à memória neste momento em que Lewandowski é visto pelo público e por colunistas como a “encarnação do mal” por suas posturas no julgamento da Ação Penal 470, o popular mensalão. Foi vaiado nas eleições, evita estar em evidência. Mas outro dia, em sala de aula, uma aluna do curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo da Cásper Líbero, advogada, alertou-me para um fato: o ministro continua, no fundo, a agir como advogado. Como diz o ditado, o hábito do cachimbo entorta a boca. A cena descrita no início desse texto ocorria doze meses após a posse de Lewandowski no STF. Ele havia entrado pelo quinto constitucional para o desembargo do Tribunal Paulista, deixando uma destacada carreira de 16 anos (1974-1990) como advogado – a que se seguiram 22 anos como magistrado (16 como desembargador e seis como ministro do STF). Nos tempos de advogado e professor, foi assessor jurídico na Assembleia Legislativa do estado, secretário de governo e de assuntos jurídicos de São Bernardo do Campo, adquirindo experiência administrativa na presidência da Emplasa, Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, criada em 1975 para cuidar do planejamento da Grande São Paulo. Resultado disso é que seu gabinete no STF adota o Sistema de Gestão da Qualidade, baseado nas normas da família ABNT NBR ISO 9000, como se pode conferir no site do Supremo. “A entrada pelo quinto é difícil, pela própria concorrência prévia na OAB ou no Ministério Público”, explicava o então presidente da Academia Paulista de Magistrados, o falecido Antonio Carlos Viana Santos. O candidato, no caso de advogado, tem de passar pelo filtro da OAB, depois pela triagem do tribunal, e finalmente passar pelo crivo do Executivo. Lewandowski concordou na época. “O ingresso no Judiciário pelo quinto constitucional é uma entrada pela porta da frente: tem de ter dez anos de prática profissional, notório saber jurídico, aferido pela Ordem ou pelo MP, e passar pelo crivo do Tribunal e do Executivo. Mas a participação dos magistrados ingressos pelo quinto é um fator de oxigenação para o Judiciário. Para mim, a passagem pela advocacia foi fundamental para me preparar para a judicatura”, concluía então. Vencer aquele desafio não representara grande problema para o então jovem advogado. Ele vinha há muito se preparando para novas empreitadas, acumulando títulos. Formado em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1971, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo em 1973. “Fui jovem no auge da guerra fria”, comenta: “Quis estudar Ciências Sociais para entender o mundo, e fiz Direito porque queria nele interferir”. O mestrado em Direito veio em 1980, com a dissertação “Crise institucional e salvaguardas do Estado”, na USP. Ele é mestre em Relações Internacionais pela Fletcher School of Law and Diplomacy, da Tufts University. Em 1982, tornou-se doutor em Direito pela USP com o trabalho “Origem, estrutura e eficácia das normas de proteção dos Direitos Humanos na ordem interna e internacional” – editado em livro pela Forense em 1984. A livre docência ele defendeu em 1994. Tanto o mestrado quanto o doutorado foram orientados pelo professor Dalmo de Abreu Dallari, a quem sucedeu na titularidade do curso de Teoria Geral do Estado na USP. Lá, criou, tempos depois, a disciplina de Direitos Humanos. Foi essa bagagem que trouxe para o Judiciário, quando, em 1991, ingressou no hoje extinto Tribunal de Alçada Criminal. No STF, Lewandowski se destacou na defesa da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010, e no papel de presidente garantiu a sua aplicação no Tribunal Superior Eleitoral. Do mesmo modo, votou pela sua constitucionalidade no STF. Outro destaque foi a proibição do nepotismo. A extensão da proibição aos demais Poderes da República foi adotada após os ministros julgarem um recurso extraordinário em que o Ministério Público do Rio Grande do Norte contestava decisão do Tribunal de Justiça do mesmo estado que vetara a aplicação da resolução aos Poderes Legislativo e Executivo do município de Água Nova, interpretando que a resolução do CNJ deveria ser aplicada apenas no Judiciário. Relator da matéria, Lewandowski votou contra a contratação, por parte do município, de um motorista, irmão do vice-prefeito. Por sua iniciativa, propôs a votação da súmula vinculante que estabelece a proibição da contratação de familiares de até terceiro grau por parte dos órgãos dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Agora, no julgamento do Mensalão, como a grande imprensa já havia condenado os mensaleiros antes que a primeira testemunha do caso fosse ouvida, tudo o que não coincidisse com essa posição foi apresentado como aberração. Daí colocarem o ministro Lewandowski nessa condição. Do ponto de vista jurídico, no entanto, sua atuação é importante, pois mostrou que as coisas podem ser vistas de mais de uma maneira. E do ponto de vista político, sua importância foi legitimar o julgamento, permitindo que o processo não se transformasse num linchamento. Em contraponto, o atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, aplaudido relator do mensalão, tem longa trajetória na Promotoria. Também com sólida formação acadêmica, é doutor e mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas), onde seguiu extenso programa de doutoramento (1988-1992), de que resultaram três diplomas de pós-graduação. Cumpriu também o programa de Mestrado em Direito e Estado da Universidade de Brasília (1980-1982), obtendo o diploma de Especialista em Direito e Estado. Professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde ensinou Direito Constitucional e Direito Administrativo, foi Visiting Scholar (1999-2000) no Human Rights Institute da Columbia University School of Law. No campo profissional, sua trajetória foi construída nos 19 anos de Ministério Público Federal (1984-2003), com atuação em Brasília (1984-1993) e Rio de Janeiro (1993-2003). Antes, chefiara a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde (1985-1988) e advogou no Serviço Federal de Processamento de Dados (1979-1984), após servir na chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo trabalhado na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia. Ou seja, embora este texto tente lançar uma luz para entender algumas reações da alma de advogado de Lewandowski no julgamento do mensalão, também ajuda a entender por que o ministro Joaquim Barbosa de certo modo repete seu habitus de promotor. Como diz um sagaz observador, o relator encampou quase todas as teses da Procuradoria-Geral da República, limitando seu voto a repetir a denúncia. Quase duas décadas de Ministério Público também moldaram seu modo de ser. Repetindo, o uso do cachimbo entorta a boca. Carlos Costa é jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates. Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2012

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Editorial Estadão - Ayres Britto fará falta

Ayres Britto fará falta 20 de novembro de 2012 | 2h 06 Notícia Foi uma homenagem a uma convicção sustentada durante longo tempo. Na última sessão de que participou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há uma semana, o seu presidente, Carlos Ayres Britto, que exercia o cargo em virtude de sua condição de titular do Supremo Tribunal Federal (STF), viu aprovada uma ideia que trouxera consigo para o colegiado - a de fazê-lo acompanhar os processos que envolvem o exercício da liberdade de imprensa. Criado para aperfeiçoar o sistema judiciário brasileiro, o CNJ, no entender de Britto, "não podia deixar de se interessar" pelo modo como as relações entre a imprensa e o sistema democrático "são cotidianamente equacionadas" pela Justiça brasileira. O interesse tomará a forma de uma comissão denominada Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade. Presidido por um membro do CNJ, dele farão parte outros conselheiros, representantes da magistratura federal e estadual, da OAB e de entidades da área da comunicação. Evidentemente, Ayres Britto deixa claro, o Fórum não terá "nenhuma interferência na autonomia técnica dos magistrados" no exame de litígios que envolvam a liberdade de expressão. Ao criar um banco de dados desses julgamentos, o que lhe permitirá fornecer informações objetivas aos tribunais para suplementar a tomada de suas decisões, o Fórum poderá verificar, de acordo com o seu inspirador, o cumprimento da sentença do STF que extinguiu, por inconstitucional, a Lei de Imprensa do regime militar. Numerosos membros da alta magistratura decerto têm, ou tiveram a seu tempo, a mesma inabalável convicção de Ayres Britto sobre o "vínculo umbilical", como diz, entre o direito à informação e a livre manifestação do pensamento, de um lado, e a democracia, de outro. Mas dificilmente algum deles o terá superado em matéria de zelo - juridicamente alicerçado - em defesa da liberdade fundamental nas sociedades civilizadas. Quanto mais não fosse, o seu voto pela eliminação do entulho autoritário configurado na Lei de Imprensa deixou cravada na pedra uma passagem luminosa da trajetória da mais alta Corte do País - e da presença, nela, de um ministro que não inspirava expectativas dignas de nota quando o presidente Lula o nomeou em 2003 para a primeira vaga que se abria no seu mandato. Aposentado compulsoriamente no domingo, quando alcançou a idade-limite de 70 anos, esse sergipano de Propriá havia ocupado algumas das mais respeitadas funções no Judiciário de seu Estado, escrito um punhado de livros de poesia - e tentado, em vão, eleger-se deputado federal pelo PT, ao qual esteve filiado por 18 anos. Assumiu a sua cadeira no STF praticamente dois anos antes de um acontecimento que mudaria a sua vida e a dos pares de quem se despediu na semana passada dizendo que o Judiciário está "transformando o País". Foi a entrevista em que o então deputado Roberto Jefferson denunciou o esquema de compra de apoio parlamentar ao governo Lula, fazendo rebentar o escândalo do mensalão. Nos breves sete meses em que lhe tocou presidir o Supremo, a contar de abril último, Ayres Britto teve papel decisivo para impedir que o julgamento do caso ficasse para o dia de São Nunca. Durante os trabalhos, impressionou pela mansidão o grande público que não tinha acesso aos bastidores da Corte para saber que ele punha a placidez a serviço da firmeza a fim de que nada tirasse do prumo o fecho da mais importante ação penal da história do STF. A expressão "algodão entre cristais", tanto usada para descrever a sua atitude diante da troca de desaforos entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, não conta tudo. O exercício do apaziguamento em nenhum momento o levou a abrandar a sua preocupação primeira com a estrita obediência à Constituição. "O Supremo", ensinou, "interfere mais e mais no curso da vida, como deve ser, como fiel intérprete de uma Constituição concretista (que não se atém ao enunciado de princípios gerais e abstratos)." A lhaneza, a contenção do ego em um ambiente que não se caracteriza propriamente pela modéstia de seus ocupantes tampouco o inibiram de disparar na despedida uma ardida lição aos remanescentes: "Derramamento de bílis não combina com a produção de neurônios". Fará falta.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

