É possível a execução
provisória de pena imposta em acordão condenatório proferido em ação
penal de competência originária de tribunal. Inicialmente,
ao que tudo está a indicar, a decisão proferida pela composição
plena do STF no HC 126.292-SP (julgado em 17/2/2016, ainda não
publicado) sufragou pensamento de que o direito é disciplina
prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos
pontos dos votos dos eminentes Ministros que participaram da sessão,
assinalou-se, como móvel para a referida guinada jurisprudencial, a
gravidade do quadro de "desarrumação" do sistema punitivo
brasileiro, máxime por permitir a postergação da definição do juízo
de condenação, mercê dos inúmeros recursos previstos na legislação
processual penal. Diante dessa pletora de meios impugnativos, que
engendra, a cada instância inaugurada no curso processual, uma
infindável reapreciação dos mesmos temas já anteriormente debatidos,
a Suprema Corte acabou assumindo, na dicção de Ministro daquela
Corte, "papel decisivo nessa rearrumação". Em verdade, a
possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância,
quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com
praticamente todos os tratados e convenções internacionais que
versam direitos humanos. Atenta-se, ainda, à previsão contida no
art. 283 do CPP ("Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de
prisão temporária ou prisão preventiva"), cuja redação dada pela Lei
n. 12.403/2011 veio encampar a jurisprudência até então consolidada
do STF, no sentido de que toda prisão, antes do trânsito em julgado,
teria natureza cautelar. Ora, é fato que a redação desse artigo
encontra sua essência no princípio constitucional da presunção de
não culpabilidade. Logo, se o próprio Pretório Excelso, ao
interpretar esse princípio constitucional, entendeu pela
possibilidade de execução provisória da pena após a prolação de
acórdão condenatório, não se verifica como uma interpretação a regra
infraconstitucional possa contraditar o alcance de sentido que foi
emprestado ao princípio que dá sustentação a essa própria regra
infraconstitucional, porquanto, sob a perspectiva kelseniana, as
normas inscritas na Carta Maior se encontram no topo da pirâmide
normativa, à qual todo o sistema jurídico deve se conformar. Diante
disso, não há como pretender que sejam sobrepostas a interpretação e
o alcance do art. 283 do CPP à espécie, de modo a afastar o
entendimento manifestado pelo STF, porquanto, ao fim e ao cabo, as
normas infraconstitucionais é que devem se harmonizar com a
Constituição, e não o contrário. A compreensão externada pelo
Supremo, por ocasião do julgamento do HC 126.292-SP, poderia ser
resumida na conclusão de que o recurso especial, tal como o recurso
extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o
início da execução provisória da pena, sem que isso importe em
inobservância ao princípio da não culpabilidade, porquanto "o
acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo
ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele
inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo
acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional
autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de
julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos
próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias
ordinárias" (excerto de voto de Ministro daquela Corte). Como o
mencionado acórdão ainda não foi publicado, é possível que ele venha
a ser integrado e modelado, de modo a fornecer elementos mais
precisos e objetivos para se saber, efetivamente, a partir de qual
momento poderá ser autorizado o início da execução da pena,
confirmada (ou imposta) em acórdão condenatório. Contudo, isso não
implica afastar a possibilidade de o julgador, dentro de seu
inerente poder geral de cautela, atribuir, no exercício da
jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE e, com
isso, obstar a execução provisória da pena. Isso seria possível, por
exemplo, em situações excepcionais, nas quais estivesse
caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na
impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol
d'oiseau, a manifesta contrariedade do acórdão com a
jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação.
Por fim, é necessário se ressaltar que nenhum acréscimo às
instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal
resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de
competências entre os diversos órgãos judiciários, com base na qual
cabe ao STJ a interpretação do direito federal e ao STF a
interpretação da CF, motivo pelo qual se deve dar efetivo e imediato
cumprimento à nova interpretação dada, pelo STF, aos limites e ao
alcance da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inc. LVII).
EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016, DJe 14/4/2016.
"Como concebem as pessoas, incluindo também os juristas, quanto à condenação, algo de análogo àquilo que ocorre quando um homem morre: a decisão condenatória, com o aparato que todos conhecem mais ou menos, é uma espécie de funeral; terminada a cerimônia, (...) não se pensa mais no falecido. Sob certo aspecto, pode-se assemelhar a penitenciária a um cemitério; mas esquece-se que o condenado é um sepultado vivo" (CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal).
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