quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Do blog AJD/SC - Tortura no Presídio de Joinville ocorrida em janeiro de 2013

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013 Decisão do Juiz João Marcos Buch em razão das denúncias de tortura ocorrida no Presídio Regional de Joinville* Autos n° 038.13.002513-2 Ação: Outros/Outros Autor: Portaria 1/2013 Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam - Isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia, Numa época em que corre o sangue Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza Não digam nunca: Isso é natural. Bertold Brecht I- Vistos. Lamentavelmente, no período em que este magistrado gozava de férias, bem como também gozava de férias o Gerente do Presídio Regional de Joinville (Cristiano), os fatos a seguir tratados acabaram acontecendo. Mas mesmo em férias, este magistrado acabou fazendo a necessária inspeção, comunicando o juiz substituto, cujo trabalho a frente dos feitos jurisdicionais é de exemplar proficuidade. A partir da inspeção, foi elaborada Portaria (fl.2). Nela as considerações e determinação foram as seguintes: CONSIDERANDO informação prévia a este Juízo sobre operação pente-fino no pavilhão 4 do Presídio Regional de Joinville pelo DEAP (e-mail anexo) em 18.01.2013; CONSIDERANDO efetivamente realizada a operação na data indicada; CONSIDERANDO que a partir 21.01.2013 este magistrado passou a receber denúncias, segundo os quais durante a operação teria havido abuso, maus tratos, provocações e, inclusive, lesões corporais contra os presos; CONSIDERANDO a inspeção pessoal deste juiz em 24.1.2013 na Galeria 4 do Presídio e a oitiva em conjunto dos detentos todos do Pavilhão 4, em contato direto no mesmo plano das celas com cerca de 180 detentos do Pavilhão 4, tendo deles todos ouvido que durante a operação do dia 18.01.2013 houve abuso, maus tratos, humilhação, provocações e lesões corporais, tudo por parte dos agentes contra os presos; CONSIDERANDO as cartas assinadas entregues a este juiz na ocasião, contendo elas afirmações detalhadas sobre os abusos sofridos (em anexo); CONSIDERANDO a constatação direta deste juiz de que os detentos R. L. S., E. S., M. S. J., V. S. N., M. M. e P. M. L. S. apresentavam lesões das mais diversas, em princípio por instrumentos pérfuro-corto-contusos; CONSIDERANDO que os problemas constatados de insalubridade e péssima higiene (ratos, baratas, possíveis focos de mosquitos transmissores da dengue, banheiros da área de visita com esgoto entupido) serão apurados em procedimento próprio, em portaria também instaurada, Na forma do art.66, VII, da LEP, DETERMINA: INSTAURE-SE, REGISTRANDO-SE E AUTUANDO-SE, PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE EVENTUAIS ABUSOS, MAUS TRATOS, DESRESPEITO E LESÕES CORPORAIS CONTRA OS DETENTOS. Cumprindo-se as deliberações, foram feitas as certidões sobre os autos de cada detento, encaminhadas cópias ao Conselho Carcerário de Joinville, ao Centro de Direitos Humanos, ao Ministério Público e à Corregedoria-Geral da Justiça/SC e juntados aos autos os exames de corpo de delito realizados nos reeducandos, bem como imagens de vídeos gravadas da operação. Determinou-se ainda a requisição da relação dos agentes que atuaram na operação, que ainda não chegou, bem como em tempo a inquirição dos detentos que sofreram as agressões. Considerando as imagens gravadas e os exames de corpo de delito juntados, este procedimento pode ser encerrado, haja vista que passa à esfera criminal e portanto deve ser encaminhado aos órgãos competentes, onde a relação dos referidos agentes deverá ser entregue e a inquirição de vítimas e indiciados deverá ser feita. De plano percebe-se que em princípio a operação pente-fino de 18.01.13 junto ao Presídio Regional de Joinville foi realizada exclusivamente por agentes do Deap. Pelos exames de corpo de delito constata-se que os detentos relacionados sofreram lesões corporais de energia de ordem mecânica – instrumento contundente, ou seja: - exame de fl.38: equimose amarelada de 5 cm no braço direito, equimose amarelada de 12 cm no braço esquerdo, equimose amarelada 2 cm e 3 cm no tórax anteriormente; - exame de fl.40: halo equimótico de 10 cm de diâmetro e com escoriação central em face anterior de coxa direita no seu terço distal; - exame de fl.41: Escoriação de 4 cm, sangrando, em porção superior posterior do seu tórax sobre o acrômio à direita; - exame de