quinta-feira, 26 de julho de 2012

L.F. Gomes Penalistas garantistas enfrentam novos desafios

Coluna do LFG Penalistas garantistas enfrentam novos desafios Por Luiz Flávio Gomes Não se entra em campo com time incompleto. Um dos ajustes que nós, penalistas garantistas e críticos, temos que fazer nas nossas práticas e discursos (não conservadores) é o seguinte: nós procuramos “combater” a política criminal puramente repressiva defendida nos últimos anos pelo populismo penal (midiático, legislativo, penitenciário etc.) com instrumentos, meios, racionalidades e discursos não inteiramente adequados. Contra as grandes transformações do Direito Penal, do processo penal e da execução penal (ocorridas nos últimos 30 anos: décadas de 80, 90 e a primeira do século XXI — veja Garland: 2005, p. 39 e ss.) nós levantamos somente as (jamais dispensáveis) bandeiras do minimalismo (mínima intervenção do Direito Penal: Baratta, Zaffaroni etc.) e do garantismo (mínima intervenção com as máximas garantias: Ferrajoli), que continuam sendo imprescindíveis para a construção do Estado democrático e proporcional de Direito, mas são insuficientes para combater as raízes dessas grandes mudanças, que residem especialmente no campo da criminologia e da política criminal Combate com armas somente defensivas. Usando somente as “armas” (intrinsecamente) defensivas de um Direito Penal, processo penal e execução penal coerentes com o Estado democrático e proporcional de Direito, nossa chance de sucesso nessa “guerra” (contra os disparates do populismo penal) resulta bastante reduzida. Sempre tivemos facilidade para ver a ponta do “iceberg” (os efeitos nefastos da criminologia e da política criminal puramente repressivas) e dirigir nossos “canhões” contra ela (para conter a volúpia autoritária e repressiva do poder punitivo), mas não atinamos para as suas bases (estruturas e racionalidades, que constituem as suas causas). Refinando o local da batalha. O populismo penal (que conta com claro impulso midiático)é, antes de tudo, um discurso ou movimento ou um saber criminológico e político-criminal de natureza exclusivamente repressiva (crê que a repressão, por si só, magicamente bastaria). Para fazer frente a essa realidade (irrealista), nós, os penalistas minimalistas/garantistas, nos aferramos na dogmática penal (interpretação e sistematização dos textos normativos) assim como nos princípios gerais do Direito (especialmente o penal), quando a causa de tudo acontece em outros terrenos prévios (da criminologia e da política criminal). Para “combater” a criminologia e a política criminal populista midiática, que passaram a monopolizar as respostas para o problema criminal, nós temos que nos valer também de uma criminologia (crítica, combatente) bem como de uma apropriada política criminal. O locus da batalha defensista do Estado democrático e proporcional de Direito não pode se limitar aos campos do Direito Penal, processo penal e execução penal. É preciso ir mais além, para alcançar a criminologia e a política criminal. Criminologias “anti”. Para jogar futebol temos que por em campo um time de futebol. Para “combater” a criminologia midiática (racista, discriminatória, sectarista, seletiva e maniqueísta) temos que nos valer das criminologias anti (anti-exterminista, anti-seletiva, anti-máfias, anti-racista etc.), começando, desde logo, pela criminologia anti-exterminista, que abomina todo tipo de discurso ou prática que conduz ao extermínio de pessoas. Não se trata da única bandeira da nova criminologia crítica, mas sem sombra de dúvida é uma das principais, tal como vem defendendo Zaffaroni (2011). Todo esforço no sentido de reduzir o número de mortes apresenta-se, no horizonte brasileiro (e latino-americano), como louvável iniciativa acadêmica ou realista. Como diz o autor citado (no seu livro La palavra de los muertos), é preciso ouvir os mortos, saber o que eles têm a dizer sobre a carnificina brasileira, iniciada em 1500 com o genocídio dos índios. Desde a fundação do nosso país não vivemos um dia sequer sem o império da violência, da vingança, do medo, da discriminação e da desigualdade. Já há muito tempo esse cenário histórico, econômico, social e cultural necessita navegar por outro caminho, que dê mais atenção para a prevenção fundada na Justiça social, respeito aos direitos humanos e no garantismo, que são termômetros de civilização (contraposta à barbárie). Política “criminal” bem-estarista. Para enfrentar a política criminal repressiva populista e midiática, no campo dos delitos clássicos (tradicionais, convencionais), temos que sustentar o seu oposto, que é uma política “criminal” que priorize a Justiça social, daí sua natureza preventiva bem-estarista ou welfarista. Causalidade mágica. O populismo penal midiático, de outro lado, parte de alguns preconceitos e crenças infundados, sobretudo a que diz respeito à causalidade mágica (Zaffaroni), que consiste em acreditar que mais penas e mais prisões significariam mais prevenção de crimes. Canaliza-se a vingança contra alguns delinquentes (os bodes expiatórios), com a crença (ou o discurso) de que isso seria a solução para o problema da criminalidade. Considerando que nas últimas três décadas nenhum índice da criminalidade diminuiu, temos que (criticamente) colocar em xeque essa causalidade mágica. Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook. Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012

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