quarta-feira, 30 de junho de 2010

Relativização da violência presumida

STJ reconhece a relativização da violência presumida em crime sexual. Segue notícia colhida do site Carta Forense.

CRIMES SEXUAIS
Violência presumida em relação sexual com menor de 14 anos é relativa

É possível relativizar a violência presumida em relações sexuais com menores de 14 anos, prevista no artigo 224 do Código Penal (CP). Essa foi a conclusão do ministro Og Fernandes em recurso interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso.

No caso, o réu foi acusado de estupro com violência presumida, conforme o previsto no CP. Ele manteve relações sexuais com uma menor de 13 anos de idade. O réu mantinha um namoro com a menor e ela decidiu fugir para morar com ele. Na primeira instância, ele foi absolvido com base no artigo 386, inciso VI, do Código do Processo Penal (CPP). O artigo determina que o juiz pode absolver o réu, se há circunstâncias que excluam o crime ou isentem da pena deste.

O Ministério Público recorreu, mas o TJSC considerou que, no caso, poderia haver relativização da violência presumida, com a aplicação do inciso III do artigo 386 do CPP e considerando que o fato não constituiu infração penal. O MPSC recorreu então ao STJ, insistindo na violência presumida e argumentando ainda ofensa ao artigo 213 do CP, que define o crime de estupro e suas penas.

Em seu voto, o ministro Og Fernandes considerou que a atitude da menor, que espontaneamente foi morar com o réu e afirmou manter relacionamento com ele, afastaria a presunção da violência. "Não se pode esquecer que a pouca idade da vítima e as conclusões que daí possam decorrer quanto ao seu grau de discernimento perante os fatos da vida. Entretanto, a hipótese dos autos revela-se outra", ponderou o ministro. Para ele, a menor não teria a "inocência necessária", para enquadrá-la nos moldes do artigo 224.

O ministro Og Fernandes também observou que discutir as conclusões das outras instâncias sobre o consentimento da vítima e outras circunstâncias seria revolver provas, o que é vedado ao STJ pela Súmula 7 do próprio Tribunal. Por fim, o magistrado destacou já haver jurisprudência na Casa sobre o tema.

Jornal Carta Forense, terça-feira, 29 de junho de 2010
Autor: Carta Forense

domingo, 27 de junho de 2010

Alterações no CPP

Alterações no Código de Processo Penal: expectativas - Alexandre Victor de Carvalho
17/06/2010-13:30
Autor: Alexandre Victor de Carvalho ;

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Desembargador – Superintendente de Comunicação do TJMG

Como citar este artigo: CARVALHO, Alexandre Victor. Alterações no Código de Processo Penal: expectativas. Disponível em http://www.lfg.com.br - 17 de junho de 2010.

Quando o assunto é criminalidade, especialmente a legislação penal ou o Código de Processo Penal, predomina o sentimento de que o agravamento das penas ou a agilização da tramitação dos processos, com o almejado “fim da impunidade”, poderiam resolver todo o problema. Não é bem assim. As causas da criminalidade estão relacionadas a questões sociais, políticas e econômicas, à desigualdade social e a vários outros fatores. São questões que ultrapassam a seara do Direito.

É preciso deixar isso bem claro no momento em que se divulgam as modificações que serão feitas no Código de Processo Penal, que é de 1941. As mudanças foram apreciadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no último dia 17 de março. Os senadores votaram a favor do substitutivo do relator, senador Renato Casagrande, com 702 artigos, que, por sua vez, baseou-se no projeto de lei (PLS 156/09) de autoria do senador José Sarney. A matéria segue para o plenário neste mês de maio, voltando, depois, à CCJ, para análise da redação final. Em seguida, retorna ao plenário, para, então, ser encaminhada para o crivo da Câmara dos Deputados.

Entre as alterações está o fim da prisão especial para os formados em curso superior. Agora, somente condições especiais (em caso de estupradores etc) podem ensejar prisão diferenciada. Notícia da “Agência Senado” ressalta outros pontos importantes. O valor da fiança será de um a 200 salários mínimos para as infrações penais com pena privada de liberdade igual ou superior a oito anos; de um a cem salários mínimos para as demais infrações penais.

