sábado, 10 de julho de 2010

Blog do Gerivaldo

Reproduzo a postagem do blog do Juiz Gerivaldo Neiva concedendo liberdade provisória; na decisão alega a incostitucionalidade do art. 44 da Lei 11.343, amparado em jurisprudência do STF.

Autos: 00016....0063
Requerente: E. J. P.




Tráfico. Prisão em flagrante. 19 gramas de cocaína. Ausência de laudo de constatação ou definitivo. Liberdade provisória. Réu primário, bons antecedentes e endereço certo. Repercussão Geral no STF. Inconstitucionalidade do artigo 44, da Lei 11.343/06. Ausência de razões para decretação de prisão preventiva. Liberdade concedida.


O requerente foi preso em flagrante ao ser abordado em via pública desta cidade por policiais militares e, em sua posse, no bolso de um blusão, encontrado um pequeno pacote de cocaína que seria entregue a usuário desta cidade. Em seguida, passados 06 (seis) dias da prisão em flagrante, conforme consta dos autos principais às fls. 21, o acusado foi conduzido à sua residência por agente policial e Delegado de Polícia “onde foi realizada uma busca nos armários, tendo o policial e o delegado encontrado o restante da droga, ou seja, três pacotes e uma balança de precisão”. Ao final, informou a autoridade policial a apreensão definitiva de 19 gramas de cocaína. (fls. 22).
Alegou o acusado que é primário, tem bons antecedentes, profissão e endereço certos, não havendo razões para decretação de sua prisão preventiva. Juntou os documentos de fls. 08 a 21.
O ilustre representante do Ministério Público, em parecer de fls. 25 e 26, manifestou-se pelo indeferimento do pedido, sob argumento de garantia da ordem pública. Preocupado com a segurança pública e aumento da criminalidade, argumentou o ilustre Promotor de Justiça:
“Esta cidade, bem como toda a região, vem sofrendo de um patente crescimento da criminalidade, afrouxar a segurança que vem se tentando imprimir na região é, ao nosso sentir, remar contra tudo o que se tem feito nesta direção. O crime perpetrado causa enorme insatisfação e incômodo à ordem pública. Atos desta natureza provocam na população local um sentimento de descrédito na lei e insufla a prática da justiça privada, instaurando verdadeiro caos social.” (fls. 25)


Brevemente relatados, decido.


Inicialmente, convém discutir acerca da possibilidade legal do pedido, ou seja, a concessão de liberdade provisória em crime de tráfico.
Pois bem, a divergência sobre o tema, principalmente no âmbito do STF, terminou resultando no reconhecimento da “repercussão geral”, em 10.09.2009, pelo Supremo, no RE 601384, ainda não apreciada definitivamente pelo Pleno do STF.


PRISÃO PREVENTIVA – FLAGRANTE – TRÁFICO DE DROGAS – FIANÇA VERSUS LIBERDADE PROVISÓRIA, ADMISSÃO DESTA ÚLTIMA – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de ser concedida liberdade provisória a preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas, considerada a cláusula constitucional vedadora da fiança nos crimes hediondos e equiparados. RE 601384 RG / RS - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator: Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 10/09/2009 0 – Publicação: 29.10.2009 - Parte(s): Recte.: Ministério Público Federal - Recdo.: Vanderlei Pereira - Adv.: Luisa Fernanda Silva dos Santos.
Pela inconstitucionalidade da proibição, merece destaque os argumentos expendidos em voto do eminente Ministro Eros Grau:


Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em decisão que indeferiu pleito cautelar em idêntica via processual.
O paciente foi preso em flagrante com 452,4g de maconha. O pedido de liberdade provisória restou indeferido.
O impetrante alega que o Juiz indeferiu a liberdade provisória com fundamento no artigo 44 da Lei nº 11.343/06, sem apresentar qualquer justificativa cautelar apta à manutenção da custódia do paciente.
Requer seja afastada a Súmula 691 deste Tribunal e concedida a liminar a fim de que o paciente seja posto em liberdade.
É o relatório.
O Supremo Tribunal Federal vem adotando o entendimento de que o preso em flagrante por tráfico de entorpecentes não tem direito à liberdade provisória, por expressa vedação do artigo 44 da Lei nº 11.343/06.
O Ministro Celso de Mello, no entanto, ao deferir a liminar requerida no HC n. 97.976-MG, DJ de 11/3/09, observou que o tema está a merecer reflexão por esta Corte. Eis, em síntese, a decisão de Sua Excelência:


"Habeas Corpus". Vedação legal absoluta, em caráter apriorístico, da concessão de liberdade provisória. Lei de drogas (art. 44). Inconstitucionalidade. Ofensa aos postulados constitucionais da presunção de inocência, do due process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, visto sob a perspectiva da proibição do excesso: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do estado. Precedente do Supremo Tribunal Federal: Adi 3.112/DF (Estatuto do Desarmamento, art. 21). Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Não se decreta prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao status libertatis daquele que a sofre. Irrelevância, para o efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de eventual reforço de argumentação acrescido por tribunais de jurisdição superior. Precedentes. Medida cautelar deferida.


