"Como concebem as pessoas, incluindo também os juristas, quanto à condenação, algo de análogo àquilo que ocorre quando um homem morre: a decisão condenatória, com o aparato que todos conhecem mais ou menos, é uma espécie de funeral; terminada a cerimônia, (...) não se pensa mais no falecido. Sob certo aspecto, pode-se assemelhar a penitenciária a um cemitério; mas esquece-se que o condenado é um sepultado vivo" (CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal).
terça-feira, 26 de março de 2013
STJ e confissão
ESPECIAL
Assumindo os próprios erros: a importância da confissão espontânea no processo penal
Reconhecer a autoria do crime é atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso. Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos. Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto?
O artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal dispõe que a confissão espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena. Assim, aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma autoridade terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido pela lei, então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença de autoridade.
A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o magistrado ou o representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua caracterização (HC 129.278).
Arrependimento
O STJ entende que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927).
É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial ou totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III, alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC 186.375).
“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a um delito de roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a atenuante quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial (HC 217.687).
Os magistrados entendem que a lei não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena (HC 107.310).
Confissão qualificada
O STJ tem se posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o crime, mas alegar que agiu em legítima defesa.
Isso porque, segundo uma decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa (REsp 999.783).
Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do Sul, a Quinta Turma reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC 129.278).
“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal”, sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua condenação.
Personalidade do réu
A atenuante da confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea – ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir sentimentos morais que o diferenciam dos demais.
É no que acredita a desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no STJ, defendendo a seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar que um inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”. E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação da pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se sujeita”, colaborando com ela.
A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos que cada indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade; diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187).
Reincidência
No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do Código Penal, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação, consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento ou de diminuição da pena.
A Terceira Seção decidiu em maio do ano passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser compensadas a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a agravante da reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da confissão. A solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis Moura (EREsp 1.154.752)
Segundo explicação do desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que prepondera sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do julgamento da Terceira Seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a confissão, seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar a Justiça.
O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão – que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente prevista no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo. Daí a possibilidade de compensação.
Autoincriminação
No julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta “economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo (HC 194.189).
O magistrado destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio e o direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas responsabilidades penais”, concluiu Macabu.
Condenação anterior
No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma do STJ adotou o entendimento de que, constatado que o réu possui condenação anterior por idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda agravante reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de 60 anos), não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das circunstâncias legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC 183.791).
Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da confissão espontânea não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ.
Flagrante
Em relação à atenuante quando da ocorrência da prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que possam antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem que “a prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão proferida pela instância inferior (HC 68.010).
Em um caso analisado pelo STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375).
Em outra decisão, sobre o mesmo tema, a Quinta Turma reiterou a posição de que “a confissão espontânea configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou” (HC 31.175).
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Do blog AJD/SC - Tortura no Presídio de Joinville ocorrida em janeiro de 2013
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Decisão do Juiz João Marcos Buch em razão das denúncias de tortura ocorrida no Presídio Regional de Joinville*
Autos n° 038.13.002513-2
Ação: Outros/Outros
Autor: Portaria 1/2013
Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural.
Bertold Brecht
I- Vistos.
Lamentavelmente, no período em que este magistrado gozava de férias, bem como também gozava de férias o Gerente do Presídio Regional de Joinville (Cristiano), os fatos a seguir tratados acabaram acontecendo. Mas mesmo em férias, este magistrado acabou fazendo a necessária inspeção, comunicando o juiz substituto, cujo trabalho a frente dos feitos jurisdicionais é de exemplar proficuidade.
