quarta-feira, 25 de maio de 2016

Informativo 0581/STJ Execução provisória de pena em Ação Penal originária de Tribunais

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA EM AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.
É possível a execução provisória de pena imposta em acordão condenatório proferido em ação penal de competência originária de tribunal. Inicialmente, ao que tudo está a indicar, a decisão proferida pela composição plena do STF no HC 126.292-SP (julgado em 17/2/2016, ainda não publicado) sufragou pensamento de que o direito é disciplina prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos pontos dos votos dos eminentes Ministros que participaram da sessão, assinalou-se, como móvel para a referida guinada jurisprudencial, a gravidade do quadro de "desarrumação" do sistema punitivo brasileiro, máxime por permitir a postergação da definição do juízo de condenação, mercê dos inúmeros recursos previstos na legislação processual penal. Diante dessa pletora de meios impugnativos, que engendra, a cada instância inaugurada no curso processual, uma infindável reapreciação dos mesmos temas já anteriormente debatidos, a Suprema Corte acabou assumindo, na dicção de Ministro daquela Corte, "papel decisivo nessa rearrumação". Em verdade, a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com praticamente todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos. Atenta-se, ainda, à previsão contida no art. 283 do CPP ("Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"), cuja redação dada pela Lei n. 12.403/2011 veio encampar a jurisprudência até então consolidada do STF, no sentido de que toda prisão, antes do trânsito em julgado, teria natureza cautelar. Ora, é fato que a redação desse artigo encontra sua essência no princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. Logo, se o próprio Pretório Excelso, ao interpretar esse princípio constitucional, entendeu pela possibilidade de execução provisória da pena após a prolação de acórdão condenatório, não se verifica como uma interpretação a regra infraconstitucional possa contraditar o alcance de sentido que foi emprestado ao princípio que dá sustentação a essa própria regra infraconstitucional, porquanto, sob a perspectiva kelseniana, as normas inscritas na Carta Maior se encontram no topo da pirâmide normativa, à qual todo o sistema jurídico deve se conformar. Diante disso, não há como pretender que sejam sobrepostas a interpretação e o alcance do art. 283 do CPP à espécie, de modo a afastar o entendimento manifestado pelo STF, porquanto, ao fim e ao cabo, as normas infraconstitucionais é que devem se harmonizar com a Constituição, e não o contrário. A compreensão externada pelo Supremo, por ocasião do julgamento do HC 126.292-SP, poderia ser resumida na conclusão de que o recurso especial, tal como o recurso extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o início da execução provisória da pena, sem que isso importe em inobservância ao princípio da não culpabilidade, porquanto "o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias" (excerto de voto de Ministro daquela Corte). Como o mencionado acórdão ainda não foi publicado, é possível que ele venha a ser integrado e modelado, de modo a fornecer elementos mais precisos e objetivos para se saber, efetivamente, a partir de qual momento poderá ser autorizado o início da execução da pena, confirmada (ou imposta) em acórdão condenatório. Contudo, isso não implica afastar a possibilidade de o julgador, dentro de seu inerente poder geral de cautela, atribuir, no exercício da jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE e, com isso, obstar a execução provisória da pena. Isso seria possível, por exemplo, em situações excepcionais, nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol d'oiseau, a manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação. Por fim, é necessário se ressaltar que nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários, com base na qual cabe ao STJ a interpretação do direito federal e ao STF a interpretação da CF, motivo pelo qual se deve dar efetivo e imediato cumprimento à nova interpretação dada, pelo STF, aos limites e ao alcance da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inc. LVII). EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016, DJe 14/4/2016.

terça-feira, 24 de maio de 2016

RE 635.659 e postulação de sobrestamento de TC (modelo)



EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA CAPITAL/SC – FORO DO CONTINENTE




TC nº xxxxxxxxxxxxxx


XXXXXXXXXXXXXXXXXX, qualificado nos autos do Termo Circunstanciado em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seu Advogado regularmente constituído, aduzir o que segue para ao final requerer.

I – ESCORÇO FÁTICO

Consta do presente Termo Circunstanciado que o Peticionário, no dia XX.XX.XX, foi surpreendido por Guarnição da Polícia Militar “com cigarro de maconha em sua mão” (fl. 2).
Termo de Compromisso de Comparecimento acostado à fl. 4 e devidamente subscrito pelo Peticionário.
Instituto Geral de Perícias realizou o exame do material apreendido, revelando que se tratava de “01 (um) saco de plástico incolor acondicionando 01 (um) cigarro de confecção artesanal, parcialmente consumido e contendo erva, com massa bruta de 1,3g (um grama e três decigramas)”, concluindo tratar-se de material vegetal vulgarmente conhecido como maconha (fls. 7/8).
Recebido o TC, esse r. Juízo, após manifestação do representante do Parquet, designou audiência preliminar para proposta de transação penal para o dia XX.XX.XX, às 14h00 (fl. 16).
No essencial, os fatos.

II – RECURSO EXTRAORDINÁRIO 635.659/SP COM RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL PENDENTE DE JULGAMENTO. POSSIBILIDADE DE SOBRESTAMENTO DO PRESENTE TERMO CIRCUNSTANCIADO.