Tudo indica que os senadores estão mesmo preocupados com a “imparcialidade” dos juízes. No modelo acusatório, os papéis são bem definidos, com proibição para o magistrado substituir o Ministério Público na função de acusar ou levantar provas, sem prejuízo de realização de diligências para elucidar dúvidas. O argumento é no sentido de se precisar a função do MP em relação à formação da prova e impedir que o juiz se distancie do seu compromisso com a imparcialidade.

Nesse mesmo sentido, está a proposta de criação do “juiz das garantias”, “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”. Ou seja, trata-se de um juiz instituído para controlar os atos (da Polícia e do Ministério Público) na fase pré-processual, uma vez que o processo, propriamente dito, somente começa com o recebimento da denúncia.

Compete a esse juiz, por exemplo, decidir se o acusado deverá aguardar o fim da investigação preso ou em liberdade, zelando para que as provas sejam colhidas com lisura. Quando o caso se transformar em processo, os autos ficarão a cargo de outro magistrado.

Os parlamentares argumentam que, na forma atual, em que só um juiz cuida de todas as fases do processo, pode haver um envolvimento na causa, ocasionando falta de isenção para julgar. Já houve questionamentos desse ponto. Tudo indica que, realmente, há o risco de atrasar o processo, ao invés de conferir mais rapidez

Quanto às escutas telefônicas, elas somente serão autorizadas em crimes cuja pena máxima for superior a dois anos, a não ser que o delito for realizado, exclusivamente, por essa modalidade de comunicação ou se trate de crime de formação de quadrilha ou bando. Em geral, não deverá exceder 60 dias, mas poderá chegar a 360 dias ou mais, quando necessário ou em caso de crime permanente.

A possibilidade de confissão, com acordo, poderá significar aplicação da pena no mínimo legal – trata-se de uma medida para tornar a justiça mais rápida e menos onerosa. A aplicação da pena deverá ser feita mediante requerimento das partes, para crimes cuja pena máxima é de oito anos.

Existem ainda mudanças quanto ao funcionamento do júri, permitindo que os jurados conversem uns com os outros, salvo durante a instrução e debates. O projeto acaba também com os chamados recursos de ofício, em que o juiz encaminha sua decisão ao tribunal competente para reexame, independente da manifestação das partes.

O interrogatório passa a ser um meio de defesa e não mais de prova, tornando-se um direito do investigado ou acusado, não sendo admitido emprego de métodos ou de técnicas ilícitas, de coação, de intimidação ou de ameaça. Será constituído de duas partes, envolvendo a vida dos acusados e os fatos. Passa também a ser permitido o interrogatório do réu preso por videoconferência, por questão de segurança pública, em caso de réu doente ou incapacitado de comparecer a juízo ou, ainda, para impedir que o réu influencie testemunha ou vítima.

Está previsto ainda tratamento digno à vítima, envolvendo comunicação da prisão ou soltura do suposto autor do crime; conclusão do inquérito e do oferecimento da denúncia; arquivamento ou absolvição. Só poderá ocorrer habeas corpus em caso concreto de lesão ou ameaça de direito de locomoção. São enumeradas 16 medidas cautelares: prisão provisória, fiança, recolhimento domiciliar, monitoramento eletrônico, suspensão do exercício da profissão, atividade econômica ou função pública, dentre outras. As prisões também foram modificadas, além de não ser permitido uso de força ou algema, salvo se for indispensável.

É importante que os profissionais do Direito e a população acompanhem a tramitação do projeto. Esta e todas as outras reformas têm o intuito de aprimorar e geram grande expectativa na sociedade. Mas, o risco é grande de que seja apenas mais uma tentativa, com poucos resultados efetivos. E o Poder Judiciário é que será cobrado por isso, porque a sociedade estará atenta à prática, não às intenções.
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Entrevista com o Juiz Federal aposentado Jonas Nunes de Faria

