sexta-feira, 16 de julho de 2010

Informativo STF, nº 578.

SEGUNDA TURMA

Trancamento de Ação Penal e Falta de Justa Causa

Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar, em relação ao paciente, o trancamento de ação penal instaurada para apurar a suposta atuação de membros de conselho administrativo de determinado banco nas causas que teriam levado à liquidação forçada da instituição financeira (Lei 7.492/86, artigos 4º e 17), nos termos relatados por comissão de inquérito no âmbito do Banco Central do Brasil - BACEN. Salientou-se que o STF tem reafirmado a validade de denúncias que, embora resumidas na descrição dos fatos, basear-se-iam em relatório formulado por comissão de inquérito do BACEN. No entanto, aduziu-se que isso não significaria que a exordial acusatória, ao confiar a delimitação aprofundada dos fatos e provas ao conteúdo do relatório administrativo, estivesse dispensada dos requisitos mínimos de validade. Asseverou-se que, no caso, o Ministério Público se apoiara exclusivamente no relatório do BACEN, o qual, de maneira expressa, afirmara que o paciente não tomara posse no cargo de membro do conselho de administração. Em conseqüência, reputou-se que o paciente não teria nenhuma responsabilidade nos fatos investigados. HC 95507/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-95507)


NOTAS DA REDAÇÃO
Autor: Áurea Maria Ferraz de Sousa;

É possível se afirmar que a ação penal é direito que se consubstancia em forma de impulsionar a jurisdição penal, para solução de uma lide penal, ou seja, é o direito de ação que se concretiza na esfera processual penal. Constitucionalmente atribuída ao Ministério Público, a ação penal será, em regra, pública, salvo quando a lei expressamente a declarar privativa do ofendido, hipóteses nas quais o direito à intimidade da vítima, por exemplo, sobrepõe-se ao interesse público de punir o deliquente.

CF/ 88

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

(...)

CP

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Trata-se de um direito público, já que a atividade jurisdicional que se pretende provocar é de natureza pública, e subjetivo, pois seu titular (o Ministério Público) pode exigir do Estado a prestação jurisdicional. Não se confunde com o direito material tutelado, e por isso, é denominado direito autônomo, sendo também abstrato, vez que a existência do direito de ação independe da procedência ou improcedência do pedido.

A decisão objeto do presente informativo de jurisprudência tem como tema principal a análise das condições da ação penal. As condições da ação penal são requisitos que subordinam o exercício do direito de ação. Vale dizer, em princípio, as condições da ação são as mesmas nas esferas civil e penal: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a causa.

Neste sentido, dispõe o artigo 3º do Código de Processo Civil: Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade. No âmbito criminal, entretanto, o Código de Processo Penal sofreu recentes alterações no que tange à matéria. Vejamos.

O artigo 395, com a antiga redação dispunha que:

Art. 395. O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer alegações e arrolar testemunhas.

O artigo, com a redação supra transcrita, cuidava do instituto da defesa prévia que, com a reforma processual sofrida no ano de 2008 (Lei 11.719/2008), deixou de existir. Hoje, sua nova redação trata das hipóteses de rejeição da denúncia e queixa, da seguinte forma:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

A matéria era regulada, anteriormente, pelo artigo 43 (hoje revogado) com a seguinte redação:

Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Parágrafo único. Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

Pois bem. De acordo com a nova ordem jurídica, as hipóteses de rejeição da petição inicial do processo penal são:

I – Peça acusatória inepta. O entendimento que recai sobre o inciso I do artigo 395 é o de que será inepta a inicial que não atender aos requisitos do artigo 41, do CPP, que dispõe: “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimento pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Vale dizer que, majoritariamente, entende-se que a inépcia pode ser alegada até a prolação da sentença.

II – Ausência de condições da ação ou pressupostos processuais. As condições da ação, como se sabe, são a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade ad causam e o interesse de agir. Os pressupostos, por sua vez, são de existência e de validade. O processo existe se há uma demanda, com efetivo exercício da jurisdição (que pressupõe competência e imparcialidade de um juiz), bem como se há partes que possam estar em juízo. A validade, entretanto, liga-se à originalidade do processo, ou seja, não podem existir litispendência, nem coisa julgada sobre os fatos em apreço.

III – Faltar justa causa. A justa causa para o exercício da ação penal deve ser entendida como a exigência de um lastro mínimo para a deflagração de uma ação penal. Aqui deverão estar presentes, dentre outras exigências, o mínimo de convencimento possível sobre a materialidade e autoria do delito.

É com base nesta hipótese que a Suprema Corte concedeu ordem a habeas corpus impetrado contra ajuizamento de ação penal. Veja-se que, de acordo com os fundamentos colacionados no corpo do presente informativo de jurisprudência, é entendimento do STF que a denúncia é válida, embora traga resumidamente a descrição dos fatos, quando ela basear-se em relatórios formulados por comissões de inquérito, no caso específico, elaborados no âmbito do BACEN. Ocorre que, por ocasião da denúncia oferecida no caso que deu origem ao julgamento do HC 95507/SP, o rel. Min. Cezar Peluso esclareceu que, o Ministério Público teria se baseado exclusivamente no relatório do BACEN, sem que, contudo, nele estivessem presentes indícios suficientes à propositura da adequada ação penal.

De acordo com a redação do informativo, o relatório do BACEN, de maneira expressa, afirmou que o paciente não tomou posse no cargo de membro do conselho de administração, consequentemente, concluiu-se que o paciente não teve qualquer responsabilidade nos fatos investigados, carente assim a peça inicial do lastro mínimo exigido a legitimar ação penal, quanto à autoria do delito.

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