STJ - ausência de análise de defesa preliminar- Conjur

Análise de defesa prévia é obrigatória em ação penal Mesmo tratando da defesa prévia de forma sucinta e sem exaurir todos os seus pontos, o juiz deve analisá-la, sob pena de nulidade de todos os atos posteriores à sua apresentação. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de forma unânime, chegou a esse entendimento ao julgar pedido de Habeas Corpus a favor de acusado de roubo circunstanciado com emprego de violência e concurso de pessoas. No recurso ao STJ, a defesa alegou que o juiz de primeiro grau não fundamentou o recebimento da denúncia nem fez menção às questões levantadas na defesa preliminar, apenas designando data para instrução e julgamento. Argumentou ser isso uma ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que exige fundamentação nas decisões judiciais. Pediu a anulação dos atos processuais desde o recebimento da denúncia ou novo recebimento da denúncia com a devida fundamentação. O relator do Habeas Corpus, ministro Og Fernandes, observou que, após o oferecimento da denúncia, duas situações podem ocorrer. Uma delas é o magistrado rejeitar a inicial, com base no artigo 397 do Código de Processo Penal (CPP), que determina a absolvição do acusado em algumas circunstâncias — por exemplo, se o fato não for crime ou se houver alguma exclusão de punibilidade. A outra consiste no recebimento da denúncia, com o prosseguimento do feito, podendo o juiz, ainda, absolver sumariamente o réu após receber a resposta à acusação, como previsto no mesmo artigo do CPP. Segundo o ministro Og Fernandes, não seria possível receber novamente a denúncia. “O artigo 399 do código não prevê um segundo recebimento da denúncia, mas tão somente a constatação, após a leitura das teses defensivas expostas, se existem motivos para a absolvição sumária do réu, ou se o processo deve seguir seu curso normalmente”, esclareceu. O ministro relator afirmou que o entendimento do STJ e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o recebimento da denúncia, por não ter conteúdo decisório, não exige fundamentação elaborada. Nos autos, entendeu o relator, o juiz apresentou satisfatoriamente os motivos pelos quais aceitou a denúncia, não havendo nesse ponto nenhuma razão para anular o processo. O relator, porém, aceitou a alegação de nulidade pela ausência de manifestação do magistrado sobre a defesa prévia. Ele apontou que a Lei 11.719/08 deu nova redação a vários artigos do CPP e alterou de forma profunda essa defesa. “A partir da nova sistemática, o que se observa é a previsão de uma defesa robusta, ainda que realizada em sede preliminar, na qual a defesa do acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que lhe interesse, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas”, destacou. A nova legislação deu grande relevância à defesa prévia, permitindo até mesmo a absolvição sumária do réu após sua apresentação. Pela lógica, sustentou o ministro Og, não haveria sentido na mudança dos dispositivos legais sem esperar do magistrado a apreciação, mesmo que sucinta e superficial, dos argumentos da defesa. Ele ponderou não ser obrigatório exaurir todas as questões levantadas, mas isso não autoriza que não haja manifestação alguma do juiz. Na visão do ministro, houve nulidade no processo pela total falta de fundamentação, já que o juiz não apreciou “nem minimamente as teses defensivas”. Com base no voto do relator, a Turma anulou o processo desde a decisão que marcou audiência de instrução e julgamento, determinando que o juiz de primeiro grau se manifeste sobre a defesa prévia. Como o acusado foi preso em 1º de maio de 2011, os ministros entenderam que havia excesso de prazo na formação da culpa e concederam Habeas Corpus de ofício para dar a ele o direito de aguardar o julgamento em liberdade. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. HC 232842

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Malefícios do consumo de maconha - Reinaldo Azevedo - Veja

27/10/2012 às 17:21 Cai o último argumento dos maconheiros: droga é mais prejudicial do que álcool e tabaco, sim! Um dos lobbies mais organizados, mais influentes e mais aguerridos do Brasil é o dos maconheiros. Não há, já demonstrei aqui — acho que em centenas de textos —, uma só centelha lógica em seus argumentos. Ao contrário: no fim, tudo termina na mais pura irracionalidade. Não repisarei argumentos. O capítulo 3 de “O País dos Petralhas II” chama-se “Das milícias do pensamento” — um dos subcapítulos tem este título “Da milícia da descriminação das drogas”. Como, em certas franjas, o consumo da maconha — e de algumas outras substâncias — se mistura com hábitos próprios dos endinheirados, a descriminação ganhou porta-vozes influentes. Por incrível que pareça, está presente até na eleição do comando da OAB… Leiam reportagem de Adriana Dias Lopes, que é capa da VEJA desta semana. Cai por terra a mais renitente — embora, em si, seja estúpida, já demonstrei tantas vezes — tese dos defensores da descriminação da maconha: a de que a droga ou é inofensiva ou é menos danosa à saúde do que o tabaco e o álcool, que são drogas legais. Errado! Leiam trecho da reportagem: (…) A razão básica pela qual a maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na evolução da espécie humana. Nem o álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a cocaína, a heroína ou o crack; nenhuma outra droga encontra tantos receptores prontos para interagir com ela no cérebro como a cannabix. Ela imita a ação de compostos naturalmente fabricados pelo organismo, os endocanabinoides. Essas substâncias são imprescindíveis na comunicação entre os neurônios, as sinapses. A maconha interfere caoticamente nas sinapses, levando ao comprometimento das funções cerebrais. O mais assustador, dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de que, interrompido seu uso, o dano às sinapses permanece muito mais tempo — em muitos casos, para sempre, sobretudo quando o consumo crônico começa na adolescência. Em contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o cérebro se dissipam poucos dias depois de interrompido o consumo. Com 224 milhões de usuários em todo o mundo, a maconha é a droga ilícita universalmente mais popular. E seu uso vem crescendo — em 2007, a turma do cigarro de seda tinha metade desse tamanho. Cerca de 60% são adolescentes. Quanto mais precoce for o consumo, maior é o risco de comprometimento cerebral. Dos 12 aos 23 anos, o cérebro está em pleno desenvolvimento. Em um processo conhecido como poda neural, o organismo faz uma triagem das conexões que devem ser eliminadas e das que devem ser mantidas para o resto da vida. A ação da maconha nessa fase de reformulação cerebral é caótica. Sinapses que deveriam se fortalecer tornam-se débeis. As que deveriam desaparecer ganham força”. (…) Leiam a íntegra da reportagem especial na edição impressa da revista e depois cotejem com tudo o que anda dizendo a turma da descriminação, cujo lobby é tão forte que ganhou até propaganda gratuita na TV aberta, o que é um despropósito. Para encerrar este post, vejam alguns dados cientificamente colhidos sobre os consumidores regulares de maconha: – têm duas vezes mais risco de sofrer de depressão; – têm duas vezes mais risco de desenvolver distúrbio bipolar; – é 3,5 vezes maior a incidência de esquizofrenia; – o risco de transtornos de ansiedade é cinco vezes maior; – 60% dos usuários têm dificuldades com a memória recente; – 40% têm dificuldades de ler um texto longo; – 40% não conseguem planejar atividades de maneira eficiente e rápida; – têm oito pontos a menos nos testes de QI; – 35% ocupam cargos abaixo de sua capacidade. E, digo eu, por tudo isso, 100% deles defendem a descriminação… PS – O lobby da maconha pode desistir. Este blog tem lado nessa questão e não cede a pressões organizadas. Comentários favoráveis à legalização das drogas não serão publicados. Não percam tempo. Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Do Blog AJD - SC . Voto de presos provisórios

sexta-feira, 5 de outubro de 2012 Eleições 2012 – o voto dos presos, por João Marcos Buch* Sim, todo preso provisório, que não sofreu condenação definitiva, tem o direito constitucional ao voto – respondi eu a um aluno que perguntou se o preso tinha direito a votar nas eleições. A turma havia concluído que a invisibilidade das violações que ocorriam no interior dos presídios era resultado da falta de atenção do Estado e da sociedade. Assim que dei a resposta, em contrapartida, sabia que ia acontecer. O aluno, com a indignação que a juventude estudantil tem, questionou: “Então, por que os presos provisórios em Joinville não votam, já que têm este direito?” E outra vez a lógica pragmática e certeira do estudante apontava o dedo na ferida. O direito ao voto do preso provisório ficou estabelecido há 24 anos, na Constituição Federal (art.15). No Brasil, são por volta de 40% a 50% dos cerca de 500 mil presos que estão nessa condição, presos provisórios, e que por isso têm o direito ao voto. Mas apenas um percentual pequeno e poucos estabelecimentos prisionais permitem o seu exercício. Com cerca de 500 presos provisórios (outros mil cumprem pena), Joinville acompanha o restante do País, ou seja, não haverá acesso ao voto no próximo dia 7 de outubro. É claro que não faltam afirmações do tipo “estão querendo dar direito aos piores da sociedade, aos que estão presos”. São frases tão preconceituosas quanto insípidas. O tempo dos debates a respeito já foi superado. O direito constitucional ao voto existe e cumpre implementá-lo. Se a lei é cumprida para encarcerar, então que se a cumpra também quando vem em prol do encarcerado. Uma nação, já disse Mandela, não pode ser julgada pela maneira como trata seus cidadãos mais ilustres, mas sim pelo tratamento dado aos marginalizados: seus presos. É um raciocínio claro. É a lei da ação e reação. Respeite e será respeitado, confira um tratamento digno ao preso, e a vida fora da prisão, para todos, será mais tranquila, mais pacífica. Efetivar o voto dos presos provisórios assim é reconhecer a dignidade dessas pessoas, conferindo-lhes respeito. É fazer com que as violações que sofrem transponham as cortinas do descaso, venham a público e passem a ser tratadas com a devida importância. Já tive oportunidade de dizer que quando se ensina a teoria dos princípios constitucionais e as garantias deles decorrentes é comum ouvir que a realidade das ruas é outra, dissociada dos mais básicos direitos. Acaba-se, então, por concluir que o plano das ideias não corresponde ao plano real, com abandono de ações que visem a fazer valer os direitos fundamentais. Porém, é possível fazer o contrário, acreditando na política como fenômeno de transformação e evolução da sociedade, com ações concretas próprias de um Estado democrático de direito, destinadas a compensar situações de injustiça social. Não será desta vez que os presos provisórios de Joinville votarão, mas que seja a última vez que esse direito lhes seja negado. Dificuldades existem, porém são superáveis, basta pressão popular e vontade política. E o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, exemplo de eficiência para o País, já se empenha nesse sentido. Como juiz da execução penal, espero conseguir ver todos em 2014 votando para deputado estadual e federal, senador, governador e presidente. E mais um salto ético a sociedade dará. Foi o que respondi ao estudante e a mim mesmo. *juiz de direito e conselheiro executivo da Associação Juízes Para Democracia (AJD)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

