quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Estadão -PPP das prisões e a dívida constitucional brasileira

Excelente texto sobre as Parceria Público-Privadas das prisões e a realidade carcerária brasileira. PPP das prisões e a dívida constitucional brasileira 23 de janeiro de 2013 | Conrado Hübner Mendes * O tema das prisões esteve em evidência no ano de 2012: autoridades de peso, como os ministros José Eduardo Cardozo e Gilmar Mendes, editoriais do Estadão e da Folha de S.Paulo, novas pesquisas e seminários acadêmicos, juntos, passaram a impressão de que tanto o debate público quanto as instituições começaram a enfrentar, com o devido senso de urgência e prioridade, esse velho desafio. A inauguração do primeiro presídio privado do País, produto de uma parceria público-privada (PPP) entre o governo de Minas Gerais e um consórcio de empresas, pôs o assunto de volta à ordem do dia. Infelizmente, porém, a cobertura da mídia até o momento foi de uma frivolidade juvenil. Já faz anos que objeções jurídicas e econômicas ao uso desse tipo contratual para presídios vêm sendo apresentadas. Pesquisadores ao redor do mundo, atentos às experiências em que o modelo mineiro diz inspirar-se, não expressam o mesmo entusiasmo (dois exemplos recentes são o artigo The Failed Promise of Prison Privatization, de R. Culp, e o relatório da Aclu Banking on Bondage). Argumentam que, não bastassem os perversos incentivos à violação de direitos dos presos e dos próprios funcionários que ali trabalham, os tais ganhos em eficiência não são nada certos. Acima de tudo, dizem, cria-se um círculo vicioso entre a proliferação de prisões privadas - um mercado artificial, oligopolizado, com crescente poder político - e o contínuo aprofundamento do encarceramento em massa. Sobre essa controvérsia as reportagens nada disseram. Nenhuma pergunta sobre os riscos jurídicos, nenhuma suspeita sobre as vantagens financeiras, nenhum olhar desconfiado em relação à extravagante fonte de lucro escolhida pelos parceiros privados. Ao comprarem, passivamente, a imagem da hotelaria prisional, sonegaram ao público a possibilidade da reflexão crítica. Antes que embarquemos nesse modelo, porém, precisamos testá-lo com maior clareza do que está em jogo. Qualquer discussão sobre gestão prisional deve começar pela pergunta sobre a própria legitimidade do encarceramento em massa. O Brasil é um caso exemplar dessa prática. Meio milhão de pessoas, a quarta maior população carcerária do mundo, amontoam-se nas prisões em condições sub-humanas. São submetidas à dieta física, psicológica e moral mais degradante que conseguimos conceber, após a qual se pretende que voltem, bem comportadas e dispostas, à convivência social. Assim se resume e se repete, há muitos anos, nossa principal estratégia para lidar com o crime. Conhecemos bem as consequências dessa estratégia, mas historicamente aplicamos o mínimo de nossa energia política em reformá-la. Apesar das dificuldades práticas para se produzir uma radiografia exaustiva do sistema prisional brasileiro, pesquisas já revelaram que o País encarcera cada vez mais, e de maneira meticulosamente discriminatória e irracional. Várias perguntas já podem ser respondidas com razoável confirmação empírica. Quem são os privados de liberdade? O retrato demográfico das prisões mostra que raça e classe social ainda são variáveis cruciais para explicar o grau de intensidade de cada sentença condenatória ou a decisão de aplicar a prisão provisória (para fins de investigação). De forma geral, negros e pobres recebem tratamento jurídico diferente de brancos e ricos. Percebe-se, enfim, que o pacote convencional de discriminação praticado pela sociedade brasileira se reflete fielmente no perfil demográfico das prisões. Presos por qual fundamento legal? O retrato jurídico indica que as prisões provisórias, conforme a média nacional, representam em torno de 40% do total. Quando se observa qual crime deu margem à prisão, tanto a provisória quanto a decorrente de sentença, identifica-se peso estatístico significativo de crimes não violentos. Entre estes, os crimes relacionados a drogas se destacam. De um lado, portanto, nota-se um Judiciário que extrapola na aplicação de prisões provisórias e, de outro, pouco imaginativo e corajoso na experimentação de penas alternativas e na cobrança do Executivo pelos serviços que a política criminal exige. Presos em que condições? O retrato físico das prisões brasileiras é estarrecedor. As condições de insalubridade, em seus diversos aspectos, a precariedade da assistência à saúde e a violência interna estão entre os maiores problemas. Para completar, na perspectiva de gênero, mulheres sofrem outras graves violações relacionadas às especificidades da condição feminina. Esses exemplos configuram o que o jargão jurídico chama de "violação estrutural de direitos", isto é, a supressão contínua e sistemática de todo um conjunto de direitos básicos de um determinado grupo social. Qual o efeito, no fim das contas, dessa política? O retrato funcional, previsivelmente, mostra um óbvio descompasso entre os objetivos oficiais da prisão - de prevenção, dissuasão e reeducação - e os papéis reais que ela, disfarçadamente, cumpre (de repressão da pobreza, de combustível para a demagogia política e manipulação midiática, etc.). Tal política faz vista grossa às numerosas evidências empíricas sobre a ineficácia da prisão para o alcance daqueles fins. Não precisamos recorrer à famosa frase de Dostoievski segundo a qual "o grau civilizatório de uma sociedade" se mede, antes de tudo, por suas prisões para concluir que essa é a face mais trágica do nosso subdesenvolvimento humano. Se contrastamos os fatos acima com a Constituição de 1988, como seus artigos 5.