domingo, 20 de julho de 2014

Morais da Rosa no Conjur

LIMITE PENAL

Duração razoável do processo sem contrapartida é como promessa de amor


As descobertas da neurociência demonstram que a maneira como aprendemos a pensar e a explicar o modo como decidimos depende de um complexo sistema de variáveis. Não se pode mais aceitar, sem maiores contestações, a ilusão do sujeito racional moderno. Tomar decisão exige impasse. Decidir é uma tarefa complexa e o cérebro, assinala Daniel Kahneman, por seus sistemas — S1 (implícito, rápido, direto, automático, emotivo e desprovido de esforço) e S2 (explícito, consciente, demorado, racional, desgastante e lógico) — busca reduzir a complexidade da decisão.
Basta lembrar da primeira vez em que dirigimos um carro. O que era uma atividade do S2 nas primeiras vezes, com o tempo, passa a ser uma atividade realizada pelo piloto automático. E dirigimos sem pensar. Ainda que os sistemas (S1 e S2) trabalhem em sequência, por sermos humanos, não se problematiza muito, justamente porque a resposta pronta está dada. Modificar exige tempo e esforço mental. No campo do processo penal esse modo de pensar leva muitas vezes a erros (vieses), dado que a reflexão não é acionada. Isso porque a atenção é cara e escassa[1].
Daí que podemos entender como a construção do estereótipo acusado (perigoso, criminoso, condenável etc.) faz com que não se dê muita importância às prisões cautelares, tidas como necessárias. Recentes dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que já estamos no pódio mundial de presos, na sua boa parte cautelar. A absolvição de pessoas ao final do processo ou mesmo em segundo grau não é raridade. Mas, simplesmente, na lógica dos atores jurídicos, acontece. É uma externalidade negativa do sistema processual penal. Opera-se, no tocante à cautelar, munido do S1, sem esforço, na facilidade retórica da decretação da prisão.
Com Sylvio Lourenço da Silveira Filho escrevi um livro denominado Medidas compensatórias da demora jurisdicional: a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal[2], em que mostramos que a dimensão temporal é culturalmente apreendida e que varia conforme a posição subjetiva. As coordenadas fabricam sistemas de pensamento que servem racionalmente para dar sentido e diminuir a complexidade, embora não consigam expressar a dimensão pessoal do impacto do tempo. A partir da noção de perspectiva (espacial) e expectativa (temporal), vinculadas na representação racional moderna, as quais se encontram imbricadas, pode-se apontar as compreensões do tempo.
A sensação do tempo depende de diversos fatores pessoais e, por isso, não compartilhados, podendo-se apontar as variáveis da idade, gênero, profissão, ansiedade, estresse, rotina, atividade realizada, lugar de sua realização, em suma, cenário e contexto da experiência de tempo. Assim é que, para o acusado, o prolongamento do processo pode ser compreendido de maneira diversa dos jogadores processuais (Ministério Público, Defensor, Advogado, Magistrado).
A garantia da Duração Razoável do Processo, aparentemente inserida pela Emenda Constitucional 45, não se trata de novidade, dado que já discutida em diversos âmbitos, especialmente na Europa. Ademais, prevista nos documentos internacionais, embora ignorada pelo senso comum teórico(Warat). Na verdade, prometer-se a duração razoável sem medidas compensatórias é o mesmo que se prometer amor. Para além do Direito (ao amor ou à duração razoável do processo) é preciso estabelecer-se as garantias. Em ambos os casos, todavia, diante da ineficácia dos mecanismos de garantia, muitas vezes o Direito não se efetiva. A luta para que o processo possa acontecer em padrões que reduzam o sofrimento, contudo, varia conforme a posição subjetiva do ator processual.
O sofrimento experimentado pelo acusado ou pela vítima é manifestado desde seu lugar de implicado (interno). Por outro lado, tanto Ministério Público, Magistratura e Defensoria (pública ou privada), normalmente, tratam o processo singular do acusado e da vítima como sendo mais um. Apenas mais um na rotina diária de enfrentamento da avalanche processual, movido, então, pelo S1. Com a criminalização do cotidiano, das relações afetivas e do incremento dos tipos penais, cada vez mais nos arrostamos com o aumento do número de ações penais. O que pode ser um problema de gestão para alguns, externos ao processo, para os internos - acusado e vítima — a questão é de vida ou morte. E o tempo é um paradoxo. Nem muito rápido que impeça a reflexão, nem muito longo que não faça sentido. Nesse contexto, a luta pelo razoável esbarra nas motivações dos sujeitos do mundo da vida e dos sujeitos processuais. Na fusão de horizontes em que o processo é o palco, não raro a angústia autêntica é só dos diretamente envolvidos, os quais possuem a perspectiva interna, principalmente o acusado.
Logo, como apontam André Nicollit e Aury Lopes Jr., dentre outros, há uma diretriz constitucional que se integra ao patrimônio da dignidade da pessoa humana e que está para além da gestão de processos. As vidas que se escondem por detrás dos números precisam ser resgatadas. Daí a pretensão é a de reler o instituto com cuidado (Tania da Silva Pereira), tanto para os envolvidos diretamente como para os demais. E é preciso fazê-lo resgatando a origem, discussões e critérios para o enfrentamento da duração demasiada do processo, estabelecendo-se mecanismos de mensuração e compensação (dentre eles a atenuante genérica do artigo 66 do Código Penal, consoante explicamos no livro com Sylvio Lourenço). Essa é uma forma de mitigar os nefastos efeitos que um processo causa. Até porque a maioria dos acusados ocupa o lugar de Josef K, de Kafka, ou seja, não entende o que se passa, salvo que demora muito.
Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, o paroxismo chega ao ponto de, em muitos casos, o sujeito ser processado, com recebimento da denúncia, instrução e decisão de pronúncia, mas, em plenário, o membro do Ministério Público requerer a absolvição. A absolvição, nesse contexto, não significa direito à indenização, conforme a posição majoritária. Simplesmente se roubou o tempo da vida do sujeito, por aplicação irrefletida do S1.
Precisamos, definitivamente, falar sobre a duração razoável do processo. Isso porque se o acusado inicia a partida processual com a presunção de inocência, a demora no desfecho do processo é uma forma de tormento torturante e deve ser mitigado com medidas paliativas, sob pena de praticarmos a tortura psicológica com a demora processual. Para tanto, precisamos compreender os lugares e nos implicarmos nas posições, especialmente de garantes, para que tudo não passe de uma promessa de amor.