LFG no Conjur

Vícios Fulminantes Julgamento do mensalão no STF pode não valer Por Luiz Flávio Gomes Muitos brasileiros estão acompanhando e aguardando o final do julgamento do mensalão. Alguns com grande expectativa enquanto outros, como é o caso dos réus e advogados, com enorme ansiedade. Apesar da relevância ética, moral, cultural e política, essa decisão do STF —sem precedentes— vai ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com eventual chance de prescrição de todos os crimes, em razão de, pelo menos, dois vícios procedimentais seríssimos que a poderão invalidar fulminantemente. O julgamento do STF, ao ratificar com veemência vários valores republicanos de primeira linhagem —independência judicial, reprovação da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc.—, já conta com valor histórico suficiente para se dizer insuperável. Do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do Estado de Direito, no entanto, o provincianismo e o autoritarismo do direito latino-americano, incluindo, especialmente, o do Brasil, apresentam-se como deploráveis. No caso Las Palmeras a Corte Interamericana mandou processar novamente um determinado réu (na Colômbia) porque o juiz do processo era o mesmo que o tinha investigado anteriormente. Uma mesma pessoa não pode ocupar esses dois polos, ou seja, não pode ser investigador e julgador no mesmo processo. O Regimento Interno do STF, no entanto (artigo 230), distanciando-se do padrão civilizatório já conquistado pela jurisprudência internacional, determina exatamente isso. Joaquim Barbosa, no caso mensalão, presidiu a fase investigativa e, agora,embora psicologicamente comprometido com aquela etapa, está participando do julgamento. Aqui reside o primeiro vício procedimental que poderá dar ensejo a um novo julgamento a ser determinado pela Corte Interamericana. Há, entretanto, um outro sério vício procedimental: é o que diz respeito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, todo réu condenado no âmbito criminal tem direito, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 8, 2, h), de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas vezes. O entendimento era de que, quem é julgado diretamente pela máxima Corte do País, em razão do foro privilegiado, não teria esse direito. O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos levantou a controvérsia e pediu o desmembramento do processo logo no princípio da primeira sessão, tendo o STF refutado seu pedido por 9 votos a 2. O ministro Celso de Mello, honrando-nos com a citação de um trecho do nosso livro, atualizado em meados de 2009, sublinhou que a jurisprudência da Corte Interamericana excepciona o direito ao duplo grau no caso de competência originária da corte máxima. Com base nesse entendimento, eu mesmo cheguei a afirmar que a chance de sucesso da defesa, neste ponto, junto ao sistema interamericano, era praticamente nula. Hoje, depois da leitura de um artigo (de Ramon dos Santos) e de estudar atentamente o caso Barreto Leiva contra Venezuela, julgado bem no final de 2009 e publicado em 2010, minha convicção é totalmente oposta. Estou seguro de que o julgamento do mensalão, caso não seja anulado em razão do primeiro vício acima apontado (violação da garantia da imparcialidade), vai ser revisado para se conferir o duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo-se os que gozam de foro especial por prerrogativa de função. No Tribunal Europeu de Direitos Humanos é tranquilo o entendimento de que o julgamento pela Corte Máxima do país não conta com duplo grau de jurisdição. Mas ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse ponto. Logo, nosso país tem o dever de cumprir o que está estatuído no artigo 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda). A Corte Interamericana (no caso Barreto Leiva) declarou que a Venezuela violou o seu direito reconhecido no citado dispositivo internacional, “posto que a condenação proveio de um tribunal que conheceu o caso em única instância e o sentenciado não dispôs, em consequência [da conexão], da possibilidade de impugnar a sentença condenatória.” A coincidência desse caso com a situação de 35 réus do mensalão é total, visto que todos eles perderam o duplo grau de jurisdição em razão da conexão. Mas melhor que interpretar é reproduzir o que disse a Corte: “Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o artigo 8.2.h da Convenção.” A decisão da Corte foi mais longe: inclusive os réus com foro especial contam com o direito ao duplo grau; por isso é que mandou a Venezuela adequar seu direito interno à jurisprudência internacional: “Sem prejuízo do anterior e tendo em conta as violações declaradas na presente sentença, o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial.” Há um outro argumento forte favorável à tese do duplo grau de jurisdição: o caso mensalão conta, no total, com 118 réus, sendo que 35 estão sendo julgados pelo STF e outros 80 respondem a processos em várias comarcas e juízos do país (O Globo de 15 de setembro de 2012). Todos esses 80 réus contarão com o direito ao duplo grau de jurisdição, que foi negado pelo STF para outros réus. Situações idênticas tratadas de forma absolutamente desigual. Indaga-se: o que a Corte garante aos réus condenados sem o devido respeito ao direito ao duplo grau de jurisdição, tal como no caso mensalão? A possibilidade de serem julgados novamente, em respeito à regra contida na Convenção Americana, fazendo-se as devidas adequações e acomodações no direito interno. Com isso se desfaz a coisa julgada e pode eventualmente ocorrer a prescrição. Diante dos precedentes que acabam de ser citados, parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo grau. Se isso inovadoramente viesse a ocorrer —não temos notícia de nenhum precedente nesse sentido—, eles aguardariam o duplo grau em liberdade. Conclusão: por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da eventualmente autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado. Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook. Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2012

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

STJ - ausência de análise da defesa preliminar

Rito processual Ação é anulada por falta de análise de defesa Por Tadeu Rover Por entender que os argumentos apresentados pela defesa de um acusado de lavagem de dinheiro não foram analisados em primeira instância, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, anular um processo desde a apresentação da resposta à acusação. Os ministros afirmam que a ação não seguiu o rito processual e determinaram que o juízo de primeiro grau analise as matérias arguidas pela defesa, "nos termos do artigo 396 e seguintes" do Código de Processo Penal. No caso, foi verificado que os argumentos apresentados pelo advogado Alberto Zacharias Toron, na defesa de Gilmar de Matos Caldeira — acusado de lavagem de dinheiro — não foram analisados quando a 4ª Vara Federal em Belo Horizonte recebeu denúncia contra seu cliente. A acusação o enquadrava no artigo 22 da Lei 7.492/1986: “Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas”. O voto vencedor no STJ, foi proferido pelo ministro Adilson Vieira Macabu. O ministro cita o artigo 396-A do Código Processual Penal que dispõe que, na resposta à acusação, tanto no procedimento ordinário, quanto no sumário, o acusado poderá arguir preliminares, sob pena de preclusão. Prescreve, ainda, que deve o magistrado manifestar-se quanto às alegações aventadas pela defesa. Macabu afirma que "se a Lei 11.719/08 vincula o juiz a um procedimento inafastável, e se esse procedimento não é observado, é evidente que isso macula o ato jurisdicional". Para complementar seu voto, o ministro lembrou o julgamento anterior da própria 5ª Turma que diz: “Se não fosse necessário exigir que o magistrado apreciasse as questões relevantes trazidas pela defesa — sejam preliminares ou questões de mérito — seria inócua a previsão normativa que assegura o oferecimento de resposta ao acusado”. O voto vencedor foi seguido pelos ministros Laurita Vaz e Jorge Mussi. O ministro Gilson Dipp seguiu o voto do relator do caso, ministro Marco Aurélio Belizze, que ficou vencido. Bellizze votou contra anulação. Para ele, "a formalidade há de ceder à substância, havendo esta de prevalecer se e quando em confronto com aquela. Ora, as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito; sendo assim, a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador não deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando atingido seu objetivo". Belizze defende em seu voto que "embora o Juiz Federal Substituto não tenha analisado a peça defensiva antes da audiência de instrução e julgamento, verifico que os temas arguidos na fase do artigo 396-A do Código de Processo Penal estão umbilicalmente ligados ao mérito da pretensão punitiva e poderão ser enfrentadas até o momento da sentença, pois não estão sujeitos à preclusão". Responsável pelo voto-vista que desempatou a votação para a decisão, o ministro Jorge Mussi afirmou que "deve o magistrado declinar por quais razões entende não configuradas as teses defensivas, ainda que de maneira sucinta, sob pena de configurar-se a repudiada negativa de prestação jurisdicional, como ocorreu na hipótese". Por maioria, a 5ª Turma do STJ decidiu conceder Habeas Corpus para anular o processo desde a apresentação da resposta à acusação, determinando que o juízo de primeiro grau analise as matérias arguidas pela defesa, nos termos do artigo 396 e seguintes do Código de Processo Penal. Clique aqui para ler a decisão. HC 183.355 Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2012

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Princípio da lesividade e os crimes de perigo abstrato: eiva de inconstitucionalidade.

