sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

‘Teoria da imputação objetiva’

Por Rafael Silva de Faria

NELSON HUNGRIA em seus comentários ao original art. 11 do Código Penal (com redação similar ao atual art. 13) asseverava que “o crime, no seu aspecto objetivo, é um fato humano, compreendendo dois momentos: uma ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo) e um resultado (evento de dano ou de perigo). Também já ficou acentuado que entre esses dois momentos deve existir, condicionado a imputatio facti, uma relação de causa e efeito. Averiguado o evento de dano ou de perigo, tem-se de indagar, preliminarmente, se pode ser referido, em conexão causal, à ação ou omissão do acusado. Surge, aqui, o problema da causalidade em torno do qual se multiplicam as soluções propostas” (Comentários ao Código Penal. Vol. I, Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, p. 60).

Apesar da teoria da imputação objetiva não ser nova (LARENZ já discorria no princípio do séc XX), com ROXIN que ela ganhou grande impulso, depois da 2ª Guerra Mundial. Não pode ser denominada propriamente de teoria, mas sim “um conjunto de princípios elaborados para cumprir a função de delimitar e corrigir o nexo de causalidade” (GOMES, Luis Flavio. Crime culposo e Teoria da imputação objetiva. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20041008100448382).

Mister adentrar nos meandros da referida teoria, porquanto certas ações, com resultado naturalístico típico, levam à atipicidade da conduta, com a conseqüente absolvição do acusado. Desconsidera-se a simples subsunção do fato a norma (conduta-resultado), para dar nova roupagem a teoria do delito.

Dada a fragilidade do ‘processo de eliminação hipotética do resultado’ e a insuficiência da causalidade natural como critério único de imputação, a teoria da imputação objetiva prevê critérios de imputação complementares, de natureza normativa, nesses termos: criação (ou aumento) de um risco não permitido que se realiza no resultado típico, dentro do âmbito de proteção da norma. (Código Penal e sua interpretação. Doutrina e jurisprudência. Coord. Alberto Silva Franco/ Rui Stocco. 8ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 118).

No desdobramento da teoria, o momento causal-naturalístico, por evidente, não é afastado; dá-se no âmbito da imputação (no sentido de imputar = atribuir) o caráter de cunho normativo. Este, no dizer de Fábio Roberto D’ávila, se verifica mediante os seguintes critérios: i – se a conduta criou (ou aumentou) um risco/perigo não permitido; ii – se esse risco não permitido se realizou (materializou no resultado típico); iii - se a materialização se deu no âmbito de proteção da norma. (ob. cit. p. 118).

A não observância de qualquer dos referidos critérios afasta a imputação objetiva do resultado, com a consequente atipicidade da conduta.
Para ilustrar colaciona-se famoso exemplo dado por André Luís Callegari, em sua obra ‘Direito Penal e funcionalismo’, nesses termos:

“1. O sobrinho S deseja adiantar o momento em que pode suceder ao seu tio T em sua grande fortuna, já que este lhe instituiu herdeiro universal. Como não quer fazer uso de meios mais expeditivos para alcançar o seu objetivo, S sugere a T – argumentando sua preocupação por sua delicada saúde – que dê um passeio diário. Com carinhosa insistência, comprova que seu tio cumpre com a recomendação. Previamente S averiguou que o lugar que ensina a T para o passeio é o de maior incidência estatística de tormentas, além de que a hora recomendada a T para o exercício seja a de maior concentração de descargas elétricas durante o dia. Ao fim de alguns meses, seu plano surte efeito: T é alcançado por um raio enquanto dá seu passeio diário e morre neste ato” (Direito Penal e funcionalismo. André Luís Callegari [et al.]; coord. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli; trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli, Lúcia Kalil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 54).

Conquanto a conduta do sobrinho tenha alguma relação com a morte do tio, a materialização se deu no âmbito de proteção da norma, ou seja, a conduta do sobrinho em levar o tio para passear em local de grande incidência de raios não gerou um perigo ou ‘risco juridicamente desaprovado’.

Em outras palavra, o ‘querer’ do sobrinho que o fato se materializasse estava fora de seu alcance, tornando, por sua vez, a conduta atípica.

Segundo Luiz Flavio Gomes, a imputação objetiva da conduta (criação de um risco proibido penalmente relevante), o resultado jurídico relevante (lesão o perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma) e a imputação objetiva do resultado (conexão do resultado com o risco proibido e que o resultado esteja no âmbito de proteção da norma), pertencem à dimensão axiológica do crime culposo, que é um delimitador ou suplemento corretivo da dimensão fática (conduta humana voluntária, resultado naturalístico involuntário e nexo de causalidade). (GOMES, Luiz Flavio. Crime culposo e Teoria da imputação objetiva. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20041008100448382)

E arremata o eminente jurista:
“(...) a exigência de um resultado jurídico (em todos os delitos) assim como os princípios norteadores da imputação objetiva (seja da conduta, seja do resultado) nada mais representam que limites corretivos da tipicidade formal (ou fática ou natural ou mecânica ou ôntica). São exigências que dão à tipicidade a qualificação de "material" porque a torna mais rígida, mais justa, mais garantista (leia-se: mais consentânea com os valores e princípios constitucionais e político-criminais)” (GOMES, Luiz Flavio. Crime culposo e Teoria da imputação objetiva. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20041008100448382.

Importante ressaltar, nesse passo, a aplicação prática da teoria da imputação objetiva relatada no artigo supra mencionado em que o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, mantendo sentença absolutória do juiz singular, declarou extinta a punibilidade dos réus por ausência de procedibilidade da ação penal.
Segundo a denúncia, três vítimas menores adentraram uma unidade industrial para resgatar uma ‘pipa’, vindo duas delas a ser lesionadas com queimaduras de 2º e 3º graus e uma a falecer, pelo fato de o terreno da empresa ser formado por rescaldo (moinha) de carvão incandescente. Em virtude da forma negligente de administrar a unidade foram denunciados pelo representante do Parquet.

