segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Defesa técnica - Remissão - ECA

TJ/RS

ECA. HOMOLOGAÇÃO DE REMISSÃO CUMULADA COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE SEM A PRESENÇA DE DEFENSOR - Não é possível homologar remissão concedida à adolescente, cujos pais não foram instruídos por defensor, face ao princípio constitucional de ampla defesa.
IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL CUMULADA COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PARA MEDIDA DE INTERNAÇÃO – Para a conversão da remissão cumulada com prestação de serviços a comunidade para a medida de internação deverá ser instaurado o procedimento pertinente ao devido processo legal.
NECESSIDADE DE OITIVA DO MENOR PARA REGRESSÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA - Está consolidada na jurisprudência a imprescindibilidade da oitiva do menor para se realizar a regressão de medida sócio-educativa. A inobservância desta formalidade leva a anulação do ato, pois viola garantia da ampla defesa e do contraditório, impossibilitando o adolescente apresentar sua justificativa quanto ao eventual descumprimento das condições da medida estipulada. ORDEM CONCEDIDA. UNÂNIME.


HABEAS CORPUS
SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL

N 70004531497
SÃO FRANCISCO DE PAULA

M.T.. IMPETRANTE
Z.L.C.. PACIENTE
J.D.V.I.J. S.F.P.. COATORA

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os integrantes da Segunda Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, conceder a ordem.
Custas, na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Guinther Spode, Presidente, e a Dra. Ana Beatriz Iser, Juíza de Direito convocada.

Porto Alegre, 29 de julho de 2002.



MARIO CRESPO BRUM,
Relator.

RELATÓRIO

MARIO CRESPO BRUM (RELATOR) –
Trata-se de habeas corpus impetrado por MARCELO TURELA, em favor de ZILBER LUIS DE CONCEIÇÃO, alegando que o jovem está sofrendo coação ilegal por ato emanado do Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Francisco de Paula.
Aponta como ilegalidades: a homologação de remissão sem o acompanhamento de defensor; a conversão da medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade, decorrente de remissão, para internação, bem como determinação de internação sem oitiva do adolescente. Requer a concessão da ordem a fim de que seja o jovem liberado de sua internação.
Foram juntadas cópias de peças, inclusive da decisão atacada (fl. 18/20).
A autoridade apontada como coatora, a Magistrada da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Francisco de Paula, enviou as informações requisitadas (fls. 25/38).
A liminar foi deferida (fls. 43/44).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.

VOTO

MARIO CRESPO BRUM (RELATOR) –
Verifica-se dos documentos de fl. 13/17, que foi homologada remissão cumulada com prestação de serviços à comunidade ao adolescente, em que os pais deste não foram assistidos por defensor, ensejando ilegalidade.
Em recente reunião do Conselho de Supervisão da Infância e Juventude, realizada no dia 21/07/02, foi editado o enunciado de nº 1, o qual estabelece:
"Estará constitucionalmente apta a receber homologação judicial apenas a remissão transacionada entre o Ministério Público, adolescente autor de ato infracional, seus pais ou responsável, desde que estes tenham sido assistidos por advogado ou defensor público.
Deliberado na Reunião do CONSIJ, em 21/07/02. Unânime."

De acordo com o enunciado, não é possível homologar remissão concedida à adolescente, cujos pais não foram instruídos por defensor, sob pena de eiva de ordem constitucional.
Adotando o posicionamento transcrito, tenho que a decisão homologatória deva ser desconstituída, a fim de se garantir a aplicação do princípio da ampla defesa ao menor. Dessa forma, o feito deve ser anulado ab initio, pois da concessão da remissão partiram todos os atos do procedimento, inclusive a internação do adolescente.
Por outro lado, ainda que se quisesse aceitá-la como válida, sua conversão para medida de internação (decisão de fls. 18/20) é ilegal. No instituto da remissão não há exame do mérito. Não implica o reconhecimento ou comprovação de responsabilidade, nem prevalece para efeitos de antecedentes. Com ela, pode ser incluída, eventualmente, a aplicação de quaisquer das medidas sócio-educativas, exceto a semiliberdade e a internação, como prevê o artigo 127 do ECA.
Estabeleceu este artigo limites à atuação ministerial e judicial, quando se trata de aplicação de medidas sem o devido processo legal, sem o exame do mérito da conduta infracional imputada.
Conforme leciona Julio Fabrini Mirabete:

“Fica ao prudente arbítrio do magistrado a aplicação de uma medida sócio-educativa, mais drástica, com exclusão da advertência, sendo de observar que para ser imposta medida de semi-liberdade ou internação, deverá ser instaurado o procedimento pertinente ao devido processo legal, art. 140, 141 e 182 a 190” (Júlio Fabrini Mirabete, do Ministério Público de São Paulo, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, sob a coordenação de Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, pg. 387/388).

Desta forma, não há dúvida de que a conversão da remissão cumulada com prestação de serviço à comunidade para medida sócio-educativa de internação é ilegal.
Também não se pode olvidar, que a regressão da medida sócio-educativa foi realizada sem inquirir-se o jovem. Já esta consolidada na jurisprudência a imprescindibilidade da oitiva do menor para tal ato. Há inclusive a súmula 265 do STJ neste sentido:

“É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa”.

É evidente que a inobservância dessa formalidade leva a anulação do ato, pois viola garantia da ampla defesa e do contraditório, impossibilitando o adolescente apresentar sua justificativa quanto ao eventual descumprimento das condições da medida estipulada.
Nesse sentido:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL. REGRESSAO. INTERNAMENTO. A DETERMINACAO DE REGRESSAO DE MEDIDAS RECLAMA A OITIVA DO MENOR INFRATOR PARA QUE SE MANIFESTE A RESPEITO DO DESCUMPRIMENTO, ASSEGURANDO-LHE O EXERCICIO DO DIREITO DE DEFESA E O ACOMPANHAMENTO DE CURADOR, SOB PENA DE NULIDADE. O ACOMPANHAMENTO DE DEFENSOR E IMPOSITIVO DESDE A INSTAURACAO DO PROCESSO DE APURACAO DE ATO INFRACIONAL. CONCEDEREM A ORDEM. (HABEAS CORPUS Nº 70002100485, SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. MARILENE BONZANINI BERNARDI, JULGADO EM 28/03/01)”

“EMENTA:ECA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE INTERNAÇÃO. FALTA DE OITIVA DO MENOR INFRATOR.
I - A decisão que determina a regressão da medida de semiliberdade para a de internação, por acarretar restrição ao status libertatis, não pode prescindir da oitiva do menor infrator (art. 110 e 111, V, do ECA).
II – A internação e a conseqüente expedição do mandado de busca e apreensão só podem ser determinadas em caráter provisório, a fim de que o menor seja encontrado e venha a se justificar.(STJ - T5 - QUINTA TURMA - RHC 9916/SP - 2000/0037154-8)”


“EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. REGRESSÃO DA SEMILIBERDADE PARA INTERNAÇÃO.
1. A regressão de medida sócio-educativa está sujeita às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
caracterizando-se constrangimento ilegal a sua decretação sem a oitiva do adolescente e a manifestação de seu defensor.
2. Ordem concedida. (STJ - T6 – SEXTA TURMA - HC 12839/SP - HABEAS CORPUS - 2000/0033322-0 ).

Por todo o exposto, é de ser desconstituído todo o procedimento.
Assim, concedo a ordem para o fim de desconstituir o procedimento desde seu início.
É o voto.

DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) – De acordo.


DRA. ANA BEATRIZ ISER – De acordo.



DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) – HABEAS CORPUS Nº 70004531497, de São Francisco de Paula: À UNANIMIDADE, CONCEDERAM A ORDEM.

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