O Princípio da lesividade e os crimes de perigo abstrato: eiva de inconstitucionalidade. Rafael Silva de Faria 1 Introdução Tendo em vista que o Direito Penal é o ramo do direito que invade de forma mais enérgica os direitos e liberdades individuais, imprescindível que para sua intervenção, no seio de um Estado Democrático de Direito, não se olvide do Princípio da intervenção mínima e seus consectários, precipuamente o princípio da lesividade. Hodiernamente, em face de novos riscos para coletividade, o direito penal torna-se panacéia para todos os males, verificando-se, cada vez mais, tutela de bens jurídicos ex ante de qualquer lesão, de modo que delitos de perigo abstrato se proliferam no ordenamento jurídico. Amparado em autores que defendem a inconstitucionalidade de tipos penais de perigo abstrato, por violarem a um só tempo diversos princípios, inclusive constitucionais, demonstrar-se-á que delitos que sequer põe em perigo concreto bens jurídicos que visam tutelar, tem caracteres de inconstitucionalidade. 2.1 O sistema SG (Ferrajoli) e o Princípio da lesividade O sistema garantista (SG) propugnado por Luigi Ferrajoli, em seu clássico “Direito e razão: teoria do garantismo penal”, assevera que a ‘ofensa’ é um das garantias penais, em conjunto com ‘delito’, ‘lei’, ‘necessidade’, ‘ação’ e ‘culpabilidade; as garantias processuais, por sua vez, são ‘juízo’, ‘acusação’ ‘prova’ e ‘defesa’. Previsto no axioma A4 (Nulla necessitas sine injuria), o princípio da lesividade ou ofensividade do evento, entrelaçado com os outros axiomas que formam o sistema SG, revelam “o modelo garantista de direito ou de responsabilidade penal, isto é, as regras do jogo fundamental do direito penal” e expressam as garantias relativas ao delito. Mister a transcrição de excerto de Ferrajoli em que confere potencial valor ao princípio da legalidade estrita (chama-o de modelo regulador), se entrelaçando com todos os outros axiomas previstos no sistema SG: “Enquanto o axioma de mera legalidade se limita a exigir a lei como condição necessária da pena e do delito (nulla poena, nullum crimen sine lege), o princípio da legalidade estrita exige todas as demais garantias como condições necessárias da legalidade penal (nulla lex poenalis sine necessitate, sine injuria, sine actione, sine culpa, sine judicio, sine accusatione, sine probatione, sine defensione). Graças ao primeiro princípio, a lei é condicionante; graças ao segundo, é condicionada.” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 76). Ou seja, no entender do mestre italiano, a ausência de denotação taxativa do dano e das demais garantias, condiciona todo o sistema penal contra o arbítrio estatal e “garante a verificabilidade e falseabilidade dos tipos penais abstratos” (ob. cit. p. 77), porquanto somente as ações externas que produzem efeitos lesivos e imputáveis à culpabilidade de uma pessoa “são na realidade conotáveis de maneira precisa e denotáveis taxativamente como elementos constitutivos do delito no sentido exigido pelo princípio da legalidade estrita”. (ob. cit. p. 99). O Princípio da lesividade, conjuntamente com a materialidade e responsabilidade pessoal, são critérios negativos ou limitadores, com o valor de condições necessárias (embora não suficientes, segundo Ferrajoli), de legitimidade. Denominou de substanciais as garantias penais de lesividade, materialidade e culpabilidade, porquanto afetam a substância ou o conteúdo das proibições; se ralacionam “à regulação dos pressupostos da pena”. (ob. cit. p. 371) Ferrajoli afiança que “A necessária lesividade do resultado, qualquer que seja a concepção que dela tenhamos, condiciona toda justificação utilitarista do direito penal como instrumento de tutela e constitui seu principal limite axiológico externo.” (ob. cit. p. 373/74) Haja vista que os crimes de perigo abstrato, denominados, outrossim, de tipos formais, não lesionam concretamente qualquer bem jurídico penal, violando, desse modo o Princípio da lesividade, além de carecer, segundo Ferrajoli, de legitimidade, necessário se faz discorrer acerca dos diversos desdobramentos que envolvem a temática. 2.2 Crimes de perigo abstrato e desdobramentos necessários. Antes de adentrar-se nos desdobramentos que envolvem os crimes de perigo abstrato, importante ressaltar o atual estágio da chamada “sociedade de risco” hodierna, porquanto se entrelaça com a tutela que esses tipos penais visam albergar. Na sociedade de risco, em que a produção em massa se acelera de forma vertiginosa, exsurge, de forma concomitante, os riscos que advém desse contexto moderno. Produção de energia nuclear, engenharia genética, alimentos geneticamente modificados, segurança viária, crimes cibernéticos, terrorismo, são apenas alguns exemplos a demonstrar que o progresso científico expõe a população a riscos sem precedentes, justificando a produção legislativa (no afã da grande mídia) na seara penal, olvidando-se dos diversos princípios que norteiam esse ramo do direito. A sociedade de risco caracteriza-se pela multiplicação de riscos à coletividade, decorrente dos avanços científicos e tecnológicos, ao passo que o papel do Direito penal nesta conjuntura de maximização dos riscos coletivos é exacerbado, deixando de ser um mecanismo de ultima ratio “para converter-se em verdadeiro instrumento de configuração social, por meio de uma política criminal cada vez mais atuante.” (ORIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. 1ª ed. São Paulo: IBCCRIM, 2011, p. 26). Nesse contexto, o direito repressivo passa a figurar como contenção de atividades ex ante de qualquer dano, conspurcando, a um só tempo, o princípio da intervenção mínima e, precipuamente, o princípio da lesividade. Desse modo, o desvalor do resultado é substituído pelo desvalor da ação, assim como o prejuízo concreto é substituído pela probabilidade de lesão de bens e interesses. Segundo Bottini, “a sociedade de riscos demanda um estado de segurança que amplie os âmbitos de contenção de atividades para responder a uma situação de emergência estrutural, derivada da própria organização produtiva.” (BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2ª ed. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2010, p. 92). Entram em cena, nessa conjuntura, os crimes de perigo abstrato, visto que “o deslocamento do injusto do resultado para a conduta reflete uma preocupação do gestor dos riscos (no caso, o legislador penal) com a prevenção e com a necessidade de evitar o perigo, como forma de garantir, de forma mais eficaz, a proteção aos bens aceitos como indispensáveis à vida em comum”. (BOTTINI, ob. cit. p. 96). Com uma visão crítica acerca desse chamado direito penal do risco, a Escola de Frankfurt, capitaneada por Hassemer, aponta que o direito penal é incapaz de conter novos riscos, de modo que sua função é meramente simbólica e pouco significativa para enfrentar os problemas atuais. O sistema penal, para Hassemer, tem uma missão oposta aos demais instrumentos de gestão de risco. Para ele, o direito repressor deve assegurar e proteger elementos pessoais, o núcleo básico de direitos individuais, pois objetiva imputar o fato punível a uma pessoa, com limites estabelecidos constitucionalmente. (BOTTINI, ob. cit. p. 101). Arvorado em doutrina estrangeira, Luís Grecco aduz que Wohler, ao criticar teóricos que visam restringir o poder do legislador de incriminar, propõe a criação de grupos de crimes de perigo abstrato com enunciados de legitimidade que cada qual tem que atender. Distingue referidos tipos penais em três espécies: delitos de ação concretamente perigosa; delitos de cumulação e delitos de preparação. (GRECCO, Luís. ‘Princípio da ofensividade’ e crimes de perigo abstrato. RBCCrim 49/2004, p. 127). Exemplo clássico da primeira espécie seria o tipo penal previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, a conduta de embriaguez ao volante, alterado pela Lei 11.705/2008. Sua redação anterior trazia as exigências de estar o agente “sob a influência de álcool ou substâncias de efeito análogos” e de que houvesse, com a condução veicular, exposição “a dano potencial a incolumidade de outrem”, que no entender de Luís Grecco, tratava-se de crime de perigo concreto para um bem jurídico individual. (GRECCO, ob. cit. p. 127, nota de roda pé 118). Para Luiz Flavio Gomes, o “estar sob influência” de substância psicoativa exige a exteriorização de um fato (um plus) que vai além da embriaguez, exigindo-se, desse modo, uma condução do veículo anormal a colocar em risco a segurança viária, configurando um perigo concreto indeterminado legítimo. Sem a exteriorização concreta da embriaguez, se está diante de um tipo penal de perigo abstrato, “o que (hoje) é uma heresia sem tamanho, quando se estuda o princípio (constitucional implícito) da ofensividade, que não permite nenhum delito de perigo abstrato.” (GOMES, Luiz Flávio. Reforma do Código de Trânsito (Lei 11.705/2008): novo delito de embriaguez ao volante. Disponível em http://www.lfg.com.br). Pode-se dizer que a redação anterior do art. 306 do CTB se classificaria como delito de perigo abstrato-concreto, visto que descrevia a conduta proibida e exigia, expressamente, para a configuração da tipicidade objetiva, a necessidade da periculosidade geral, de modo que a ação (in casu, conduzir veículo automotor sob influência de álcool expondo a dano potencial a incolumidade de outrem) fosse apta ou idônea para lesionar ou colocar em perigo concreto um bem jurídico. (BOTTINI, ob. cit. p. 118). Com o clamor social que o morticínio nas estradas brasileiras causava e continua causando, adveio a referida Lei 11.705, a cunhada ‘Lei Seca’, alteradora do tipo penal de embriaguez ao volante, tornando-se um autêntico crime de perigo abstrato, porquanto “não pode ser inserido entre os delitos de perigo abstrato-concreto – pois o tipo não contém um elemento que expresse a periculosidade concreta da conduta típica ou dos meios utilizados (2) – e tampouco entre os delitos de perigo concreto.” (CARVALHO, Érika Mendes de. A técnica dos valores-limite e os delitos de perigo abstrato. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 19, n. 228, p. 14-15, nov., 2011.) Retomando a classificação proposta por Wohlers, os delitos de cumulação seriam ações que isoladamente não se mostram perigosas, mas que passam a sê-las quando repetidas por um número maior de pessoas. Os delitos ambientais se enquadram na classificação proposta, contudo só haverá criminalização legítima casos os efeitos de cumulação sejam fundados em expectativas realistas. (GRECCO, ob. cit. p. 128). Daí a importância de diferenciar o princípio da precaução da prevenção, uma vez que a precaução decorre da ausência de conhecimentos científicos sobre a periculosidade de determinadas condutas, ou seja, quando inexistem estatísticas sobre quaisquer resultados concretos decorrentes das mesmas, quer de caráter lesivo ou perigoso. (BOTTINI, ob. cit. p. 257). Nos casos de prevenção, a certeza científica da periculosidade da conduta e a evidência de potencialidade de dano permitem identificar o bem jurídico potencialmente lesionado, em que, amparado no princípio da proporcionalidade, se imputará a sanção penal de acordo com a probabilidade de dano e na importância dos interesses tutelados. (BOTTINI, ob. cit. p. 287). Após trazer posicionamentos de correntes de pensamento, BOTTINI, amparado nos princípios da lesividade, subsidiariedade, fragmentariedade e proporcionalidade, aduz no sentido de que “a inexistência de referentes concretos de periculosidade transforma as normas penais em comento em instrumentos de caráter simbólico, com a finalidade de garantir a tranquilidade subjetiva dos cidadãos e de responder às demandas pela mitigação de riscos, sem lastro material na proteção concreta de bens jurídicos”. (BOTTINI, ob. cit. p. 288). O terceiro tipo de crimes de perigo abstrato proposto por Wohlers seriam os delitos de preparação que revelam proibições de comportamento que não se mostram diretamente lesivos a um bem jurídico, de modo que somente são legitimáveis se existirem especiais fundamentos que justifiquem o dever antecipado de responsabilizar-se; exemplifica com a entrega de objetos perigosos e a existência de sentido delitivo unívoco da contribuição. (GRECCO, ob. cit. p. 129). Ao dar prosseguimento nos desenvolvimentos acerca dos crimes