Sabe-se que o instituto da Repercussão Geral foi instituído no Ordenamento Jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, conhecida como “Reforma do Judiciário”.
Para que recursos extraordinários sejam apreciados pelo Pretório Excelso, o recorrente deverá demonstrar, em preliminar formal, que a questão debatida transcende os limites subjetivos da lide.
 O Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, revela em seu § 1º do art. 1035 que “Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.”
Não restam dúvidas que a questão da criminalização do porte de drogas (especialmente a “maconha”, por ser menos nociva que as outras drogas ilícitas) para consumo pessoal é relevantíssima do ponto de vista social e jurídico.
Daí que em dezembro de 2011 o STF reconheceu a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 635.659/SP, em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, porte de drogas para consumo pessoal.
Para contextualizar os fatos, do sítio do STF colhe-se, à época, a seguinte notícia:

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por meio do Plenário Virtual, a existência de repercussão geral na questão em debate no recurso sobre a constitucionalidade de dispositivo da Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006), o qual tipifica como crime o uso de drogas para consumo próprio. A matéria é discutida no Recurso Extraordinário (RE) 635659, à luz do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada.
No recurso de relatoria do ministro Gilmar Mendes, a Defensoria Pública de São Paulo questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo pessoal. Para a requerente, o dispositivo contraria o princípio da intimidade e vida privada, pois a conduta de portar drogas para uso próprio não implica lesividade, princípio básico do direito penal, uma vez que não causa lesão a bens jurídicos alheios.
A Defensoria Pública argumenta que ‘o porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’ (objeto jurídico do delito de tráfico de drogas), mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário’. No RE, a requerente questiona acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que, com base nessa legislação, manteve a condenação de um usuário à pena de dois meses de prestação de serviços à comunidade.
Ao manifestar-se pela repercussão geral da matéria discutida no recurso, o ministro Gilmar Mendes destacou a relevância social e jurídica do tema. ‘Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria’, frisou. A decisão do STF proveniente da análise desse recurso deverá ser aplicada posteriormente, após o julgamento de mérito, pelas outras instâncias do Poder Judiciário, em casos idênticos. (grifou-se) (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=196670&caixaBusca=N)
O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do RE 635.659/SP no dia 20 de agosto de 2015, com o voto do Ministro Gilmar Mendes, “no sentido de prover o recurso e declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas. Na avaliação do relator, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, bem como gera uma punição desproporcional ao usuário, violando o direito à personalidade. No entanto, o ministro votou pela manutenção das sanções prevista no dispositivo legal, conferindo-lhes natureza exclusivamente administrativa, afastando, portanto, os efeitos penais.” (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299484&caixaBusca=N)
A retomada do julgamento se deu no dia 10 de setembro, após pedido de vista do Ministro Edson Fachin na Sessão do dia 20 de agosto.
Consta da página virtual do STF notícia divulgada no dia 10.09.2015:

“Pedido de vista do ministro Teori Zavascki suspendeu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral, no qual se discute a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo próprio. Na sessão desta quinta-feira (10), votaram os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Em voto-vista apresentado ao Plenário, o ministro Fachin se pronunciou pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal, restringindo seu voto à maconha, droga apreendida com o autor do recurso. O ministro explicou que, em temas de natureza penal, o Tribunal deve agir com autocontenção, ‘pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso pode conduzir a intervenções judiciais desproporcionais’.
O ministro Roberto Barroso também limitou seu voto à descriminalização da droga objeto do RE e propôs que o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam parâmetros de referência para diferenciar consumo e tráfico. Esses critérios valeriam até que o Congresso Nacional regulamentasse a matéria. (...) Na sessão desta quinta-feira (10), o ministro Gilmar Mendes ajustou seu voto original para declarar a inconstitucionalidade, com redução de texto, da parte do artigo 28 que prevê a pena de prestação de serviços à comunidade, por se tratar de pena restritiva de direitos.” (grifou-se) (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299484&caixaBusca=N)

Nesse contexto delineado, no qual três Ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestaram pela inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006 – Ministro Gilmar pela inconstitucionalidade, com redução de texto; Ministros Fachin e Barroso pela inconstitucionalidade, com alcance somente para a espécie de entorpecente “maconha”, objeto do RE 635.659, e este último Ministro propondo regulamentação de quantidade para porte e plantio – a postulação é no sentido que o presente feito penal fique sobrestado, bem como o prazo prescricional, até o julgamento definitivo do RE 635.659/SP.
Caso deferida a presente postulação, atender-se-á, a um só tempo, ao Princípio da isonomia (caput do art. 5º, da CRFB) - evitando-se decisões discrepantes do que vier a ser decidido pelo STF, com força vinculante e efeito erga omnes (“teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença” - ratio decidendi - aplicada ao controle difuso de constitucionalidade pelo STF, v.g.: RE 197.917 e HC 82.959/SP); ao Princípio da segurança jurídica e respeito à Jurisprudência, norte do NCPC (caput do art. 926 e art. 927, I, ambos do NCPC), com aplicação analógica nos Juizados Especiais Criminais (art. 92 da Lei 9.099 c/c 3º do CPP).
Nesse passo, mister ressaltar que o § 5º do artigo 1.035 do NCPC (sem correspondência ao CPC/73) prevê a suspensão de todos os processos pendentes, após o reconhecimento da Repercussão Geral pelo STF; destaca-se:

Art. 1.035.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
...
§ 5o Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

Ou seja, se, hipoteticamente, a Repercussão Geral do RE 635.659 fosse reconhecida pelo STF após o dia 17.3.16 (vigência do Novo CPC deu-se em 18.3.2016), o Pretório Excelso determinaria a suspensão de todos os processos no Território Nacional que versassem acerca do porte de drogas para consumo pessoal.
Sem olvidar que essa exegese - por beneficiar o Peticionário e, precipuamente pelo fato da imputação ter como consequência penas restritivas de direitos, ensejando restrição ao seu direito fundamental de locomoção -  possui efeitos retroativos que beneficia o Imputado; mutatis mutandis  a doutrina do Ministro Luiz Fux, in verbis:

“(...) Outrossim, o novo CPC é um ordenamento lavrado à luz da novel axiologia constitucional que prevê como direito fundamental a ‘segurança jurídica’ que se  subdivide em segurança judicial e segurança legal.
Assim, por exemplo, se o novo CPC entra em vigor quando pendente um Recurso Extraordinário, o novel regime não atinge essa impugnação quanto a novos requisitos inexistentes à data da decisão recorrida; solução que melhor atende à segurança jurídica, ressalvada sempre a aplicação retroativa benéfica, como a fungibilidade recursal entre o recurso especial e o recurso extraordinário. (grifou-se) Disponível em: http://conjur.com.br/2016-mar-22/ministro-luiz-fux-cpc-seguranca-juridica-normativa).

Em vista que a imputação que recai contra o Peticionário é porte de “maconha” para consumo pessoal e que o STF, como visto, se inclina para descriminalizar essa espécie de entorpecente, mister que se aguarde a posição definitiva da Suprema Corte brasileira sobre a temática que envolve, reflexamente, direitos fundamentais.

III – REQUERIMENTOS

Diante do exposto, requer-se, com o devido acato, que o presente Termo Circunstanciado seja suspenso, bem como a prescrição da pretensão punitiva estatal, até o julgamento definitivo do RE 635.659/SP pelo Supremo Tribunal Federal, cancelando-se, consequentemente, a audiência designada para o dia XX de xxxxx do corrente ano.

Tudo por ser medida da mais pura e lídima
J U S T I Ç A!

Termos em que,
Pede-se deferimento.

Florianópolis/SC, 26. IV. 2016.

(assinado digitalmente)
RAFAEL SILVA DE FARIA, Advogado.
OAB/SC 30.044

terça-feira, 2 de junho de 2015

STJ - Decisão importante e consentânea com o princípio da proporcionalidade

Corte Especial
DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, V, DO CP.
É inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, V, do CP – “reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa” –, devendo-se considerar, no cálculo da reprimenda, a pena prevista no caput do art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º.De fato, é viável a fiscalização judicial da constitucionalidade de preceito legislativo que implique intervenção estatal por meio do Direito Penal, examinando se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. Nesse sentido, a Segunda Turma do STF (HC 104.410-RS, DJe 27/3/2012) expôs o entendimento de que os “mandatos constitucionais de criminalização [...] impõem ao legislador [...] o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A idéia é a de que a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade [...] Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal”. Sendo assim, em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena de “reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa” abstratamente cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, V, do CP, referente ao crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada. Isso porque, se esse delito for comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP, sobretudo após a edição da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que, apesar de ter aumentado a pena mínima de 3 para 5 anos, introduziu a possibilidade de redução da reprimenda, quando aplicável o § 4º do art. 33, de 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o esporádico e pequeno traficante pode receber a exígua pena privativa de liberdade de 1 ano e 8 meses. E mais: é possível, ainda, sua substituição por restritiva de direitos. De mais a mais, constata-se que a pena mínima cominada ao crime ora em debate excede em mais de três vezes a pena máxima do homicídio culposo, corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples, é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, enfim, é mais grave do que a do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro, situação que gera gritante desproporcionalidade no sistema penal. Além disso, como se trata de crime de perigo abstrato, que independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja, a dispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre esse delito e a pena abstratamente cominada pela redação dada pela Lei 9.677/1998 (de 10 a 15 anos de reclusão). Ademais, apenas para seguir apontando a desproporcionalidade, deve-se ressaltar que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP, a que se comina pena altíssima, pode acarretar mera sanção administrativa de advertência, nos termos dos arts. 2º, 4º, 8º (IV) e 10 (IV), todos da Lei n. 6.437/1977, que define as infrações à legislação sanitária. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei, tendo em vista que a restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. Quanto à possibilidade de aplicação, para o crime em questão, da pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas – “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa” (art. 33 da Lei de drogas) –, a Sexta Turma do STJ (REsp 915.442-SC, DJe 1º/2/2011) dispôs que “A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma [...] Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015, DJe 10/4/2015.