A partir da inspeção, foi elaborada Portaria (fl.2). Nela as considerações e determinação foram as seguintes:
CONSIDERANDO informação prévia a este Juízo sobre operação pente-fino no pavilhão 4 do Presídio Regional de Joinville pelo DEAP (e-mail anexo) em 18.01.2013;
CONSIDERANDO efetivamente realizada a operação na data indicada;
CONSIDERANDO que a partir 21.01.2013 este magistrado passou a receber denúncias, segundo os quais durante a operação teria havido abuso, maus tratos, provocações e, inclusive, lesões corporais contra os presos;
CONSIDERANDO a inspeção pessoal deste juiz em 24.1.2013 na Galeria 4 do Presídio e a oitiva em conjunto dos detentos todos do Pavilhão 4, em contato direto no mesmo plano das celas com cerca de 180 detentos do Pavilhão 4, tendo deles todos ouvido que durante a operação do dia 18.01.2013 houve abuso, maus tratos, humilhação, provocações e lesões corporais, tudo por parte dos agentes contra os presos;
CONSIDERANDO as cartas assinadas entregues a este juiz na ocasião, contendo elas afirmações detalhadas sobre os abusos sofridos (em anexo);
CONSIDERANDO a constatação direta deste juiz de que os detentos R. L. S., E. S., M. S. J., V. S. N., M. M. e P. M. L. S. apresentavam lesões das mais diversas, em princípio por instrumentos pérfuro-corto-contusos;
CONSIDERANDO que os problemas constatados de insalubridade e péssima higiene (ratos, baratas, possíveis focos de mosquitos transmissores da dengue, banheiros da área de visita com esgoto entupido) serão apurados em procedimento próprio, em portaria também instaurada,
Na forma do art.66, VII, da LEP, DETERMINA: INSTAURE-SE, REGISTRANDO-SE E AUTUANDO-SE, PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE EVENTUAIS ABUSOS, MAUS TRATOS, DESRESPEITO E LESÕES CORPORAIS CONTRA OS DETENTOS.
Cumprindo-se as deliberações, foram feitas as certidões sobre os autos de cada detento, encaminhadas cópias ao Conselho Carcerário de Joinville, ao Centro de Direitos Humanos, ao Ministério Público e à Corregedoria-Geral da Justiça/SC e juntados aos autos os exames de corpo de delito realizados nos reeducandos, bem como imagens de vídeos gravadas da operação.
Determinou-se ainda a requisição da relação dos agentes que atuaram na operação, que ainda não chegou, bem como em tempo a inquirição dos detentos que sofreram as agressões.
Considerando as imagens gravadas e os exames de corpo de delito juntados, este procedimento pode ser encerrado, haja vista que passa à esfera criminal e portanto deve ser encaminhado aos órgãos competentes, onde a relação dos referidos agentes deverá ser entregue e a inquirição de vítimas e indiciados deverá ser feita.
De plano percebe-se que em princípio a operação pente-fino de 18.01.13 junto ao Presídio Regional de Joinville foi realizada exclusivamente por agentes do Deap.
Pelos exames de corpo de delito constata-se que os detentos relacionados sofreram lesões corporais de energia de ordem mecânica – instrumento contundente, ou seja:
- exame de fl.38: equimose amarelada de 5 cm no braço direito, equimose amarelada de 12 cm no braço esquerdo, equimose amarelada 2 cm e 3 cm no tórax anteriormente;
- exame de fl.40: halo equimótico de 10 cm de diâmetro e com escoriação central em face anterior de coxa direita no seu terço distal;
- exame de fl.41: Escoriação de 4 cm, sangrando, em porção superior posterior do seu tórax sobre o acrômio à direita;
- exame de fl.42: três halos equimóticos circulares de 4 cm em face anterior de coxa direita no seu terço proximal;
- exame de fl.43: escoriação plana extensa sangrando em face posterior de coxa esquerda no seu terço superior;
- exame de fl.44: ferida contusa em perna direita, sangrando, e outras feridas menores escoriadas em face posterior de perna direita; escoriações recentes de 4 cm em nádega direita.
Por outro lado, as imagens gravadas, especificamente no DVD 1, juntado à fl.32, aproximadamente nos horários das 8h55min, 9h21min, 9h34min, 11h23min e 11h28min falam por si. Nelas se percebe claramente agentes do Deap na área de banho de sol do Pavilhão 4, disparando à queima roupa armas ao que parece calibre 12 com munição não letal, bombas de efeito moral, gás de pimenta e também dando "voadoras" calçadas com botas e coturnos, tudo diretamente contra de detentos nus, sentados (dezenas) no chão de cimento, perfilados ombro a ombro, voltados para a parede, com as mãos na nuca, imóveis por mais de duas horas. São imagens graves. Resta saber o que pode ter havido dentro das galerias, nas celas, de onde não se obteve filmagens e de onde os detentos foram retirados.
Neste ponto, esgotam-se as palavras.
Este Juiz, membro de Poder, cuja prerrogativa constitucional irrenunciável é garantir e fazer valer os preceitos constitucionais, dentre os quais está a expressa vedação à tortura (art.5º, III, da CF - cláusula pétrea, de eternidade) cuja base foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não vai permitir que fatos grave como os que ocorreram passem por seus olhos sem tomar as providências sérias que a situação está a exigir.