[1] O tema é tratado em: KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas depensar. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. Desenvolvi um capítulo sobre a questão em MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
[2] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Medidas compensatórias da demora jurisdicional: a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

 é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC.

terça-feira, 10 de junho de 2014

STJ- Cabimento de MS contra decisum que arquiva IP, pedido pela acusação

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 44.425 - RS (2013/0395188-6)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : FELIPE MENEGHELLO MACHADO
ADVOGADO : FELIPE MENEGHELLO MACHADO (EM CAUSA PRÓPRIA)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RÉU : HÉLIO DA CONCEIÇÃO FERNANDES COSTA
DECISÃO
Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto por FELIPE MENEGHELLO MACHADO de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do Mandado de Segurança 70056693286, assim ementado (e-STJ fl. 210):

MANDADO DE SEGURANÇA. ESTELIONATO. DECISÃO QUE
DETERMINOU O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, A
PEDIDO DO MINISTÉRIO PUBLICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO, DO LESADO PELO DELITO, A PERSECUÇÃO
PENAL.
Ainda que sedimentada na jurisprudência a impossibilidade da
aplicação da denominada prescrição pela pena projetada, tendo o
Ministério Público, titular da ação penal, requerido o arquivamento
do inquérito policial, por tal fundamento, e aquiescido o juízo da
origem, inexiste direito líquido e certo do lesado pelo delito em
postular a remessa dos autos ao Procurador-Geral da Justiça.
Prejuízos que devem ser postulados no juízo cível.
DENEGADA A SEGURANÇA.

Em suas razões (fls. 91/123), sustenta o recorrente, em síntese, "que a controvérsia reside na circunstância de tal decisão ter sido proferida em desacordo com o princípio da legalidade, visto que o Magistrado de primeiro grau não respeitou os ditames dos arts. 109 e 110 do Código Penal, que regem a matéria a respeito da prescrição, atuando fora da esfera estabelecida pelo legislador. Portanto, é possível o conhecimento do Mandado de Segurança no âmbito penal, notadamente quando impetrado contra decisão teratológica, que, no caso, determinou o arquivamento de inquérito policial por O motivo diverso do que a ausência de elementos hábeis para desencadear eventual persecução penal em desfavor do indiciado HÉLIO" (e-STJ fl. 225). O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso ordinário para que seja determinada a remessa à Procuradoria Geral de Justiça (e-STJ fls. 248/251).

É o relatório.