Antônio Armando dos Anjos, relator do caso em questão, após traçar um minucioso histórico da teoria da imputação objetiva, divide sua brilhante fundamentação em três tópicos, quais sejam:

i - ‘Da inexistência da imputação objetiva pela permissão ao risco criado’;
ii – ‘Da inexistência de imputação objetiva pelo fato de o resultado produzido não estar amparado pelo fim de proteção da norma de cuidado’;
iii - ‘Da inexistência de imputação objetiva pela autocolocação da vítima na situação de perigo’.

No que se refere ao primeiro tópico, o relator alega que, em que pese os acidentes ocorridos, os réus, representantes legais da empresa, acondicionaram os resíduos sólidos de acordo com as determinações administrativas competentes. Ademais, os acontecimentos se deram no interregno do prazo estabelecido no Termo de Compromisso para a devida acomodação dos resíduos, logo, conclui o relator, “surge o conflito, pois, embora subsista a causalidade natural do evento, tem-se por prejudicada sua causalidade típica, pois não há como desvalorar uma conduta que se encontra em harmonia com as regras do sistema jurídico.”

Quanto ao segundo tópico de argumentação no voto lavrado, o relator alega que o fim de proteção da norma não era os menores vítima do infortúnio, mas sim a proteção do meio ambiente, visto que o dever objetivo fora cumprido de forma adequada e tolerável pelos órgãos de fiscalização, de modo que o resultado fatídico não encontrava-se no fim imediato de proteção da norma de cuidado.

Alega, por fim, o eminente relator, que inexistiu no caso concreto, imputação objetiva pela autocolocação da vítima em situação de perigo, porquanto as vítimas perpassaram um muro de quase três metros com arame farpado na parte superior, além de existir placas de advertência com dizeres de ‘Perigo’ e “Proibida a entrada de estranhos’. Outrossim, os réus, ao isolar a área da unidade industrial, confiavam que as medidas seriam suficientes para afastar indivíduos do entorno, aplicando-se, desse o modo, o ‘Princípio da confiança’.

Entende o relator, na conclusão de seu voto que, a pretendida responsabilização dos denunciados, “com base em uma causalidade meramente naturalística, não espelha o ideal de Justiça perseguido pela sociedade e pelo Direito Penal.”

Conclui-se que os fatos da vida tem que ser analisados com acuidade para atribuir à indivíduos responsabilização penal, ressaltando-se que o intérprete da lei não pode se ater tão somente da subsunção dos fatos à norma, friamente, porquanto Direito Penal mal aplicado pelos operadores do direito pode causar danos incomensuráveis na esfera das liberdades individuais do cidadão, corolário do Estado Democrático de Direito.

Rafael Silva de Faria, Advogado.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha

Saiu no site Conjur.
Juízes se negam a aplicar a Lei Maria da Penha

O juiz titular da 2ª Vara Criminal de Erechim (RS), Marcelo Colombelli Mezzomo, nunca aplicou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) por considerá-la inconstitucional e violadora da igualdade entre homens e mulheres. Entre junho e julho de 2008, mais de 60 pedidos de medidas preventivas com base na lei foram negadas pelo juiz, que reiteradamente afirmava nas decisões que o "equívoco dessa lei foi pressupor uma condição de inferioridade da mulher, que não é a realidade da região Sul do Brasil, nem de todos os casos, seja onde for", e que "perpetuar esse tipo de perspectiva é fomentar uma visão preconceituosa, que desconhece que as mulheres hoje são chefes de muitos lares e metade da força de trabalho do país".

Como noticiou o site Espaço Vital, em uma das decisões, Mezzomo questionou: "quem protege um homem de 55 anos, enfermo, que sofre violência em sua casa de esposa, companheira ou mesmo dos filhos?". E respondeu: "o Estatuto do Idoso não o abarca, porque ele não tem 60 anos".

O promotor de Justiça João Campello Dill afirmou, à época, que o Ministério Público recorria sistematicamente das decisões para fazer valer as medidas preventivas solicitadas pelas mulheres da cidade. Todos os recursos foram concedidos pelas Câmaras Criminais do Tribunal de Jusrtiça do Rio Grande do Sul.

Assim como Mezzomo, Edílson Rumbelsperger Rodrigues, juiz titular da 1ª Vara Criminal de Sete Lagoas (MG), considerou a Lei Maria da Penha inconstitucional e suas decisões foram integralmente reformadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

No caso de Rodrigues, entretanto, o Conselho Nacional de Justiça decidiu condená-lo à disponibilidade provisória por dois anos. Nesta quarta-feira (2/2), ele, com o apoio da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), recorreu ao Supremo Tribunal Federal para pedir a suspensão da decisão do CNJ e para dizer que a avaliação da sua conduta deveria ser feita, antes, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Além da incompetência do CNJ, argumentou no Mandado de Segurança ao STF que as declarações do juiz consideradas "prática análoga ao crime de racismo" não ensejariam a punição, já que pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional a punição só é possível se o juiz tivesse perpetrado crime contra a honra, o que ele nega.

O juiz declarou que a Lei Maria da Penha tem "regras diabólicas" e que as "desgraças humanas começaram por causa da mulher", além de outras frases igualmente polêmicas. Na ocasião da abertura do processo, declarou à imprensa que combate o feminismo exagerado, como está previsto em parte da lei. Para ele, esta legislação tentou "compensar um passivo feminino histórico, com algumas disposições de caráter vingativo".