sexta-feira, 7 de junho de 2013

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS na FSP

Esclarecedor o texto do eminente jurista acerca da PEC 37 na Folha de SP (7.VI.2013).
Rafael S. de Faria.

Para esclarecer o óbvio


O Ministério Público ser parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) no inquérito policial é reduzir a ampla defesa à sua expressão nenhuma


A meu ver, não haveria necessidade de um projeto de emenda constitucional para assegurar aos delegados de polícia a exclusividade para presidir os inquéritos policiais.


Já a têm na Constituição Federal, pois o § 4º do artigo 144 está assim redigido: "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".


O Ministério Público não é polícia judiciária. Tem o direito de requisitar às autoridades policiais diligências investigatórias (artigo 129, inciso VIII), assim como a instauração de inquérito policial aos delegados, que, todavia, serão aqueles que os instaurarão.


O exercício do controle externo da atividade policial (inciso VII do artigo 130) de rigor é controle semelhante ao que exerce sobre todos os poderes públicos (inciso II), para que não haja desvios de conduta.


Não há que confundir a relevante função de defesa da sociedade e de zelar pelo bom funcionamento das instituições com aquela de dirigir um inquérito, que é função exclusiva da Polícia Judiciária.


À evidência, com o direito de requisição, o Ministério Público pode pedir aos delegados todas as investigações de que precisar, como também o tem o advogado de defesa, que se coloca no inquérito judicial no mesmo plano do Ministério Público. Não sem razão, o constituinte definiu a advocacia e o Ministério Público como "funções essenciais à administração de Justiça" (artigos 127 a 135).


O direito de defesa, a ser exercido pelo advogado, é o mais sagrado direito de uma democracia, direito este inexistente nas ditaduras. Não sem razão, também, o constituinte colocou no inciso LV do art. 5º, como cláusula pétrea, que aos acusados é assegurada a "ampla defesa administrativa e judicial", sendo o adjetivo "ampla" de uma densidade vocabular inquestionável.


Permitir ao Ministério Público que seja, no inquérito policial, parte (acusação) e juiz (condutor da investigação) ao mesmo tempo é reduzir a "ampla defesa" constitucional à sua expressão nenhuma. Se o magistrado, na dúvida, deve absolver (in dubio pro reo), o Ministério Público, na dúvida, deve acusar para ver se durante o processo as suas suspeitas são consistentes.


Pelo texto constitucional, portanto, não haveria necessidade de um projeto para explicar o que já está na Constituição. Foi porque, todavia, nos últimos tempos, houve invasões nas competências próprias dos delegados que se propôs um projeto de emenda constitucional para que o óbvio ficasse "incontestavelmente óbvio".


Eis por que juristas da expressão do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, do presidente do Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Américo Lacombe, de Márcio Thomaz Bastos, Vicente Greco Filho, José Afonso da Silva, José Roberto Batocchio, Luiz Flávio D'Urso e Marcos da Costa colocaram-se a favor da PEC 37.


Com todo o respeito aos eminentes membros do parquet, parece-me que deveriam concentrar-se nas suas relevantes funções, que já não são poucas nem pequenas.


Uma última observação. Num debate de nível, como o que se coloca a respeito da matéria, não me parece que agiu bem o Ministério Público quando intitulou a PEC 37 de "PEC da corrupção e da impunidade", como se todos os membros do Ministério Público fossem incorruptíveis e todos os delegados, corruptos.


Argumento dessa natureza não engrandece a instituição, visto que a Constituição lhe outorgou função essencial, particularmente necessária ao equilíbrio dos Poderes, como o tem a advocacia e o Poder Judiciário, em cujo tripé se fundamenta o ideal de justiça na República brasileira.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 78, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Informativo 0519 - STJ