de perigo abstrato, Grecco propõe a discussão do que seja perigo concreto, porquanto a linha divisória entre legítimo e ilegítimo, seria dado pelo caráter concreto ou abstrato do perigo criado. (GRECCO, ob. cit. p. 119). Informa que há duas posturas acerca do que seja perigo concreto: uma de natureza ontológica e outra de caráter normativo. Naquela afirma-se que existe perigo concreto quando a não-ocorrência do resultado não é cientificamente explicável por meio de uma lei natural. A concepção de caráter normativo do perigo, de longa tradição doutrinária e jurisprudencial, parte do princípio de que “o bem jurídico terá passado por perigo concreto quando a inocorrência da lesão parece mera obra do acaso, quando um homem racional não pudesse contar com um final feliz para os acontecimentos”. (GRECCO, ob. cit. p. 120/21). Para elucidar a questão Grecco revela seguinte hipótese: motorista embriagado ultrapassa um motociclista pela direita, saindo de sua faixa e avançando em sua direção. Ocorre que o motociclista é competidor de motocross , e não tem dificuldade alguma de recuar e evitar o acidente, dada as suas habilidades. (GRECCO, ob. cit. p. 121/22). Indaga Grecco: “Será que a aqui a doutrina brasileira consideraria inaplicável o dispositivo do art. 306 do Código de Trânsito, o qual incrimina a conduta de ‘conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou de substância de efeitos análagos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem’? Se realmente entender como crime de perigo concreto, a resposta só pode ser afirmativa, uma vez que, aqui, o resultado não deixou de ocorrer por acaso, e sim pelas superiores capacidades do motociclista. De um ponto de vista ex post essas superiores capacidades devem ser levadas em conta, e elas refutam a suspeita de que haveria perigo.” (GRECCO, ob. cit. p. 122). Ressalta-se que a crítica específica que faz Grecco à teoria de Luiz Flávio Gomes, de que o tipo penal de embriaguez ao volante trata-se de perigo indireto comum e que os críticos do perigo abstrato acabam ampliando o conceito, refere-se a antiga redação do art. 306 do CTb, porquanto, como ressaltado, o crime em questão não exige mais a colocação em perigo de outrem; ou seja, basta conduzir veículo com nível de álcool no sangue superior ao permitido, independente de colocar em risco a coletividade, tratando-se, doravante, de autêntico crime de perigo abstrato. Ao tecer comentários acerca do tipo previsto no art. 306 do CTb, com redação anterior à Lei 11.705, Gomes asseverava que a conduta de dirigir veículo sob influência de álcool, sem qualquer colocação de risco a terceiros, em via deserta, tornava-se a ação atípica, porquanto o Direito repressor “(...) existe em função das pessoas. Sempre é mister, portanto, interpretar os tipos penais em termos de ofensa a bens jurídicos pessoais. Seja uma ofensa direta, seja indireta. Mas sempre algum interesse humano tem de ser afetado (...)”. (GOMES, Luiz Flavio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp. 105/106) Dando potencial relevo ao Princípio da ofensividade, Gomes entende que esse princípio tem a função de limitar o ius poenale, ou seja, o direito de apenar em momento de aplicação da pena pelo Estado-juiz. Segundo Gomes, o Princípio da ofensividade ocupa posição nuclear no sistema penal servindo “(...) como limite (ou critério) do ius poenale então significa que ao juiz compete descobrir, depois de verificada a subsunção formal da conduta à letra da lei, qual é o bem jurídico (qual é o valor) protegido e se esse bem foi concretamente afetado (lesado ou posto em perigo). Só assim pode-se falar em tipicidade (em sentido formal). (...) É preciso sempre verificar o que está detrás do texto legal (do enunciado legal). Urge que se descubra sempre a antijuricidade material (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico), interpretando-se os tipos penais teleologicamente.” (ob. cit. p. 103) Se reportando aos tipos penais de embriaguez ao volante e estelionato de seguros no direito alemão, Roxin assevera que se discute intensamente se a tendência do legislador de permitir a punibilidade já no estágio anterior de uma lesão de bens jurídicos é justificável desde o ponto de vista do Estado de Direito (ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito penal. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 28). Segundo o doutrinador alemão “O problema inerente a estas normas é que o comportamento culpado está ainda bastante distante da verdadeira lesão de bens jurídicos. Do conceito de proteção de bens jurídicos se infere, então, somente que, tratando-se de uma antecipação considerável da punibilidade, necessita-se fundamentar, especialmente porque isto é necessário para a proteção efetiva do bem jurídico. A fundamentação pode contribuir no primeiro caso (porque um condutor embriagado já não domina seu comportamento suficientemente, de modo que em cada momento pode ocorrer algo); sem embargo, não no segundo (pois quem faz desaparecer sua propriedade pode decidir sempre se logo se dirige ou não ao seguro, com ânimo de enganar) (...)” (ROXIN, ob. cit. p. 28). De acordo com o entendimento de Rogério Greco, o Direito penal só pode proibir comportamentos que extrapolem o âmbito do próprio agente, que venham atingir bens de terceiros, atendendo-se, desse modo, o Princípio da lesividade (nulla Lex poenalis sine injuria). (GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 5ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2010, p. 80) Conquanto a produção legislativa e jurisprudencial tenham asseverado que o tipo penal de embriaguez ao volante prescinde de qualquer lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado (Vide Lei Seca e HC 109.269/MG, STF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski), afastando-se, por hora, a inconstitucionalidade do crime, exsurge, hodiernamente a discussão acerca do tipo insculpido no art. 28 da Lei 11.343, o chamado porte de droga para uso pessoal. Recentemente, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral em Recurso Extraordinário (RE 635659) interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que questiona a constitucionalidade do dispositivo da Lei 11.343/2006 que classifica como crime o porte de droga para consumo pessoal. O órgão argumenta que tal dispositivo contraria o princípio da intimidade e vida privada, uma vez que a conduta de ter consigo entorpecentes para uso próprio não implica lesividade, ou seja, não causa lesão a bens jurídicos alheios, princípio básico do Direito Penal. A Defensoria Pública justifica sua posição argumentando que “o porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’ (objeto jurídico do delito de tráfico de drogas), mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”. (Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/site/home/home.php, Acesso em 12/01/2012). Para Salo de Carvalho a criminalização das condutas relativas ao uso de entorpecentes é injustificável por violarem os postulados da secularização e os princípios da lesividade, da intimidade e da vida privada. Estes princípios instrumentalizam a máxima secularizadora, visto que somente pode ser considerado delito condutas que ofendam ou coloquem em perigo (concreto) bens jurídicos de terceiros. Exclui-se, desse modo, qualquer legitimidade criminalizadora contra atos autolesivos, condutas que não violam ou arriscam bens alheios e condições e opções individuais. (CARVALHO, Salo. Política Criminal de drogas no Brasil. 4ª ed. ampliada, atualizada e com comentários à Lei 11.343/06. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007, p. 166). Tendo em vista as diversas nuances que envolvem o tema, mister adentrar-se na tese de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, por violarem diversos princípios, inclusive constitucionais. 2.3 A inconstitucionalidade de tipos penais de perigo abstrato. Tal como ressaltado, o Princípio da lesividade ganha destaque na doutrina de Ferrajoli, em seu sistema SG, considerando-o como garantia substancial, porquanto regula os pressupostos da pena. O Princípio da Lesividade, por estar ligado ao da necessidade das penas e à concepção liberal da pena, como mínima restrição necessária, é adequado e conveniente para vincular o legislador à máxima kantiana, segundo a qual a única tarefa do direito é a de fazer compatíveis a liberdade de cada um. Este Princípio tem um papel histórico fundamental, posto que, influencia na elaboração de um direito penal mínimo plasmado, principalmente, no moderno Estado de direito com fundamentação não teológica nem ética; do contrário, laica e jurídica, orientando-o para a função de defesa dos sujeitos mais frágeis por meio da tutela de direitos e interesses necessários ou fundamentais (FERRAJOLI, ob. cit. p. 375). Doutrina e jurisprudência, quando analisam o Princípio da lesividade visando deslegitimar figuras típicas que não lesionam ou põe em perigo bens jurídicos-penais, se esmeram em encontrar guarida de tal princípio tanto na Constituição como na Legislação ordinária. Segundo Alice Bianchini, como ao direito penal somente se devem reservar as condutas mais drásticas que ofendam bens de fundamental importância, a punição a título de crime de perigo encontra-se ameaçada, de modo que a aplicação do axioma da dignidade humana conduziria, sem qualquer dificuldade, à conclusão que seu conteúdo afronta com a aceitação de criação de crimes de perigo abstrato no ordenamento jurídico pátrio. (BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. – (Série as ciências criminais no século XXI; v.7, pp. 67/68) Luiz Flávio Gomes, outro partidário da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, sustenta que o Princípio da ofensividade ostenta consagração, ao menos implicitamente, na Constituição brasileira. Aduz que vivemos num Estado laico, que a dignidade humana é retratada como valor síntese de todos os demais valores, de modo que o Direito penal não pode contemplar o homem como mero objeto de tratamento em razão de uma inclinação antissocial ou desobediente. Assim, o único modelo de Direito penal compatível constitucionalmente é o estruturado em tutela de bens jurídicos, ofendidos concretamente, na forma de lesão ou perigo concreto de lesão. Destoa da estrutura constitucional vigente qualquer teoria do fato punível fundada no mero desvalor da ação. “Não há delito sem desvalor do resultado (afetação a bens de terceiras pessoas).” (ob. cit. p. 59) O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Nereu José Giacomolli, em voto em que absolve réus de tentativa de furto, segue o entendimento de que o Princípio da ofensividade pode ser retirado do art. 1º, III da CF, quando afirma que “Do fundamento da dignidade humana, que inspirou a nossa Constituição (art. 1°, III), se extrai o princípio da ofensividade. Fere a dignidade humana a condenação por um fato que não lesa, de forma concreta, o bem jurídico eleito, como a aplicação de uma sanção criminal se não houve relevância no ataque. A ausência de ataque não autoriza a reação punitiva, sob pena do ser humano ser considerado mero objeto.” (Apelação Criminal nº 70023334758, 6ª Câmara Criminal do TJ/RS, Rel. Nereu José Giacomolli) Além do Princípio da dignidade humana, esculpido na ordem constitucional como fundamento da República (art. 1º, III, da CF), onde se extrai o Princípio da lesividade, tendo em vista que crimes sem resultado objetivam incriminar o desvalor da ação e não do resultado, pode-se chegar ao Princípio em estudo, ademais, no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, onde se encontra o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Compulsando a redação do referido inciso do art. 5º da Carta Maior (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), verifica-se que nele pode-se retirar o Princípio da ofensividade, porquanto a lesão ou ameaça a direito há de ser demonstrada em qualquer ação judicial, precipuamente em ações na esfera criminal, haja vista as penas corporais e restritivas de direitos que o agente pode ser submetido, a estigmatização que envolve esse ramo do direito e os princípios reitores da ultima ratio, como subsidiariedade, fragmentariedade e ofensividade. Damásio de Jesus, citado por Gomes, entende, ainda, que o Princípio da ofensividade pode ser extraído do art. 98, I, da CF, ao disciplinar as