Acerca do cabimento de mandado de segurança como sucedâneo recursal, a jurisprudência firme desta Corte Superior de Justiça e do Pretório Excelso é no sentido de que a ação mandamental visa a proteção de direito líqüido e certo contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública, não podendo ser utilizada de forma substitutiva, sob pena de se desnaturar a sua essência constitucional. Daí, somente é cabível o excepcional instrumento do writ of mandamus contra ato judicial eivado de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, que decorram ao paciente irreparável lesão ao seu direito líquido e certo. Com efeito, "Segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, em situações teratológicas, abusivas, que possam gerar dano irreparável, o recurso previsto não tenha ou não possa obter efeito suspensivo, admite-se que a parte se utilize do mandado de segurança contra ato judicial (AgRg no MS 18.995/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/09/2013, DJe 23/09/2013).

Por outro lado, "Da decisão judicial que, acolhendo manifestação do
Ministério Público, ordena o arquivamento de inquérito policial, não cabe recurso.
(Precedentes)" (RMS 24.328/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
julgado em 13/12/2007, DJe 10/03/2008).

Assim, a prescrição da pretensão punitiva, utilizando como base de
cálculo suposta pena a ser concretizada numa possível e futura sentença condenatória,
também conhecida por virtual, antecipada ou hipotética, não encontra amparo em nosso
ordenamento jurídico, o qual prevê apenas que a referida causa extintiva regula-se pelo
máximo da pena abstratamente cominada ou, ainda, pela sanção concretamente
aplicada.
Nesta Corte Superior de Justiça, aliás, a matéria já se encontra inclusive
sumulada, valendo transcrever, por oportuno, o teor do enunciado 438, verbis:
"É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição
da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética,
independentemente da existência ou sorte do processo
penal."

Nesse sentido:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 438/STJ.
I. É inadmissível o reconhecimento de prescrição antecipada da
pena em perspectiva, por absoluta ausência de previsão legal.
Incidência da Súmula 438/STJ.
II. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 23.516/PI, Rel. Ministra REGINA HELENA
COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe
02/10/2013)


Logo, na hipótese vertente, arquivado o inquérito policial (e-STJ fl. 59) a
pedido do representante do Ministério Público (e-STJ fls. 55/58), com base na
perspectiva virtual e, inexistindo recurso contra referida decisão, à vítima restava
somente o mandamus para proteção de seu direito líquido e certo ao devido processo
legal.

Nesse sentido "Sendo irrecorrível a decisão que, segundo a jurisprudência
consolidada dos Tribunais Superiores, é manifestamente ilegal, por não albergar o
nosso ordenamento jurídico a prescrição em perspectiva, restaria à vítima apenas a
possibilidade da impetração de mandado de segurança" (AgRg no RMS 33270/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 13/08/2013)


Ante o exposto, com fundamento no caput do art. 557 do Código de
Processo Civil, dou provimento ao recurso ordinário para, afastando o fundamento da
prescrição em perspectiva, determinar o retorno dos autos ao juízo de primeira
instância para, nos termos do art. 28 do CPP, remeter à Procuradoria Geral de Justiça.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 21 de maio de 2014.
Ministro JORGE MUSSI