Diante do exposto:
URGENTE:
I.1- Na forma do art.66, VII, da LEP c/c art.5º, II, do CPP, requisites-e ao Delegado de Polícia da 8ª Delegacia de Polícia de Joinville, com cópia destes autos, incluindo os DVDs, a instauração de inquérito policial para apuração dos crimes de lesão corporal, abuso de autoridade, disparo de arma e tortura, independentemente de outros que venha a averiguar, sem prejuízo de eventual representação de prisão preventiva ou medida cautelar alternativa dos agentes penitenciários envolvidos nos fatos.
I.2- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs ao Ministério Público, ao Conselho de Direitos Humanos e ao Conselho Carcerário de Joinville para o que de direito;
I.3- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs à Delegada Corregedora da Secretaria de Justiça e Cidadania, para os processos disciplinares cabíveis.
I.4- Dê-se conhecimento à Corregedoria-Geral de Justiça.
II- Da publicidade dos atos.
Finalmente, não gozando o feito de segredo de justiça, alguns esclarecimentos devem ser versados no que diz respeito ao acesso franqueado aos segmentos midiáticos acerca destes autos. Não se pode ignorar que o inciso IX do art. 93 da CF determina que todos os julgamentos serão públicos, bem como que todas as decisões serão fundamentadas. Estas determinações, aliás, possuem inegável efeito de imbricação, na medida em que quanto mais públicas as decisões, maior controle social sofrerão e, inegavelmente, maior a necessidade de suas fundamentações.
É importante lembrar que os jornais são os olhos e ouvidos de uma nação (Rui Barbosa). Jornalistas éticos são testemunhas do poder e da vida, são garantidores das liberdades públicas e dos direitos individuais. Por isso mesmo a Constituição Federal estabelece em seu art.220, §§1º e 2º, que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, vedando toda a qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Na espécie, a situação extravasa todo e qualquer caráter de sigilo que pudesse pairar sobre estes autos, devendo assim ser ponderada e prevalecer.
Com efeito, em havendo procura pelos meios de comunicação (o que por certo haverá, uma vez que familiares de detentos e os próprios vem insistindo e denunciando os fatos havidos), autorizo desde já o acesso sobre a Portaria inicial, sobre este despacho, sobre os exames de corpo de delito e sobre os DVDs das imagens gravadas, preservados os nomes e dados particulares dos detentos e dos investigados e respeitada de qualquer forma a ética que deve reger a imprensa.
Joinville (SC), 01 de fevereiro de 2013.
João Marcos Buch
Juiz de Direito
* A decisão é pública e pode ser acessada na página do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (www.tjsc.jus.br) por meio do número dos autos.
Postado por AJD-SC às 12:08
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Estadão -PPP das prisões e a dívida constitucional brasileira
Excelente texto sobre as Parceria Público-Privadas das prisões e a realidade carcerária brasileira.
PPP das prisões e a dívida constitucional brasileira
23 de janeiro de 2013 |
Conrado Hübner Mendes *
O tema das prisões esteve em evidência no ano de 2012: autoridades de peso, como os ministros José Eduardo Cardozo e Gilmar Mendes, editoriais do Estadão e da Folha de S.Paulo, novas pesquisas e seminários acadêmicos, juntos, passaram a impressão de que tanto o debate público quanto as instituições começaram a enfrentar, com o devido senso de urgência e prioridade, esse velho desafio. A inauguração do primeiro presídio privado do País, produto de uma parceria público-privada (PPP) entre o governo de Minas Gerais e um consórcio de empresas, pôs o assunto de volta à ordem do dia. Infelizmente, porém, a cobertura da mídia até o momento foi de uma frivolidade juvenil.
Já faz anos que objeções jurídicas e econômicas ao uso desse tipo contratual para presídios vêm sendo apresentadas. Pesquisadores ao redor do mundo, atentos às experiências em que o modelo mineiro diz inspirar-se, não expressam o mesmo entusiasmo (dois exemplos recentes são o artigo The Failed Promise of Prison Privatization, de R. Culp, e o relatório da Aclu Banking on Bondage). Argumentam que, não bastassem os perversos incentivos à violação de direitos dos presos e dos próprios funcionários que ali trabalham, os tais ganhos em eficiência não são nada certos. Acima de tudo, dizem, cria-se um círculo vicioso entre a proliferação de prisões privadas - um mercado artificial, oligopolizado, com crescente poder político - e o contínuo aprofundamento do encarceramento em massa.