infrações de menor potencial ofensivo. Assevera o doutrinador que “O Direito Penal só pode ser aplicado quando a conduta lesiona um bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminoso.” (ob. cit. p. 62) Ademais, o Código Penal, em seu art. 13, prescreve que “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem deu causa”, revelando, em claro vernáculo, que para a existência do crime há de existir um resultado. Indaga Gomes: “(...) qual resultado é sempre exigido para configuração do crime? (...) o resultado exigido pelo art. 13 só pode ser o jurídico. Este sim é que está presente em todos os crimes. Que se entende por resultado jurídico? É a ofensa ao bem jurídico, que se expressa numa lesão o ou perigo concreto de lesão. Esse resultado jurídico possui natureza normativa (é um juízo de valor que o juiz deve fazer em cada caso para verificar se o bem jurídico protegido pela norma entrou no raio de ação dos riscos criados pela conduta).” (ob. cit. pp. 59/60) Some-se a isso que, diferentemente do previsto na Alemanha (por influência do finalismo, das teorias subjetivistas e dos funcionalismos), o ordenamento jurídico pátrio não pune o crime impossível (art. 17 do CP), uma vez que quem atira contra um morto exterioriza uma vontade homicida, mas não é punido porquanto não há desvalor do resultado. (GOMES, ob. cit., p. 62). Bianchini entende, outrossim, que o crime de perigo abstrato conspurca o princípio da culpabilidade, uma vez que a norma exige tão somente o comportamento do agente e que o castigo decorreria de uma dada visão política, moral ou social (ob. cit. p. 68). Nelson Hungria, doutrinava, em tempos em que os crimes de perigo abstrato não emergiam como hodiernamente, que “Perigo presumido (ou que deve ser reconhecido in abstracto) é o que a lei presume, juris et de jure, inserto em determinada ação ou omissão. (...) É bem de ver que a lei não deixa a apreciação do perigo ao juízo do agente: no caso de perigo presumido ou in abstracto, funda-se na experiência (Urteil der Gesellschaft) para, a priori, considerar perigosa esta ou aquela ação ou omissão; (...)” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Arts. 11 a 27, Rio: Companhia Editôra Forense, p. 19). A presunção absoluta, iuris et de iure, de que certo comportamento do agente, baseado em regras de experiência, venha a ofender determinado bem jurídico, tão somente por subsumir na norma incriminadora, tem caracteres de inconstitucionalidade. (BIANCHINI, ob. cit., p. 69). Bento de Faria assinalava que “(...) o dano ou perigo que possa lesar ou ofender ou ameaçar tais bens deve ser trazido por situações de fato que comprovem ou induzam, fundadamente, um ou outro.” E arrematava: “A abstração ou indeterminação não pode ter relevância jurídica.” (FARIA, Bento de. Código Penal brasileiro comentado, Vol. II, primeira parte, Parte Geral (Arts. 1 a 41), Rio de Janeiro: Distribuidora Récord Editôra, 1958, p. 119). Exsurge, desse modo, a questão do ônus da demonstração da periculosidade da conduta do agente a ser analisada no caso concreto. De um lado o Estado, detentor do jus puniendi, no qual pode afirmar seu descompromisso em tal demonstração, uma vez que, o legislador ordinário, ao prescrever tipos de perigo abstrato, já previu comportamento perigoso ex ante de qualquer lesão ao bem jurídico. Por outro lado, há previsão constitucional de presunção de inocência em favor do réu e a incumbência do órgão acusatório, ao confeccionar a denúncia, de demonstrar a tipicidade formal e material da conduta. Tem-se, desse modo, a fórmula negativa e positiva que visam demonstrar a periculosidade nos crimes de perigo abstrato. De acordo com a fórmula negativa, pretende-se ”(...) transformar uma presunção iuris et de iure de perigo, que não admite prova em contrário, em uma presunção iuris tantum, aberta à demonstração da efetiva inocuidade do comportamento. (...)” (BOTTINI, ob. cit., p. 247). No entanto, a possibilidade de inversão do ônus da prova, “(...) evidentemente não se verifica no plano penal, quando o indivíduo é colocado diante do Estado para defender-se de imputação fática e da pretensão punitiva sobre um comportamento desvalorado.” (BOTTINI, ob. cit., p. 248). A fórmula positiva implica que a dúvida sobre os riscos que envolvem a conduta, revelaria a deslegitimidade punitiva que, no entender dos críticos, consistiria em interpretação contra legem, porquanto exige do juiz a análise de um elemento que não integra o tipo penal, qual seja, a periculosidade. (BOTTINI, ob. cit., p. 249). Para Bottini, esta crítica não é adequada, uma vez que “O sistema penal (...) têm a função de aproximar o ordenamento jurídico da realidade dinâmica que o envolve, e de corrigir as distorções que uma estrutura hermética fatalmente apresentaria. (...) Esta metodologia impõe o desenvolvimento de um sistema aberto que contemple conceitos como a tipicidade material, a antijuridicidade material e outros, necessários à aplicação da norma orientada a seus fins.” (ob.cit., p. 249). Entra em cena, para a criação legislativa na seara penal e em casos concretos, o princípio da proporcionalidade que, como já assentado em diversas oportunidades pelo Supremo Tribunal Federal, tem previsão constitucional, esculpido no art. 5º, LIV, que disciplina o devido processo legal (ADIs 958, 1158, 2667). Em sede de legislação processual penal, o princípio da proporcionalidade foi positivado no ordenamento jurídico pátrio recentemente, com a edição da Lei 12.403/2011, que trata das prisões e medidas cautelares substitutivas da prisão preventiva, quando prescreve os critérios da necessidade e adequação (subprincípios da proporcionalidade) para aplicação de medidas cautelares (art. 282 do CPP). Segundo Feldens “O desenvolvimento dogmático da proporcionalidade está diretamente associado à evolução histórica em torno das funções do direito fundamental, onde sua invocação encontra especial relevância. (...) Os exames de adequação e necessidade perfazem a proporcionalidade em sentido amplo, segundo a qual o meio previsto pelo legislador deve ser adequado e exigível para alcançar o objetivo proposto. (...) Um meio é considerado adequado ‘quando mediante sua utilização torna-se possível lograr o resultado desejado’; é necessário (exigível) ‘quando o legislador não poderia ter optado por um meio distinto, igualmente eficaz, que não limitasse, ou que o fizesse em menor grau, o direito fundamental’ [BverfGE 30,292]. A proporcionalidade em sentido estrito, a seu turno, estaria (...) a indicar que as vantagens da promoção do fim superam as desvantagens da intrusão no âmbito do direito fundamental restringido.” (FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: ... Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 82). Conquanto Feldens entender obscuro a posição da doutrina quanto a sede material do Princípio da ofensividade na Constituição Federal, considera que referido Princípio “(...) não é outra coisa senão a transposição, para a linguagem dogmático-penal, do princípio da proporcionalidade, enquanto dever de proscrição de ingerências indevidas, desnecessárias ou concretamente excessivas no âmbito dos direitos fundamentais, análise que se realiza a partir do modelo de conduta proibida ou, em concreto, da ação realizada no plano fático.” (ob. cit., p. 35) Nesse contexto e à luz da presente abordagem, a Constituição Federal passa a figurar como limite material ao Direito Penal (erigindo barreiras ao processo criminalizador) e fonte valorativa na escolha de bens jurídicos suscetíveis de proteção jurídico-penal, servindo a Carta Magna como paradigma para intervenção do Direito repressor, sem olvidar dos diversos princípios reitores desse ramo do direito. 3 CONCLUSÃO A globalização e o avanço das tecnologias exsurgidas precipuamente, no decorrer dos anos noventa do século passado, trouxeram grandes modificações no âmbito do Direito Penal. Meio ambiente, ordem tributária, relações de consumo, segurança viária, somente para exemplificar, passaram a ser tutelados pelo Direito repressor, de forma, que muitas vezes, princípios informadores do chamado ‘direito penal mínimo’ ou da intervenção mínima, são conspurcados tanto pelo Poder Legiferante, na criação legislativa, como em nível jurisdicional, na aplicação da lei no caso concreto. Emerge, nesse contexto, na legislação infra constitucional os crimes de perigo abstrato, olvidando-se de conquistas históricas surgidas no Iluminismo (século XVIII), o chamado de Século das Luzes, que deram nova roupagem ao Direito Penal. O cunhado direito penal clássico, em que os bens jurídicos tutelados eram, basicamente, a vida e a propriedade, é substituído pelo ‘direito penal na sociedade de risco’, em que a proteção de bens jurídicos transindividuais emerge de forma vertiginosa, entendendo-se, equivocadamente, que o direito penal resolverá todos os problemas da sociedade moderna. Consectário legal do Princípio da ultima ratio, diz-se que o direito repressor é subsidiário, porquanto recorre-se a esse ramo do direito quando os outras áreas malogram na proteção do bem a ser tutelado; tem-se o princípio da subsidiariedade Ademais, o Princípio da Intervenção Mínima entrelaça-se ao Princípio da fragmentariedade, ou seja, dos bens jurídico-penais a serem tutelados, o Direito penal visa proteger somente uma parte (fragmentos) dos interesses jurídicos, de modo que nem todas as lesões são passíveis de proteção, assim como nem todos os bens jurídicos. Entende-se que os crimes de perigo abstrato tem caracteres de inconstitucionalidade, uma vez que, a um só tempo, violam o princípio da ofensividade (consectário da intervenção mínima), implicitamente contido na Carta Maior, e o Princípio da dignidade humana, fundamento da República. O ‘direito penal do autor’ há muito foi banido do ordenamento penal pátrio, uma vez que o agente de crime não pode ser punido pelo o que realiza, sem lesão de bens jurídicos de terceiros, porquanto afetaria o núcleo essencial de um Estado Democrático de Direito, calcado em Princípios constitucionais, especialmente o Princípio da dignidade humana. No Estado Democrático de Direito vigente, que tem como vértice o princípio da dignidade humana, as hipóteses de privação de liberdade ou restrição de direitos, devem perpassar por uma análise apurada (na criação legislativa e aplicação da norma penal), para que a liberdade (bem maior alcançado pela sanção imposta pelo jus puniendi) não seja tolhida de forma arbitrária e desproporcional, levando em conta que outras área do direito podem tutelar ações que não lesionam diretamente bens jurídicos tutelados pela norma penal. REFERÊNCIAS BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. – (Série as ciências criminais no século XXI; v.7). BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2ª ed. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2010. BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal nº 70023334758, 6ª Câmara Criminal do TJ/RS, Rel. Nereu José Giacomolli. CARVALHO, Érika Mendes de. A técnica dos valores-limite e os delitos de perigo abstrato. In Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 19, n. 228, p. 14-15, nov., 2011. CARVALHO, Salo. Política Criminal de drogas no Brasil. 4ª ed. ampliada, atualizada e com comentários à Lei 11.343/06. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. FARIA, Bento de. Código Penal brasileiro comentado, Vol. II, primeira parte, Parte Geral (Arts. 1 a 41), Rio de Janeiro: Distribuidora Récord Editôra, 1958. FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: ... Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. GOMES, Luiz Flavio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. ¬_________________Reforma do Código de Trânsito (Lei 11.705/2008): novo delito de embriaguez ao volante. Disponível em http://www.lfg.com.br. GRECCO, Luís. ‘Princípio da ofensividade’ e crimes de perigo abstrato. RBCCrim 49/2004, p. 127. GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 5ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2010. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Arts. 11 a 27, Rio: Companhia Editôra Forense. ORIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. 1ª ed. São Paulo: IBCCRIM, 2011. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito penal. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