Relator

quinta-feira, 24 de abril de 2014

STJ - Informativo 537/2014

Quinta Turma
DIREITO PENAL. RESSARCIMENTO DE DANO DECORRENTE DE EMISSÃO DE CHEQUE FURTADO.
Não configura óbice ao prosseguimento da ação penal – mas sim causa de diminuição de pena (art. 16 do CP) – o ressarcimento integral e voluntário, antes do recebimento da denúncia, do dano decorrente de estelionato praticado mediante a emissão de cheque furtado sem provisão de fundos. De fato, a conduta do agente que emite cheque que chegou ilicitamente ao seu poder configura o ilícito previsto no caput do art. 171 do CP, e não em seu § 2º, VI. Assim, tipificada a conduta como estelionato na sua forma fundamental, o fato de ter o paciente ressarcido o prejuízo à vítima antes do recebimento da denúncia não impede a ação penal, não havendo falar, pois, em incidência do disposto na Súmula 554 do STF, que se restringe ao estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos, prevista no art. 171, § 2.º, VI, do CP. A propósito, se no curso da ação penal ficar devidamente comprovado o ressarcimento integral do dano à vítima antes do recebimento da peça de acusação, esse fato pode servir como causa de diminuição de pena, nos termos do previsto no art. 16 do CP. Precedentes citados: RHC 29.970-SP, Quinta Turma, DJe 3/2/2014; e HC 61.928-SP, Quinta Turma, DJ 19/11/2007. HC 280.089-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18/2/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. NULIDADE NO JULGAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI.
É nulo o julgamento no Tribunal do Júri que tenha ensejado condenação quando a acusação tiver apresentado, durante os debates na sessão plenária, documento estranho aos autos que indicaria que uma testemunha havia sido ameaçada pelo réu, e a defesa tiver se insurgido contra essa atitude fazendo consignar o fato em ata. De acordo com a norma contida na antiga redação do art. 475 do CPP, atualmente disciplinada no art. 479, é defeso às partes a leitura em plenário de documento que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de três dias. Trata-se de norma que tutela a efetividade do contraditório, que é um dos pilares do devido processo legal, sendo certo que a sua previsão legal seria até mesmo prescindível, já que o direito das partes de conhecer previamente as provas que serão submetidas à valoração da autoridade competente é ínsito ao Estado Democrático de Direito. De fato, existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de que eventual inobservância à norma em comento caracterizaria nulidade de natureza relativa, a ensejar arguição oportuna e comprovação do prejuízo suportado. Entretanto, não há como negar que a atuação de qualquer das partes em desconformidade com essa norma importa na ruptura da isonomia probatória, a qual deve ser observada em toda e qualquer demanda judicializada, ainda mais no âmbito de uma ação penal – cuja resposta estatal, na maioria das vezes, volta-se contra um dos bens jurídicos mais preciosos do ser humano – e, principalmente, no procedimento dos crimes dolosos contra a vida, em que o juízo condenatório ou absolutório é proferido por juízes leigos, dos quais não se exige motivação. Com efeito, o legislador ordinário estabeleceu, ao regulamentar o referido procedimento, uma peculiar forma de julgamento, já que os jurados que compõem o Conselho de Sentença são chamados a responderem de forma afirmativa ou negativa a questionamentos elaborados pelo juiz presidente, razão pela qual os seus veredictos são desprovidos da fundamentação que ordinariamente se exige das decisões judiciais. Assim, toda a ritualística que envolve o julgamento dos delitos dolosos contra a vida tem por finalidade garantir que os jurados formem o seu convencimento apenas com base nos fatos postos em julgamento e nas provas que validamente forem apresentadas em plenário. No caso de ser constatada quebra dessa isonomia probatória, como na hipótese em análise, não há como assegurar que o veredicto exarado pelo Conselho de Sentença tenha sido validamente formado, diante da absoluta impossibilidade de se aferir o grau de influência da indevida leitura de documento não juntado aos autos oportunamente, justamente porque aos jurados não se impõe o dever de fundamentar. Ademais, ainda que se empreste a essa nulidade a natureza relativa, na hipótese em que a defesa do acusado tenha consignado a sua irresignação em ata, logo após o acusador ter utilizado documento não acostado aos autos oportunamente, não há falar em preclusão do tema. Sobrevindo, então, um juízo condenatório, configurado também se encontra o prejuízo para quem suportou a utilização indevida do documento, já que não se vislumbra qualquer outra forma de comprovação do referido requisito das nulidades relativas. HC 225.478-AP, Rel. Min. Laurita Vaz e Rel. para acórdão Min. Jorge Mussi, julgado em 20/2/2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO COMETIDO NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS.
Para a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 302, parágrafo único, IV, do CTB, é irrelevante que o agente esteja transportando passageiros no momento do homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor. Isso porque, conforme precedente do STJ, é suficiente que o agente, no exercício de sua profissão ou atividade, esteja conduzindo veículo de transporte de passageiros. Precedente citado: REsp 1.358.214-RS, Quinta Turma, DJe 15/4/2013. AgRg no REsp 1.255.562-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/2/2014.
DIREITO PENAL. ILEGALIDADE NA MANUTENÇÃO DE INIMPUTÁVEL EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL.