º e 6.º, não será exagerado dizer que, dentro do nosso extenso passivo constitucional, essa é uma das inconstitucionalidades mais sérias e estacionárias do Brasil contemporâneo. É provavelmente a que mais sofre, ainda por cima, da indiferença social, da miopia política e do oportunismo eleitoreiro. O monitoramento, pela mídia, dos novos modelos de gestão prisional é essencial para avanços concretos. Para tanto não se pode deslumbrar precipitadamente com a retórica da inovação gerencial ou com atos de marketing político. * Conrado Hübner Mendes, professor da Direito GV, é doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo e em Ciência Política pela USP.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Situação prisional de SP - Estadão

Sistema prisional na encruzilhada As autoridades penitenciárias estaduais estimam que a população encarcerada no sistema prisional paulista chegará à marca de 200 mil pessoas nos primeiros meses de 2013. É um número preocupante, porque São Paulo não tem um número de estabelecimentos penais suficiente para abrigar tantos presos. Por dia, entram, em média, 82 novos presos no sistema prisional paulista. Pelos números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos últimos anos o número de presos cresceu 37%, em todo o País - e uma das maiores taxas de crescimento ocorreu no Estado de São Paulo. O Brasil tem uma população carcerária de 514 mil presos, mas o sistema prisional foi projetado para acolher apenas 306 mil. O resultado é um sistema superlotado, com presos provisórios (aguardando julgamento) e presos já condenados vivendo em condições degradantes. É por isso que o País tem sido denunciado em organismos multilaterais - como a OEA e a ONU - por movimentos de defesa de direitos humanos. Com 150 penitenciárias, 171 cadeias públicas, uma população de 189 mil detentos - o equivalente a 40% da população carcerária nacional - e 115 mil mandados de prisão a serem cumpridos pela Polícia Judiciária, São Paulo tem o maior sistema prisional do País. Tem, igualmente, o maior déficit de vagas do País - cerca de 83,2 mil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional. Em algumas unidades, como o Centro de Detenção Provisória de Santo André, há 3,5 presos por vaga. Para suprir esse déficit, seriam necessárias 93 novas penitenciárias no Estado. Até a década de 1990, os governos paulistas investiram muito pouco na construção de novos centros de triagem, cadeias e penitenciárias. A partir das gestões de Mário Covas e Geraldo Alckmin, os investimentos no setor aumentaram, mas não no ritmo equivalente ao do crescimento do número de ocorrências policiais, de julgamentos e de condenações. Entre 2010 e 2012, foram inauguradas oito penitenciárias, das quais sete hoje já estão à beira do colapso, com mais detentos do que comportam. Atualmente, estão sendo construídos 16 novos estabelecimentos penais de diversos portes, que deverão ser entregues em 2013 e 2014. Para minimizar o problema, entre 2008 e 2011 o CNJ realizou vários mutirões carcerários em todo o País, com o objetivo de avaliar os processos dos presos provisórios e a situação dos presos já julgados e condenados. O balanço dessa iniciativa revelou que 36 mil pessoas já deveriam estar soltas e 76 mil já estavam em condições de receber os benefícios do regime de progressão da pena. No caso do Estado de São Paulo, juízes a serviço do CNJ constataram o sistemático descumprimento da Lei de Execuções Penais e, principalmente, a falta de estabelecimentos destinados ao regime aberto e semiaberto. Por isso, presos sem periculosidade estavam submetidos ao regime fechado. Apesar de aplaudir a iniciativa do CNJ, magistrados, promotores e criminólogos alegam que os mutirões - assim como o uso de tornozeleiras eletrônicas - são medidas apenas pontuais. Para eles, a medida mais adequada seria a valorização das penas alternativas, como a prestação de serviços e a inclusão em programas de reinserção social dos presos condenados por pequenos crimes. O problema é que as penas alternativas não funcionam quando os índices de reincidência são muito altos. Em alguns Estados, 70% dos presos que deixam a prisão voltam a delinquir, segundo dados do CNJ. "A reincidência é grande. Todos os dias recebemos pessoas que dizem que vão voltar para o crime porque não tiveram oportunidades, não têm instrução e não aprenderam nada nas prisões", diz José de Jesus Filho, assessor da Pastoral Carcerária de São Paulo. As autoridades penitenciárias encontram-se numa encruzilhada. Por falta de recursos, não conseguem expandir o sistema prisional no mesmo ritmo do aumento das prisões, pela polícia, e das condenações, pela Justiça. E, por causa do aumento da reincidência criminal, não conseguem pôr em prática punições menos severas, como as penas alternativas.