fl.42: três halos equimóticos circulares de 4 cm em face anterior de coxa direita no seu terço proximal; - exame de fl.43: escoriação plana extensa sangrando em face posterior de coxa esquerda no seu terço superior; - exame de fl.44: ferida contusa em perna direita, sangrando, e outras feridas menores escoriadas em face posterior de perna direita; escoriações recentes de 4 cm em nádega direita. Por outro lado, as imagens gravadas, especificamente no DVD 1, juntado à fl.32, aproximadamente nos horários das 8h55min, 9h21min, 9h34min, 11h23min e 11h28min falam por si. Nelas se percebe claramente agentes do Deap na área de banho de sol do Pavilhão 4, disparando à queima roupa armas ao que parece calibre 12 com munição não letal, bombas de efeito moral, gás de pimenta e também dando "voadoras" calçadas com botas e coturnos, tudo diretamente contra de detentos nus, sentados (dezenas) no chão de cimento, perfilados ombro a ombro, voltados para a parede, com as mãos na nuca, imóveis por mais de duas horas. São imagens graves. Resta saber o que pode ter havido dentro das galerias, nas celas, de onde não se obteve filmagens e de onde os detentos foram retirados. Neste ponto, esgotam-se as palavras. Este Juiz, membro de Poder, cuja prerrogativa constitucional irrenunciável é garantir e fazer valer os preceitos constitucionais, dentre os quais está a expressa vedação à tortura (art.5º, III, da CF - cláusula pétrea, de eternidade) cuja base foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não vai permitir que fatos grave como os que ocorreram passem por seus olhos sem tomar as providências sérias que a situação está a exigir. Diante do exposto: URGENTE: I.1- Na forma do art.66, VII, da LEP c/c art.5º, II, do CPP, requisites-e ao Delegado de Polícia da 8ª Delegacia de Polícia de Joinville, com cópia destes autos, incluindo os DVDs, a instauração de inquérito policial para apuração dos crimes de lesão corporal, abuso de autoridade, disparo de arma e tortura, independentemente de outros que venha a averiguar, sem prejuízo de eventual representação de prisão preventiva ou medida cautelar alternativa dos agentes penitenciários envolvidos nos fatos. I.2- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs ao Ministério Público, ao Conselho de Direitos Humanos e ao Conselho Carcerário de Joinville para o que de direito; I.3- Encaminhe-se cópia destes autos, incluindo os DVDs à Delegada Corregedora da Secretaria de Justiça e Cidadania, para os processos disciplinares cabíveis. I.4- Dê-se conhecimento à Corregedoria-Geral de Justiça. II- Da publicidade dos atos. Finalmente, não gozando o feito de segredo de justiça, alguns esclarecimentos devem ser versados no que diz respeito ao acesso franqueado aos segmentos midiáticos acerca destes autos. Não se pode ignorar que o inciso IX do art. 93 da CF determina que todos os julgamentos serão públicos, bem como que todas as decisões serão fundamentadas. Estas determinações, aliás, possuem inegável efeito de imbricação, na medida em que quanto mais públicas as decisões, maior controle social sofrerão e, inegavelmente, maior a necessidade de suas fundamentações. É importante lembrar que os jornais são os olhos e ouvidos de uma nação (Rui Barbosa). Jornalistas éticos são testemunhas do poder e da vida, são garantidores das liberdades públicas e dos direitos individuais. Por isso mesmo a Constituição Federal estabelece em seu art.220, §§1º e 2º, que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, vedando toda a qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Na espécie, a situação extravasa todo e qualquer caráter de sigilo que pudesse pairar sobre estes autos, devendo assim ser ponderada e prevalecer. Com efeito, em havendo procura pelos meios de comunicação (o que por certo haverá, uma vez que familiares de detentos e os próprios vem insistindo e denunciando os fatos havidos), autorizo desde já o acesso sobre a Portaria inicial, sobre este despacho, sobre os exames de corpo de delito e sobre os DVDs das imagens gravadas, preservados os nomes e dados particulares dos detentos e dos investigados e respeitada de qualquer forma a ética que deve reger a imprensa. Joinville (SC), 01 de fevereiro de 2013. João Marcos Buch Juiz de Direito * A decisão é pública e pode ser acessada na página do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (www.tjsc.jus.br) por meio do número dos autos. Postado por AJD-SC às 12:08