É ilegal a manutenção da prisão de acusado que vem a receber medida de segurança de internação ao final do processo, ainda que se alegue ausência de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento. Com efeito, o inimputável não pode, em nenhuma hipótese, ser responsabilizado pela falta de manutenção de estabelecimentos adequados ao cumprimento da medida de segurança, por ser essa responsabilidade do Estado. Precedentes citados: HC 81.959-MG, Sexta Turma, DJ 25/2/2008; RHC 13.346-SP, Quinta Turma, DJ 3/2/2003; e HC 22.916-MG, Quinta Turma, DJ 18/11/2002.RHC 38.499-SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 11/3/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO POR EDITAL NO PROCEDIMENTO DO JÚRI.
No procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, não é admitido que a intimação da decisão de pronúncia seja realizada por edital quando o processo houver transcorrido desde o início à revelia do réu que também fora citado por edital. Efetivamente, o art. 420, parágrafo único, do CPP – cujo teor autoriza a utilização de edital para intimação da pronúncia do acusado solto que não for encontrado – é norma de natureza processual, razão pela qual deve ser aplicado imediatamente aos processos em curso. No entanto, excepciona-se a hipótese de ter havido prosseguimento do feito à revelia do réu, citado por edital, em caso de crime cometido antes da entrada em vigor da Lei 9.271/1996, que alterou a redação do art. 366 do CPP. A referida exceção se dá porque, em se tratando de crime cometido antes da nova redação conferida ao art. 366 do CPP, o curso do feito não foi suspenso em razão da revelia do réu citado por edital. Dessa forma, caso se admitisse a intimação por edital da decisão de pronúncia, haveria a submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri sem que houvesse certeza da sua ciência quanto à acusação, o que ofende as garantias do contraditório e do plenitude de defesa. Precedentes citados: HC 228.603-PR, Quinta Turma, DJe 17/9/2013; e REsp 1.236.707-RS, Sexta Turma, DJe 30/9/2013. HC 226.285-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/2/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO POR EDITAL NO PROCEDIMENTO DO JÚRI.
No procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, o acusado solto que, antes da Lei 11.689/2008, tenha sido intimado pessoalmente da decisão de pronúncia pode, após a vigência da referida Lei, ser intimado para a sessão plenária por meio de edital caso não seja encontrado e, se não comparecer, poderá ser julgado à revelia. Os arts. 413 e 414 do CPP, em sua redação original, impunham a suspensão do processo enquanto não operada a intimação pessoal do acusado acerca da decisão de pronúncia, embora o prazo prescricional continuasse a fluir. Com a modificação operada pela Lei 11.689/2008 no art. 420 do CPP, entende-se que foi superada a crise de instância a que submetido os feitos anteriores à referida Lei, ao restabelecer-se a marcha processual de ações penais suspensas. Cuidando-se de norma puramente processual, entende-se que o art. 420 do CPP, com a redação conferida pela Lei 11.689/2008, tem aplicabilidade imediata, tendo em vista a necessidade de densificação da isonomia, por meio do critério tempus regit actum. O mesmo entendimento é aplicável no que diz respeito à intimação ficta para a sessão plenária. Com efeito, o art. 431 do CPP assim dispõe: "Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver requerimento, para a sessão de instrução e julgamento, observando, no que couber, o disposto no art. 420 deste Código." No preceito normativo processual, houve expressa remissão ao artigo 420 do CPP, a possibilitar a intimação por edital do réu acerca da data da sessão plenária do júri. O art. 457 do CPP, por sua vez, admite que o julgamento ocorra sem a presença do réu, ao dispor que o julgamento “não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado". Desse modo, em hipóteses como a em análise, não há vício de procedimento, eis que o acusado está ciente do processo que tramita em seu desfavor, optando por não comparecer em plenário. Precedentes citados:  HC 251.000-SP, Quinta Turma, DJe 3/2/2014; HC 215.956-SC, Sexta Turma, DJe 16/10/2012; e HC 132.087-RJ, Quinta Turma, DJe 26/10/2009. HC 210.524-RJ, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 11/3/2014.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. LIMITES DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DA PRONÚNCIA.
O juiz na pronúncia não pode decotar a qualificadora relativa ao “meio cruel” (art. 121, § 2º, III, do CP) quando o homicídio houver sido praticado mediante efetiva reiteração de golpes em região vital da vítima. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que o decote de qualificadoras por ocasião da decisão de pronúncia só está autorizado quando forem manifestamente improcedentes, isto é, quando completamente destituídas de amparo nos elementos cognitivos dos autos. Nesse contexto, a reiteração de golpes na vítima, ao menos em princípio e para fins de pronúncia, é circunstância indiciária do “meio cruel”, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP, que consiste em meio no qual o agente, ao praticar o delito, provoca um maior sofrimento à vítima. Não se trata, pois, a reiteração de golpes na vítima de qualificadora manifestamente improcedente que autorize a excepcional exclusão pelo juiz da pronúncia, sob pena de usurpação da competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri. Precedente citado: HC 224.773-DF, Quinta Turma, DJe 6/6/2013. REsp 1.241.987-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/2/2014.