O Conselho da Justiça Federal publicou recentemente, em vídeo, entrevista com o primeiro Juiz Federal de Santa Catarina (concursado), Jonas Nunes de Faria.
"Em 13 de setembro de 1974, tendo sido aprovado no I Concurso Público do Brasil para o provimento do cargo de Juiz Federal Substituto, assume em Santa Catarina o Doutor Jonas Nunes de Faria, egresso do cargo de Diretor de Secretaria da Vara Única desde 1967, permanecendo na titularidade da 1ª Vara até a sua aposentadoria, em outubro de 1989.
Em 1979, assume como Diretor de Secretaria da Vara Única, a seu convite, o funcionário Ivo Eckert, sendo admitido em 1983 no quadro de pessoal.
O Doutor Jonas Nunes de Faria foi o juiz que mais tempo permaneceu na Seção Judiciária de Santa Catarina: ao todo foram 22 anos, sendo 7 anos como Chefe de Secretaria, 3 anos como Juiz Federal Substituto e 12 anos no cargo de Juiz Federal (decorrência da Emenda Constitucional nº 7/77, que, entre outras medidas, extingue o cargo de Juiz Federal Substituto, restabelecido, posteriormente, pela Constituição Federal de 1988)". (fonte http://www.jfsc.jus.br/JFSCMV/Noticias/Historia.asp)

Segue infra, o resumo da entrevista; para os que se interessarem em assistir a gravação, segue o link http://www2.cjf.jus.br/jspui/handle/1234/43051.


Entrevista com o Juiz Federal Jonas Nunes de Faria

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Título: Entrevista com o Juiz Federal Jonas Nunes de Faria
Autor: Faria, Jonas Nunes de; Analice Bolzan; Analice Bolzan; Ricardo Nunes; Fernanda Lídice Francisquini Fernandes; Priscila Girardi
Resumo: Nascido em Biguaçu, Santa Catarina, o Juiz Jonas Nunes de Faria veio para Florianópolis ainda criança e começou a sua vida profissional no Cartório Luz. Posteriormente trabalhou como auxiliar judiciário no TRE, chegando à função de Diretor de Secretaria. Formou-se bacharel em Direito no ano de 1964 e começou a advogar logo após a formatura, até ser aprovado para o cargo de Juiz Federal em 1974, através do primeiro concurso da república, tendo alcançado 22 anos de Justiça Federal, integralmente na capital. Presidiu o segundo Tribunal do Júri do Brasil, em que houve o julgamento do assassino de um jovem policial. Outras denúncias repercutiram na época: uma contra o presidente do BESC (Banco do Estado de Santa Catarina); outra contra o delegado do Patrimônio da União e um empresário do Balneário Camboriú. Ambas foram rejeitadas por ele e confirmadas pelo extinto Tribunal Federal de Recursos. Já no plano civil, um processo significativo foi do Sindicato dos Corretores de Navios, cujos membros propuseram ação indenizatória, que foi decidido por meio da Carta Avocatória. O Juiz sofreu um atentado em que dispararam quatro tiros contra a residência em que morava. Apesar do ocorrido e de outras ameaças, sempre manteve as portas de seu gabinete abertas e tem aversão a idéia de inquirir um réu algemado. Ele também traz à tona a questão dos Direitos Humanos e considera prudente o voto dos presidiários. Serviu na Justiça Eleitoral em uma época em que se buscava agilização dessa área. Paralelamente, chegava ao fim o Regime Militar e tinha início a abertura democrática. Ao comentar as mudanças ocorridas na justiça frente à crescente demanda de processos, destaca o avanço alcançado com a adoção do mecanismo da Súmula Vinculante. E ainda aponta que se houver possibilidade de se fazer conciliação, será um passo importantíssimo, pois em muito se reduziria a carga de trabalho dos juízes. Mas lembra que os problemas trazidos pela crescente demanda passam também pela preparação dos advogados, que devem ser capacitados para exercer sua função primordial. Observa que há uma disputa de vaidade e arrogância na magistratura que o faz combater diariamente o orgulho e o egoísmo. E acredita que a televisão é um aditivo para a crise moral, porém, não nega o seu trabalho informativo. Mas afirma que o direito de informação precisa ser controlado e que os magistrados deveriam fazer um exercício da autocrítica, revendo sua posição nessa crise. O Juiz vê o seu cargo como uma peça importante no contexto político-sócio-econômico, pois o magistrado julga conflitos de interesse, realizando um trabalho fundamental para manter a sociedade organizada. Sabendo da responsabilidade de julgar atos humanos, encontrou leveza na aposentadoria, ao mesmo tempo que diminuiu a carga material. Mesmo ciente de todos os seus esforços, não desconsidera a força da espiritualidade como alavanca na sua carreira e tem consciência da diferença da função de julgar os atos humanos do julgamento do ser humano. Vê o trabalho como um meio de aprimoramento do ser humano em tempos de ociosidade, consumismo e hedonismo. Assim, voltou a advogar para trabalhar seu espírito, além de não abandonar sua grande paixão pelo Direito. Atualmente está separado da esposa Mariza e tem quatro filhos. Baseia seu estilo de vida em sua espiritualidade e a ela atribui muito da formação de seu caráter e personalidade. Das lições espirituais foi que tirou seus princípios para o trabalho, e tem em Deus seu grande exemplo, pois Deus é dinâmico, não é ocioso.
URI: http://dspace.cjf.local/jspui/handle/1234/43051
Data de publicação: 30-04-2010