Quinta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INOCORRÊNCIA DE FALTA GRAVE PELA POSSE DE UM CABO USB, UM FONE DE OUVIDO E UM MICROFONE POR VISITANTE DE PRESO.
No âmbito da execução penal, não configura falta grave a posse, em estabelecimento prisional, de um cabo USB, um fone de ouvido e um microfone por visitante de preso. Primeiramente, os referidos componentes eletrônicos não se amoldam às hipóteses previstas no art. 50, VII, da Lei 7.210/1984 porque, embora sejam considerados acessórios eletrônicos, não são essenciais ao funcionamento de aparelho de telefonia celular ou de rádio de comunicação e, por isso, não se enquadram na finalidade da norma proibitiva que é a de impedir a comunicação intra e extramuros. Além disso, também não há como falar em configuração de falta grave, pois a conduta praticada por visitante não pode alcançar a pessoa do preso, tendo em vista que os componentes eletrônicos não foram apreendidos com o detento, mas com seu visitante. HC 255.569-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/3/2013.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

No meio do caminho tinha um livro, por João Marcos Buch*

No meio do caminho tinha um livro, por João Marcos Buch*

Audiência na qual o réu, jovem de 20 anos, é julgado por roubo de celular, contra dois adolescentes que iam embora após o colégio. O réu confessa, diz estar arrependido e quer fazer tratamento para dependência de crack, pois quando dos assaltos tinha usado todo o dinheiro de seu serviço de servente com droga. Terminada a audiência, termos assinados... – Posso ficar com uma cópia deste termo? – pergunta o réu. – Mas por quê? – questiona o juiz. – É apenas um termo de deliberação. – O juiz prepara-se para voltar ao gabinete. – É porque já li tudo que minha família me mandou lá na cadeia e pelo menos é algo mais para eu ler. – A linguagem do preso era em perfeito português. O juiz faz meia-volta, resolve ir adiante na conversa. – Qual o último livro que você leu? – “Comédias da Vida Privada”, do Luis Fernando Verissimo – responde o réu de pronto. – Gostou? – insiste o juiz. – Muito, é muito engraçado – rdealmente o réu era um bom leitor, concluiu o juiz. – Espere um pouco, vou ver se tenho algum livro para te emprestar.

No gabinete, vasculha as prateleiras, acha o “Xangô de Baker Street”, do Jô Soares, lido tempos atrás e perdido entre seus livros jurídicos. Volta à sala de audiências. – Serve este? – Poxa, doutor, do Jô Soares. Claro que sim. Muito obrigado. Não vejo a hora de chegar no presídio para começar a ler.

O caso acima, verídico, serve para ilustrar a importância de, ao lado do trabalho, possibilitar-se a leitura de obras literárias a pessoas que estão presas. Qualquer um, ao ler um livro reflete, identifica-se ou não com o tema e os personagens, questiona, pensa.

Pela leitura, a pessoa desenvolve a empatia e, consequentemente, compreende melhor a sua própria vida. E se isso contribui para a educação, então, é claro que o hábito da leitura é mais uma forma de resgate ético, de contribuição para a harmônica integração social do detento no dia em que retornar à liberdade. Wittgenstein, filósofo do século 20, dizia que o universo de um homem é medido pelo tamanho de seu vocabulário. No caso acima descrito, o jovem preso tinha consciência de que havia prejudicado outros adolescentes, sabia que teria que pagar por isso e compreendia como tinha chegado até aquele ponto na vida, apontando inclusive um caminho para tentar sair da vida marginal. Essa compreensão ele conseguiu com a leitura, estou certo.

Por isso, a partir de 1º de maio, os reeducandos do complexo prisional de Joinville passarão a ter a possibilidade de ler, num prazo de 20 dias, uma obra da literatura clássica, com mais dez dias para apresentar um resumo do livro. Assim poderão abater quatro dias de pena. É o que consta da portaria nº 8/2013 da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville. – Tenha uma boa leitura rapaz – disse o juiz, despedindo-se do réu. – Terei, sim. Depois de ler, vou passar para a frente. Posso? – Um livro é para ser lido. Mande adiante. E lá foi o réu, de volta para o presídio, escoltado, livre.

*Juiz de direito da Vara de Execuções Penais e corregedor do sistema prisional da Comarca de Joinville e membro da Associação Juízes para a Democracia