L.F. Gomes Penalistas garantistas enfrentam novos desafios

Coluna do LFG Penalistas garantistas enfrentam novos desafios Por Luiz Flávio Gomes Não se entra em campo com time incompleto. Um dos ajustes que nós, penalistas garantistas e críticos, temos que fazer nas nossas práticas e discursos (não conservadores) é o seguinte: nós procuramos “combater” a política criminal puramente repressiva defendida nos últimos anos pelo populismo penal (midiático, legislativo, penitenciário etc.) com instrumentos, meios, racionalidades e discursos não inteiramente adequados. Contra as grandes transformações do Direito Penal, do processo penal e da execução penal (ocorridas nos últimos 30 anos: décadas de 80, 90 e a primeira do século XXI — veja Garland: 2005, p. 39 e ss.) nós levantamos somente as (jamais dispensáveis) bandeiras do minimalismo (mínima intervenção do Direito Penal: Baratta, Zaffaroni etc.) e do garantismo (mínima intervenção com as máximas garantias: Ferrajoli), que continuam sendo imprescindíveis para a construção do Estado democrático e proporcional de Direito, mas são insuficientes para combater as raízes dessas grandes mudanças, que residem especialmente no campo da criminologia e da política criminal Combate com armas somente defensivas. Usando somente as “armas” (intrinsecamente) defensivas de um Direito Penal, processo penal e execução penal coerentes com o Estado democrático e proporcional de Direito, nossa chance de sucesso nessa “guerra” (contra os disparates do populismo penal) resulta bastante reduzida. Sempre tivemos facilidade para ver a ponta do “iceberg” (os efeitos nefastos da criminologia e da política criminal puramente repressivas) e dirigir nossos “canhões” contra ela (para conter a volúpia autoritária e repressiva do poder punitivo), mas não atinamos para as suas bases (estruturas e racionalidades, que constituem as suas causas). Refinando o local da batalha. O populismo penal (que conta com claro impulso midiático)é, antes de tudo, um discurso ou movimento ou um saber criminológico e político-criminal de natureza exclusivamente repressiva (crê que a repressão, por si só, magicamente bastaria). Para fazer frente a essa realidade (irrealista), nós, os penalistas minimalistas/garantistas, nos aferramos na dogmática penal (interpretação e sistematização dos textos normativos) assim como nos princípios gerais do Direito (especialmente o penal), quando a causa de tudo acontece em outros terrenos prévios (da criminologia e da política criminal). Para “combater” a criminologia e a política criminal populista midiática, que passaram a monopolizar as respostas para o problema criminal, nós temos que nos valer também de uma criminologia (crítica, combatente) bem como de uma apropriada política criminal. O locus da batalha defensista do Estado democrático e proporcional de Direito não pode se limitar aos campos do Direito Penal, processo penal e execução penal. É preciso ir mais além, para alcançar a criminologia e a política criminal. Criminologias “anti”. Para jogar futebol temos que por em campo um time de futebol. Para “combater” a criminologia midiática (racista, discriminatória, sectarista, seletiva e maniqueísta) temos que nos valer das criminologias anti (anti-exterminista, anti-seletiva, anti-máfias, anti-racista etc.), começando, desde logo, pela criminologia anti-exterminista, que abomina todo tipo de discurso ou prática que conduz ao extermínio de pessoas. Não se trata da única bandeira da nova criminologia crítica, mas sem sombra de dúvida é uma das principais, tal como vem defendendo Zaffaroni (2011). Todo esforço no sentido de reduzir o número de mortes apresenta-se, no horizonte brasileiro (e latino-americano), como louvável iniciativa acadêmica ou realista. Como diz o autor citado (no seu livro La palavra de los muertos), é preciso ouvir os mortos, saber o que eles têm a dizer sobre a carnificina brasileira, iniciada em 1500 com o genocídio dos índios. Desde a fundação do nosso país não vivemos um dia sequer sem o império da violência, da vingança, do medo, da discriminação e da desigualdade. Já há muito tempo esse cenário histórico, econômico, social e cultural necessita navegar por outro caminho, que dê mais atenção para a prevenção fundada na Justiça social, respeito aos direitos humanos e no garantismo, que são termômetros de civilização (contraposta à barbárie). Política “criminal” bem-estarista. Para enfrentar a política criminal repressiva populista e midiática, no campo dos delitos clássicos (tradicionais, convencionais), temos que sustentar o seu oposto, que é uma política “criminal” que priorize a Justiça social, daí sua natureza preventiva bem-estarista ou welfarista. Causalidade mágica. O populismo penal midiático, de outro lado, parte de alguns preconceitos e crenças infundados, sobretudo a que diz respeito à causalidade mágica (Zaffaroni), que consiste em acreditar que mais penas e mais prisões significariam mais prevenção de crimes. Canaliza-se a vingança contra alguns delinquentes (os bodes expiatórios), com a crença (ou o discurso) de que isso seria a solução para o problema da criminalidade. Considerando que nas últimas três décadas nenhum índice da criminalidade diminuiu, temos que (criticamente) colocar em xeque essa causalidade mágica. Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook. Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Conjur e DP- SC

Defesa de carentes Gurgel critica criação da Defensoria Pública de SC O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, criticou o projeto que cria a Defensoria Pública de Santa Catarina. Ele foi apresentado pelo governo estadual e aprovado na quarta-feira (18/7) pela Assembleia Legislativa. Gurgel afirmou que o texto descumpre a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em março, deu prazo de um ano para o Estado implantar a instituição. O chefe do Ministério Público Federal aponta como principais problemas a criação de número reduzido de cargos de defensores públicos estaduais, a ausência de escalonamento para provimento desses cargos e a possibilidade de profissionais de fora da carreira exercerem cargos de administração superior da instituição. Gurgel lembrou que a decisão do STF considerou inconstitucional o sistema de advocacia dativa que funciona no Estado por meio de parceria entre o governo e a OAB-SC. O projeto da Defensoria Pública prevê o convênio com a OAB de forma suplementar, mas cria apenas 60 cargos de defensor público para cobrir 111 comarcas. Para o procurador-geral da República, é “inevitável concluir que a assistência jurídica aos necessitados, em Santa Catarina, continuará a ser prestada mediante convênio com a OAB, modelo claramente proscrito pelo STF”. As críticas, motivadas por representação de procuradores da República em Santa Catarina, estão em ofícios encaminhados ao governador do Estado, Raimundo Colombo, e ao presidente da Assembleia Legislativa, Gelson Merísio. Nos documentos, com data de 16 de julho — portanto, antes da votação do projeto no Plenário da Assembleia —, Gurgel solicita que as duas autoridades se manifestem sobre os questionamentos no prazo de 10 dias. Com informações da Assessoria de Imprensa da DPU-SC.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Do Blog do Marcelo Semer

quarta-feira, 20 de junho de 2012 ....Bolsa família pode ser arma contra violência.... Inclusão é muito mais eficiente do que reclusão seletiva Tachado de assistencialista e eleitoreiro, acusado de desestímulo ao trabalho, o Bolsa Família acaba de receber um inesperado reconhecimento. Trabalho inédito realizado por pesquisadores da PUC do Rio de Janeiro para o Banco Mundial apontou que a expansão do programa pode ter sido responsável pela queda de cerca de 20% da criminalidade em São Paulo. O levantamento foi objeto de reportagem neste fim-de-semana de “O Globo”. Segundo afirma João Manoel Pinho de Mello, um dos pesquisadores ouvidos, onde houve maior expansão do Bolsa Família em 2008 (com a inclusão do atendimento a famílias com jovens de 16 a 17 anos), houve maior queda da criminalidade, considerando a prática de delitos variados como roubos, vandalismos, estupros, homicídios e tráfico de entorpecentes. O estudo ingressa em uma área quase virgem. Embora sejamos pródigos em indicadores financeiros, que já nos permitem tutelar o crescimento da economia ou da inflação quase que diariamente, dados da criminalidade ainda são exíguos, quando não pouco confiáveis, pelo teor eleitoral que imediatamente despertam. Combinar emprego, educação, transferência de renda e prática de crimes é algo que até agora não se tinha analisado com profundidade. Nossos gestores da segurança trabalham praticamente nas sombras, enquanto a sociedade é seguidamente levada a crer por ilusionistas competentes ou demagogos interesseiros, que mudar o Código Penal pode ser, de alguma forma, produtivo para reverter a criminalidade. O holandês Louk Houlsman, nos anos 80, explicava um pouco esse atavismo, a partir de regras dos parlamentos europeus. Leis penais eram as únicas que podiam ser promulgadas sem que fosse necessário determinar de onde sairiam os gastos para sua execução. Com base nisso, foram utilizadas por muito tempo para postergar investimentos sociais. Afinal, o que é mais cômodo como resposta para a evasão escolar de crianças? Estimular e dar condições materiais a seus pais ou simplesmente ameaçá-los de prisão pelo “abandono intelectual”? Embora não a explique totalmente, a desigualdade tem influência decisiva na criminalidade. O curioso é que aqueles que mais ardorosamente se embrenham na “luta contra o crime” nem querem ouvir falar em redução de desigualdades, provocando uma constante corrida do cachorro atrás do próprio rabo. Pensar a solução da criminalidade só por intermédio de leis penais significa quase sempre usar o querosene para apagar um incêndio. Porque a carcerização em massa não só não provoca a diminuição dos crimes, como a médio prazo, os faz crescer. Já vimos a história quando da edição da Lei dos Crimes Hediondos. Deveriam raciocinar com questões como essas, os juristas que estão se preparando para nos legar novas leis: não é possível escrever um novo Código Penal sem construir um novo Direito Penal.O maior defeito deste com o qual convivemos é o fato de que sua seletividade serve como uma luva para a criminalização da pobreza. É importante ressaltar: não são os pobres que cometem mais crimes, são os olhos da lei que os fiscalizam mais e melhor e os punem mais rigorosamente. A tutela excessiva do patrimônio, que vem sendo mais garantido do que a própria vida, aguça exageradamente essa desproporção e justifica o baixíssimo PIB da população prisional. Assim, enquanto a comissão dos juristas resiste, por todos os seus meios, a considerar um furto, sem violência ou ameaça, crime de menor potencial ofensivo, e mantém íntegra a prisão dos microtraficantes, toda sorte de obstáculos jurídicos se opõem à punição dos verdadeiros empresários das contravenções. Também na seara penal, enfim, os patrões se dão melhor. Mas o que pode ajudar a afastar a juventude do crime são coisas mais prosaicas do que agravar as penas inscritas no livro dos delitos. Quando aumenta a renda, diz o pesquisador Rodrigo Soares, o ganho relativo com ações ilegais diminui e a interação social dos jovens muda ao frequentarem a escola e conviverem mais com gente que estuda. Em algum momento vamos perceber que inclusão é muito mais eficiente e mais barato do que a repressão.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Pedido de Liberdade Provisória c/c Medida Cautelar

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER DA CAPITAL/SC

Processo nº xxxxxxxxxxx Em caráter de URGÊNCIA!



xxxxxxxxxxxxxxxxx, qualificado nos autos do APF em epígrafe, atualmente recolhido cautelarmente na Casa do Albergado, bairro Trindade, vem, respeitosamente, à elevada presença de Vossa Excelência, por seu Advogado regularmente constituído (fl. xx), com fulcro nos artigos 5º, LV, LVII, LXV e LXVI, da Constituição Federal, 321 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei 12.403/11, entre outros dispositivos legais pertinentes, requerer LIBERDADE PROVISÓRIA c/c MEDIDA CAUTELAR pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.