O operário em construção

Mais um lindo poema do Vinicius; especialmente para os que militam na seara trabalhista.
Grande abraço.

O operário em construção

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.


In "Antologia poética", 18ª ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1980.

Jakobs


Em tempos de recrudescimento do Direito Penal e na iminência de aprovação do novo CPP, em que o poder negocial da pena será institucionalizado (Inconstitucionalidade à vista?), o cunhado Direito penal do inimigo de
Günther Jakobs tende a enfileirar mais cidadãos sob o crivo estatal, seja encarcerando ou restringindo direitos.
Segue excerto da monografia que apresentei em junho do ano passado, "Bem jurídico-penal à luz da Constituição Federal de 1988", no Cesusc.

Abraço.


O funcionalismo de Jakobs

Expoente da teoria funcionalista sistêmica, inserida na concepção sociológica de bem jurídico, o penalista alemão Günther Jakobs constrói um novo sistema de direito penal. Não obstante as acirradas críticas que recebe da doutrina, fez uma releitura da concepção de bem jurídico.

Paschoal (2003, p. 37) aduz que Francesco Antolisei foi um precursor do funcionalismo, já que em sua obra assevera que não é correta a idéia de que existe uma correlação indissociável entre o crime e a ofensa de um bem. Para Antolisei, nem sempre o crime seria um fato danoso, mas sim um fato nocivo para a sociedade, reputado pelo legislador. De forma profética, aduzia que, com o tempo, o conceito de bem jurídico no Direito Penal perderia importância.

Jakobs fundamenta seus estudos tendo por base a filosofia do direito de Hegel e alguns aspectos da teoria dos sistemas, como a concepção do direito de Niklas Luhmann. Para Luhmann, o direito é uma estrutura facilitada pela orientação social, e a norma, uma generalização de expectativas, de modo que as expectativas sociais se estabilizam através das sanções, tendo a pena a finalidade de manter a vigência da norma como modelo de contato social (CALLEGARI et al, 2005, p. 12-13)

Dentre os adeptos da concepção sociológica de bem jurídico encontram-se Amelung, Jakobs, Otto, Habermas, Hassemer, entre outros. Amelung vê o bem jurídico como critério de nocividade social; a noção de bem jurídico para Jakobs encontra-se na vigência da norma enquanto objeto de tutela; Otto entende por bem jurídico uma determinada relação do indivíduo com algo que sirva para o desenvolvimento de sua personalidade; Habermas propõe critérios para a criação de bem jurídico; Hassemer formula uma doutrina realista do bem jurídico ancorado em diretrizes político-criminais de ordem racional. Segundo ele, as teorias sociológicas podem cumprir função crítica ou sistemática; na primeira, a noção de bem jurídico transcende o sistema, ou seja, se situa além do Direito Penal. A função sistemática, para Hassemer, reduz o bem jurídico a uma criação do legislador, sendo por isso imanente ao sistema (PRADO, 2003, p. 39-41).

Günther Jakobs representa a face mais radical do funcionalismo, posto que renuncia por completo a idéia de bem jurídico penal, recuando a um Direito Penal exclusivamente formal e arbitrário, já que ilimitado (PASCHOAL, 2003, p. 38).