A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável.
O Juiz negou a liberdade provisória ao paciente fundado tão-somente no artigo 44 da Lei nº 11.343/06 (fl. 25 do apenso -- numeração do STJ).
Excepciono a Súmula 691/STF e concedo a liminar a fim de que o paciente seja posto imediatamente em liberdade, até o julgamento definitivo deste habeas corpus. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2009. Ministro Eros Grau. - Relator -.


Mais recentemente, no julgamento do HC 101.261, o Ministro Celso de Mello, afirmou que “apenas a natureza do crime não justifica a manutenção da prisão cautelar e a proibição ‘apriorística’ de concessão de liberdade provisória não pode ser admitida, pois é manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do ‘due process’ (devido processo legal), dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito”. Observou anda o eminente Ministro que “no curso de processos penais, o Poder Público não pode agir ‘imoderadamente’, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade”.
Por fim, para o ministro Celso de Mello, é inadequada a fundamentação da prisão com base no artigo 44 da Lei de Tóxicos, principalmente, depois de editada a Lei 11.464/2007, “que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que a paciente deveria ser mantida presa, ‘ante a imensa repercussão e o evidente clamor público’ e para ‘acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça’.” (fonte: http://www.conjur.com.br/2009-nov-13/stf-concede-liberdade-presa-provisoria-trafico-drogas).
No mesmo entendimento, mais recentemente ainda (09.03.2010), entendeu o STJ que é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006.


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CUSTÓDIA MANTIDA EM RAZÃO DA VEDAÇÃO LEGAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
1 - A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado, ressalvado o meu entendimento pessoal, que, mesmo na hipótese de crime de tráfico de entorpecentes - hediondo por equiparação -, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006, eis que entendido que a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por imperativo constitucional, é a regra, não a exceção.
2 - Mantida a custódia cautelar do paciente em razão da vedação legal, tecendo o magistrado, ainda, considerações de ordem genérica a respeito da necessidade de resguardo da ordem pública, sem qualquer demonstração concreta da imperiosidade da medida, fica evidenciado o constrangimento ilegal.
3. Habeas corpus concedido.
HC 155380 / PR - HABEAS CORPUS 2009/0234838-7 – Relator: Ministro HAROLDO RODRIGUES (Des. Convocado do TJ/CE) - Órgão Julgador: Sexta Turma - Data do Julgamento: 09/03/2010 - Data da Publicação/Fonte: DJe, 05/04/2010.


Vencida esta fase preliminar, passemos ao exame do caso em concreto.
Pois bem, o acusado fez prova documental de que é primário, tem endereço certo nesta cidade e apresentou documentos que fazem prova da regularidade de sua vida civil. Confessou, é verdade, que tinha em seu poder, depois de buscas em armários de sua residência, um total de 19 (dezenove) gramas de cocaína que seriam entregues a usuários desta cidade. Não se pode concluir, apesar disso, que sua liberdade, considerando sua conduta e antecedentes, represente perigo à ordem pública, conforme defendido tenazmente pelo ilustre Promotor de Justiça.
Aliás, é absolutamente compreensível a preocupação do ilustre representante do Ministério Público com relação ao crescimento da criminalidade e a segurança pública, mas o Poder Judiciário, antes de tudo, deve zelar pela garantia da ordem jurídica constitucional. Assim, reconhecer a possibilidade de concessão de liberdade provisória a um acusado, tomando-se como fundamento sua conduta e primariedade, no nosso entender, não significa “afrouxar a segurança” ou colaborar para a instauração do “caos social”.
É certo, de outro lado, que o tráfico causa o tal “incômodo” à ordem pública, mas manter na prisão um acusado primário e de bons antecedentes não será, certamente, a solução para este “incômodo”. O que se defende aqui, na esteira do entendimento do STF, é que este “incômodo”, por si só, ao lado das demais circunstâncias favoráveis ao acusado, não serve mais de fundamento para decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública.
Além disso, ressalte-se, são passados mais de 30 (trinta) dias da prisão do acusado e não existe nos autos qualquer tipo de prova pericial com relação ao material apreendido, seja em forma de laudo inicial ou definitivo, desatendendo-se ao disposto no artigo 50, da Lei 11.343/06, e tornando vulnerável o flagrante.
Isto posto, em que pese a falta de clareza e pobreza de argumentos do pedido, vez que sequer questionou a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei de Tóxicos, não havendo motivos para decretação da prisão preventiva do acusado, com fundamento no artigo 5º, LXV e LXVI, da CF, DEFIRO o requerimento para lhe conceder a Liberdade Provisória com a condição de não se ausentar da cidade e comparecer aos demais atos processuais, sob pena de decretação de sua prisão preventiva.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
Intime-se.

Conceição de Coité, 08 de julho de 2010
Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito

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