Sobre essa controvérsia as reportagens nada disseram. Nenhuma pergunta sobre os riscos jurídicos, nenhuma suspeita sobre as vantagens financeiras, nenhum olhar desconfiado em relação à extravagante fonte de lucro escolhida pelos parceiros privados. Ao comprarem, passivamente, a imagem da hotelaria prisional, sonegaram ao público a possibilidade da reflexão crítica. Antes que embarquemos nesse modelo, porém, precisamos testá-lo com maior clareza do que está em jogo.
Qualquer discussão sobre gestão prisional deve começar pela pergunta sobre a própria legitimidade do encarceramento em massa. O Brasil é um caso exemplar dessa prática. Meio milhão de pessoas, a quarta maior população carcerária do mundo, amontoam-se nas prisões em condições sub-humanas. São submetidas à dieta física, psicológica e moral mais degradante que conseguimos conceber, após a qual se pretende que voltem, bem comportadas e dispostas, à convivência social. Assim se resume e se repete, há muitos anos, nossa principal estratégia para lidar com o crime. Conhecemos bem as consequências dessa estratégia, mas historicamente aplicamos o mínimo de nossa energia política em reformá-la.
Apesar das dificuldades práticas para se produzir uma radiografia exaustiva do sistema prisional brasileiro, pesquisas já revelaram que o País encarcera cada vez mais, e de maneira meticulosamente discriminatória e irracional. Várias perguntas já podem ser respondidas com razoável confirmação empírica.
Quem são os privados de liberdade? O retrato demográfico das prisões mostra que raça e classe social ainda são variáveis cruciais para explicar o grau de intensidade de cada sentença condenatória ou a decisão de aplicar a prisão provisória (para fins de investigação). De forma geral, negros e pobres recebem tratamento jurídico diferente de brancos e ricos. Percebe-se, enfim, que o pacote convencional de discriminação praticado pela sociedade brasileira se reflete fielmente no perfil demográfico das prisões.
Presos por qual fundamento legal? O retrato jurídico indica que as prisões provisórias, conforme a média nacional, representam em torno de 40% do total. Quando se observa qual crime deu margem à prisão, tanto a provisória quanto a decorrente de sentença, identifica-se peso estatístico significativo de crimes não violentos. Entre estes, os crimes relacionados a drogas se destacam. De um lado, portanto, nota-se um Judiciário que extrapola na aplicação de prisões provisórias e, de outro, pouco imaginativo e corajoso na experimentação de penas alternativas e na cobrança do Executivo pelos serviços que a política criminal exige.
Presos em que condições? O retrato físico das prisões brasileiras é estarrecedor. As condições de insalubridade, em seus diversos aspectos, a precariedade da assistência à saúde e a violência interna estão entre os maiores problemas. Para completar, na perspectiva de gênero, mulheres sofrem outras graves violações relacionadas às especificidades da condição feminina. Esses exemplos configuram o que o jargão jurídico chama de "violação estrutural de direitos", isto é, a supressão contínua e sistemática de todo um conjunto de direitos básicos de um determinado grupo social.
Qual o efeito, no fim das contas, dessa política? O retrato funcional, previsivelmente, mostra um óbvio descompasso entre os objetivos oficiais da prisão - de prevenção, dissuasão e reeducação - e os papéis reais que ela, disfarçadamente, cumpre (de repressão da pobreza, de combustível para a demagogia política e manipulação midiática, etc.). Tal política faz vista grossa às numerosas evidências empíricas sobre a ineficácia da prisão para o alcance daqueles fins.
Não precisamos recorrer à famosa frase de Dostoievski segundo a qual "o grau civilizatório de uma sociedade" se mede, antes de tudo, por suas prisões para concluir que essa é a face mais trágica do nosso subdesenvolvimento humano. Se contrastamos os fatos acima com a Constituição de 1988, como seus artigos 5.º e 6.º, não será exagerado dizer que, dentro do nosso extenso passivo constitucional, essa é uma das inconstitucionalidades mais sérias e estacionárias do Brasil contemporâneo. É provavelmente a que mais sofre, ainda por cima, da indiferença social, da miopia política e do oportunismo eleitoreiro. O monitoramento, pela mídia, dos novos modelos de gestão prisional é essencial para avanços concretos. Para tanto não se pode deslumbrar precipitadamente com a retórica da inovação gerencial ou com atos de marketing político.
* Conrado Hübner Mendes, professor da Direito GV, é doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo e em Ciência Política pela USP.
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