No momento que se entende que a função da pena é manter as estruturas básicas de uma sociedade, o conceito tradicional de bem jurídico sofre uma transformação, de modo que o dano deixa de ser naturalmente perceptível (como uma lesão corporal ou a subtração de um patrimônio); o conceito passa a ser normativo, ou seja, o que vale é a vigência da norma (CALLEGARI et al, 2005, p. 15-16):

Uma teoria positivista com uma dimensão tão “neutra” (funcionalista), ao não definir previamente a forma específica de seu funcionamento nem o sistema social ao qual será útil, não somente pode permitir o arbítrio punitivo, senão que, tal como assinalou com grande propriedade Muñoz Conde, “conduz à substituição do conceito de bem jurídico pelo de ‘funcionalidade do sistema social’, perdendo assim a Ciência do Direito penal o último apoio que fica para a crítica do Direito penal positivo” (GOMES, 2002, p. 84).

Jakobs afirma que um sistema social funcional só existirá se o Direito Penal assegurar a validade fática ou a vigência das normas jurídicas. O direito repressor teria a função de estabilizar a ordem social através da imputação de condutas e o delito significaria oposição à prescrição normativa, ao passo que a sanção restabeleceria a obediência ao Direito (PRADO, 2003, p. 40).

Todas essas orientações funcionalistas amparam que os objetos de tutela penal devem ser entendidos em sua dimensão social, tendo por base a danosidade social, que é um conceito aberto, com noções vagas, carentes de uma instância mediadora capaz de conferir-lhe operatividade e muito criticável; ou seja, o bem jurídico torna-se mais expressão da ratio legis do que autêntico bem tutelado pela lei (GOMES, 2002, p. 84)

Para Delmanto Júnior (2008, p. 463), a idéia sustentada por Jakobs, revela um retrocesso terrível, aproximando-se de um “direito penal do autor”, típico dos regimes totalitários; e o que é pior, o “Direito penal do inimigo” estaria sendo admitido em Estados tradicionalmente democráticos, como os Estados Unidos e Inglaterra, especialmente após os ataques às torres gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque.

Francisco Sannini Neto (Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 29 de fevereiro de 2009), defende que há compatibilidade entre o Direito Penal do Inimigo [criado por Jakobs] e o Estado Democrático de Direito, já que, com a evolução do nível de organização dos criminosos, o Estado não pode permanecer de mãos atadas frente aos que delinquem, em respeito aos direitos humanos. Sustenta, ainda, que há delinquentes que não podem ser regenarados; para estes, que não mais aceitam viver em sociedade, deve-se aplicar um direito penal diferenciado. Revela que seu posicionamento guarda alicerce na Constituição, verbis:

Insta observar que tal entendimento encontra amparo na própria Constituição através dos princípios da iguldade e da proporcionalidade. Ora, tratar um indivíduo que oferece grande perigo ao Estado de maneira diferenciada, nada mais é do que tratar desigualmente os desiguais. Desse modo, é essencial que o Estado se valha de instrumentos como a infiltração de agentes em organizações criminosas e de interceptações telefônicas sempre que as circunstâncias exigirem (SANNINI NETO, Disponível em: http://www.lfg.com.br Acesso em: 29 de fevereiro de 2009).

José Joaquim Gomes Canotilho, citado por Paschoal (2003, p. 39) sustenta que “[...] a funcionalização, mesmo em um Estado que se pretenda democrático de direito, pode ‘conduzir a institutos censuráveis como os de perda ou suspensão dos direitos fundamentais pela sua utilização abusiva’.”

O arbítrio e a neutralidade, sustentado por Jakobs e outros funcionalistas, que suscitam as críticas dos doutrinadores comprometidos com um Direito Penal garantista e democrático. Concretizar um Direito Penal limitado, de forma efetiva, à lesão de bens jurídicos caros à sociedade é o que um Estado democrático de direito deve esforçar-se em encontrar (PASCHOAL, 2003, p. 42-43).

Para Prado (2003, p. 40), a tese de Jakobs esvazia o conteúdo liberal do bem jurídico, dificultando sobremaneira a limitação do direito de punir estatal, cuja função atribuída àquele; “[...] Trata-se de uma construção formalista, vazia de conteúdo, que pode ser incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito.”


Bibliografia:


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CALLEGARI, André Luís [et al]. Direito Penal e funcionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

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FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

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