I – ESCORÇO FÁTICO

De acordo com o caderno indiciário, em xx.xx.xx o Peticionário foi preso em flagrante, por ter, em tese, adentrado na casa de sua ex-companheira, Sra. xxxxxxxxxxx que, ressalta-se desde já, mantinha relacionamento afetivo esporádico com o Peticionário, e entrado em luta corporal com xxx(fl. x), amigo íntimo do indiciado, que, naquele momento, estava em companhia da suposta vítima. Segundo depoimento de Sra. xxxxxx na Delegacia de Polícia, não houve qualquer tipo de agressão do Peticionário contra sua pessoa (fl.11). Na data da lavratura do flagrante, o Juiz plantonista, Excelentíssimo xxxxxxxx, converteu a prisão em flagrante em preventiva com os seguintes fundamentos, assim sintetizados: “(...) consta do caderno indiciário que o detido, usuário de substâncias intorpecentes (sic), possui caráter voltado à violência, porquanto perpetrado contra seus próprios parentes e que, pelos depoimentos, não é a primeira vez que ocorrem fatos semelhantes. A conversão do flagrante em prisão preventiva se faz necessária para garantia da ordem publica bem como da instrução criminal.” (fls. xx).

Designada audiência de ratificação, as supostas vítimas, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, informaram que o Peticionário é dependente químico e não mantiveram a representação em seu desfavor (fl.xx). Teria o Peticionário, segundo o APF, cometido, em tese, os delitos previstos nos artigos 147, 129, § 9º, 163, todos do CP, cumulado com o artigo 7º, II, da Lei 11.340/2006. São os fatos no essencial.

II – CABIMENTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA c/c MEDIDA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE OS SUPOSTOS DELITOS PRATICADOS E A PRISÃO PREVENTIVA.

Como ressaltado, o Magistrado plantonista consignou, em decisão que converteu o flagrante em prisão preventiva, que o Peticionário, “possui caráter voltado à violência”, e que a “prisão preventiva se faz necessária para garantia da ordem publica bem como da instrução criminal.”

Com o devido acato, tal entendimento merece uma reanálise de Vossa Excelência. Consabido que com o advento da Lei 12.403/11 a prisão no processo penal brasileiro ganhou nova roupagem, relevando o princípio constitucional da não culpabilidade, estatuído no art. 5º, LVII, da CF, e da dignidade humana (art. 1º, III, da CF), uma vez que a prisão mais desumaniza do que ressocializa. O novel § 6º do art. 282 do CPP, acrescentado pela referida Lei, prescreve o seguinte:
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...) § 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”

Exsurge, com a alteração legislativa implementada pela Lei 12.403, um novo requisito para a decretação da prisão preventiva: a imprescindível a análise da possibilidade de imposição de medida menos onerosa, subsidiária da prisão preventiva, porquanto, esta, é medida extrema (extrema ratio da ultima ratio, segundo Luiz Flavio Gomes). (Prisão e medidas cautelares: Comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011/Alice Bianchini... [et al]; coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011, p. 25).

Hialino, data venia, que uma das nove medidas cautelares, cumuladas ou não, previstas no art. 319 do CPP é cabível ao caso sob análise de V. Exa. A uma, porquanto na hipótese da denúncia ser oferecida e recebida, imputará ao Peticionário as práticas de lesão corporal leve no âmbito doméstico (art. 129, § 9º do CP), ameaça (art. 147 do CP) e dano (art. 163 do CP), em concurso formal, de modo que a reprimenda não ultrapassará os quatro anos. Desse modo, a condição objetiva do inc. I do art. 313 do CPP (Será admitida a prisão preventiva “nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”;), com o devido respeito, não foi atendida,porquanto será imputado ao Peticionário tipos penais com pena máxima abstrata não superior a quatro anos.

A condição subjetiva (inc. II do art. 313), outrossim, é favorável, tendo em vista que o Peticionário não ostenta qualquer tipo de passagens por Distrito Policiais (como bem asseverou o Ilmo. Representante do Parquet em seu parecer – fls. xx); ademais sempre laborou de forma lícita, como faz prova as diversas anotações em sua CTPS (doc. 01).

Nesse passo, importante salientar que, em audiência de ratificação seus familiares não ratificaram as representações, com a clara consciência de que, diferentemente do entendimento consignado na decisão que decretou a medida extrema, o Peticionário em seu dia a dia não é violento, cometendo os fatos em momento de desatino causado por uso de drogas e ciúmes, uma vez que a Sra. xxxxxxxxxxxx, conquanto separada de fato, mantinha encontros afetivos com o Peticionário e estava, naquele momento, com seu amigo íntimo.

Tanto é assim que a suposta vítima, Sra. xxxxxxxxx, conquanto ratificado a representação contra o Peticionário, não requereu qualquer Medida Protetiva de Urgência, instituto que pode ser concedido pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conforme redação do art. 19 da Lei 11.340/11.

Nesse diapasão, importante a transcrição do escólio de Sanches Cunha acerca do tema, verbis:

“(...) a prisão preventiva somente é cabível, nos termos do art. 42 da Lei 11.340/2006, para garantir a execução das medidas protetivas. Pressupõe assim, necessariamente, que medidas protetivas à vítima já tenham sido deferidas e, posteriormente, descumpridas pelo agressor. (...) Em muitos casos, não há qualquer expediente anterior e não se pediu qualquer imposição de qualquer medida de proteção, sendo aquela a primeira notícia que se tem dos fatos. Em uma hipótese dessa, eventual adoção da medida excepcional se reveste de inegável ilegalidade. Há, portanto, por assim dizer, uma ordem cronológica a ser seguida: primeiro são impostas medidas de proteção e, segundo, caso descumpridas, se decreta a prisão preventiva”. (grifou-se)(ob. cit. p. 152)

Compulsando os depoimentos dos familiares na fase administrativa, constata-se, em uníssono, que o Peticionário é usuário de drogas; xxxxx asseverou que “tem conhecimento que seu irmão é usuário de drogas e acredita que ele tenha tido um surto”(fl. xx); xxxxx, por sua vez, afirmou que “tem conhecimento que seu irmão é usuário de drogas e acredita que ele tenha feito uso, pelo descontrole que apresentava (fl.x)

Desse modo, constata-se que o Peticionário, em momento de desatinação causado pelo uso de drogas e ciúmes, se descontrolou; de costume não é violento, ao passo que sua segregação cautelar revela-se, data venia, desproporcional. Afasta-se, nesse passo, a garantia da ordem pública que fundamentou a custódia cautelar do Peticionário.

Prescreve o artigo 310 do CPP, com redação dada pela Lei 12.403, que ao receber o APF, o juiz deverá, fundamentadamente, converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do art. 312 “e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão” (inc. II do art. 310 do CPP).

A substituição da medida extrema, que é a prisão preventiva, por medida cautelar de comparecimento periódico em juízo é perfeitamente cabível à espécie, visto que o Peticionário não frustrará a persecução penal. Ademais, a simples menção à garantia da ordem pública, contida no art. 312 do CPP, não enseja, permissa venia, a decretação da custódia cautelar.

Acerca da garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva, colhe-se a seguinte crítica doutrinária, in verbis: “Não se desconsidera doutrina criticando a ordem pública como fundamento da prisão preventiva, argumentando, em resumo, tratar-se de expressão porosa, indeterminada, ambígua, nada clara, campo fértil para arbitrariedades. Roberto Delmanto Júnior assim se manifesta: ‘(...) não há como negar que a decretação de prisão preventiva com fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção de culpabilidade: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado (...)’” (ob. cit. p. 144/45)

A Jurisprudência do STF, intérprete máximo da Carta Magna, segue o mesmo norte; para ilustrar: “(...) A prisão cautelar não pode apoiar-se em juízos meramente conjecturais. A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa. A decisão que ordena a privação da liberdade não se legitima quando desacompanhada de fatos concretos que lhe justifiquem a necessidade, não podendo apoiar-se, por isso mesmo, na avaliação puramente subjetiva do magistrado de que a pessoa investigada ou processada, se em liberdade, poderá delinqüir, ou interferir na instrução probatória, ou evadir-se do distrito de culpa, ou, então, prevalecer-se de sua particular condição social, funcional ou econômico-financeira. Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas a margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal. Ausência de demonstração, no caso, da necessidade concreta de manter-se a prisão em flagrante do paciente. Sem que caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. (...)”. (grifou-se) (STF, HC 98821/CE, Rel. Min. Celso de Mello, DJe, 16.04.2010).

“(...) Esta nossa Corte entende que a simples alusão à gravidade do delito ou a expressões de mero apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar. Isso porque o juízo de que determinada pessoa encarna verdadeiro risco à coletividade só é de ser feito com base no quadro fático da causa e, nele, fundamentado o respectivo decreto de prisão cautelar. Sem o que não se demonstra o necessário vínculo operacional entre a necessidade do confinamento cautelar do acusado e o efetivo acautelamento do meio social. 4. Ordem concedida”. (STF, HC 101705/BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJe, 03.09.2010).

Mister salientar que a imposição das medidas cautelares de comparecimento periódico em juízo (art. 319, I, do CPP) ou proibição de manter contato com pessoa determinada (art. 319, III, do CPP), substitutivas da prisão cautelar, vincularia o Peticionário ao processo, evitando que frustre o andamento processual.

III – REQUERIMENTOS

Diante do exposto, tendo em vista o Princípio constitucional da presunção de inocência e o cabimento de medidas cautelares menos gravosas que a prisão preventiva, requer-se: i – o deferimento da liberdade provisória do Peticionário cumulada com as medidas cautelares prevista no inciso I ou III, do art. 319 do CPP, tudo por ser medida da mais pura e lídima

J U S T I Ç A!!

Florianópolis, x de xxxxx de xxxx.

Rafael Silva de Faria, Advogado. OAB/SC 30.044