domingo, 26 de setembro de 2010

Com amor, recomeçar*

Bonito texto retirado do portal LFG.

Com amor, recomeçar*
Autor: Léo Rosa de Andrade;



LÉO ROSA DE ANDRADE
Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.
Site: www.leorosa.com.br





O homem está diante da mulher que dorme. Tomado de encanto, o homem olha a mulher que dorme. Arrebatado por um afeto meigo, põe-se em posição confortável e observa. Há bom tempo está ali, parecia absorto, estava extasiado a observar. Não há paixão, não há desejo, há uma ternura delicada. Um ímpeto lhe dirige a mão, levando-a ao rosto tão bonito, descansado pelo sono. Contém o gesto. Tocá-la é quebrar o encanto, o carinho é não tocá-la. O carinho é só olhar.





A mulher acorda. A mulher levemente acorda. Seu olhar diz nada, mas sorri como criança acariciada. O homem a admira, a mulher se sente admirada. Os olhos se vão acendendo, senta-se na cama, põe-se, também, a olhar. Pergunta um delicado “que é, não consegues dormir?” “Conseguiria, estou cansado”, disse o homem, “mas não quero, quero te contemplar”. “Que lindo”, disse a mulher, “é tão gostoso acordar assim, com a meiguice ao lado”.





O homem não fala, fica no silencioso tomar conta do que pensava de si e da mulher. Em paz por todo o corpo, para não quebrar a paz, não quer falar. Não fala. A mulher entende. A mulher parece entender, mas está a imaginar o que se passa. Procura compreender o que vai por dentro do homem tão quieto. Não compreende, e se inquieta: “que pensas, pareces tão longe, noutro lugar”. O homem volta, e diz como se dissesse para si mesmo: “eu não sei onde estava, mas talvez vá para lá”.





Tarde da noite, outra vez o silêncio do homem, outra vez quer saber a mulher. Mas seria de perguntar? Melhor não, algo de estranho se esboçava no ar. Podia ser nada, mas se via que havia já uma distância até na fala, ou no jeito de falar. “Eu te amo muito, nunca amei ninguém tanto assim. Tu és a melhor amiga, a única pessoa amiga, uma pessoa certa com quem sei que sempre posso contar”, disse o homem. A mulher entendia que devia entender alguma coisa. Não entendeu, mas nada de perguntar.





“Nós somos bons amigos. Nunca tive tanto apego, nunca quis tanto alguém. Eu vou embora”, disse o homem. Não havia como ainda se calar. “Amor, amigo, embora?”, balbuciou a mulher. “Amor”, disse o homem, “um amor que me enche o coração, onde mora a minha amiga, a amiga que me toca tanto. Tu precisas, minha amiga, que eu me vá. Eu preciso ir. O amor que sentes, o amor que sinto, não é o de ficar. Faltam as vontades do começo, falta a paixão. O que nós temos é outro amor. Nos admiramos, nos entendemos, nos temos tanta gratidão”.





Abatimento, lágrima, compreensão. Alívio e medo. Um longo silêncio, um olhar distante da mulher. “Eu sei, também sinto falta do início. Mas tenho medo de me desgarrar das coisas da nossa vida, de te não ter e de não me encontrar. É o fascínio do chamado a ir; é temor da incerteza a querer ficar. Mas eu sei meu amigo doce, companheiro de jornada, tão querido amigo de conversar. Eu sei, esse nosso amor amigo é um amor de fim e um amor de recomeçar”. Silêncio, e nem cabia qualquer palavra. Se faltou dizer algo, foi dito com um sorriso ou com um olhar.
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