quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O efeito Tiririca no Supremo

Recomendo a leitura de texto muito bem escrito sobre o reajuste nos subsídios dos congressistas no patamar de 61,68%, igualando seus vencimento ao teto constitucional previsto para ministro do Supremo.

O efeito Tiririca no Supremo
26 de janeiro de 2011 | 0h 00

Aloísio de Toledo César - O Estado de S.Paulo
DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJ-SP)


As instituições às vezes refletem contradições capazes de deixar atordoado o mais sereno dos brasileiros. Uma delas, bastante recente, está na circunstância de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, detentor de linda carreira, com quase 40 anos de magistratura sem a mais leve mancha, a partir de 1.º de fevereiro passar a receber subsídios iguais aos do comediante Tiririca, eleito deputado federal.


O País acompanhou o fenômeno Tiririca, o mais votado de todos os tempos, apesar de sua claudicante alfabetização, tão controversa que tornou duvidosa a conclusão final do Judiciário a respeito de ser ele alfabetizado ou não. É pessoa simpática e detentora de talento próprio para as graças que costuma fazer e das quais se alimenta. Mas, sem dúvida alguma, a equiparação assusta.

A imagem do comediante não se confunde com a do Congresso Nacional, integrado por muitas pessoas de bom nível intelectual e cultural. Mas, com a decisão do final do ano passado, que vinculou os vencimentos dos deputados federais e senadores aos recebidos pelos ministros do STF, Tiririca e Cezar Peluso estarão empatados nos respectivos contracheques.

Em verdade, é pior do que isso, porque os deputados federais e senadores, por força daquelas vantagens extraordinárias para pagamento de despesas pessoais e de assessores, acabam recebendo bem mais do que um ministro do Supremo.

Isso tende a criar situação bastante constrangedora. Os representantes do povo detêm o poder de aprovar as leis e por isso lhes é dado decidir se portadores de mandatos eletivos devem receber subsídios iguais ou maiores que os dos ministros do STF e vice-versa.

O que não parece adequado é a equiparação, porque representa o risco de se perpetuar, ou seja, cada vez que houver aumento dos subsídios dos ministros do STF, o precedente poderá levar os congressistas e votarem nova lei em causa própria, promovendo outra vez a equiparação.

A Constituição federal, em seu artigo 37, inciso XI, determinou com toda a clareza que os subsídios dos ministros do Supremo devem ser os mais elevados, tanto que representam o valor máximo para cálculo dos demais. A equiparação levada a efeito no final de 2010 introduziu um aleijão na Carta Magna, ou seja, fez surgir um arremedo de paradigma, representado pelos valores que serão recebidos por deputados federais e senadores.

Sem nenhuma dúvida, não foi isso o que pretendeu o legislador constituinte de 1988 ao colocar o STF no topo da escala de vencimentos dos agentes do Estado. Se a moda pega, outros ocupantes de cargos, funções e empregos públicos, na administração direta e indireta, poderão postular a mesma equiparação a ministros e congressistas, uma vez que o precedente está cristalizado.

Após seguidas eleições, pacificamente realizadas, a democracia brasileira mostra-se efetivamente consolidada, sobretudo com a escolha, agora, de uma mulher para presidente da República. Mas todos sabemos que a democracia tem os seus inimigos. A equiparação de vencimentos de deputados federais, senadores e ministros, dando a ideia de uma nobreza intocável e favorecida, será sempre um prato cheio para aqueles que gostariam de estatizar até mesmo os banhos de praia.

Os vencimentos dos subsídios dos ministros do STF são fixados por lei federal. A última, de 2005, fixou-os em R$ 21.500, com elevação ao patamar de R$ 24.500 a partir de 1.º de janeiro de 2006. Pela Resolução n.º 423, legalmente prevista, esses valores foram elevados pelo STF para R$ 26.723,13. Com base neles são calculados os vencimentos dos ministros dos outros tribunais, juízes e promotores de Justiça, federais e estaduais.

Está prevista para o início da atual legislatura a votação pelo Congresso do projeto que concede ligeira majoração aos vencimentos dos ministros do Supremo. Isso ocorrerá pela primeira vez num momento em que ministros e congressistas recebem os mesmos subsídios e, claro, poderá provocar constrangimentos.

A equiparação efetivada ocorreu levando em conta tão somente os valores recebidos pelos ministros da Suprema Corte, ou seja, não houve alteração do princípio constitucional que coloca os subsídios dos ministros do STF na condição de os mais elevados do País. Isso significa que a possível aprovação do reajuste pretendido pelo Supremo não se estenderá automaticamente aos congressistas, muito embora, dado o precedente, fique em aberto a possibilidade de estes iniciarem nova corrida para igualar os subsídios. Vê-se que se trata de questão tormentosa, capaz de repercutir desastrosamente entre a população espectadora.

O acesso ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal representa o coroamento de qualquer carreira jurídica. É uma honra ser escolhido, porém a escolha não representa um agradável desfecho de vida profissional, representando, ao contrário, servidão interminável, decorrente do inacreditável volume de processos que cada ministro tem a obrigação de julgar.

Respeitadas as exceções, os ministros da Supremo Corte trabalham muitas vezes mais do que a maioria dos deputados e senadores. E, muito embora ocupem o cargo máximo na hierarquia dos agentes públicos, não será confortável para eles receberem os mesmos subsídios que serão pagos aos parlamentares no Congresso Nacional - inclusive ao deputado federal Tiririca.

A equiparação em favor dos deputados federais e senadores ocorreu por decreto legislativo, no final do ano passado, aprovado em regime de urgência e resultando em majoração de 61,68% nos seus subsídios, ou seja, índice bastante superior ao da inflação no período. Como se efetivou por decreto legislativo, nem houve necessidade de sanção do presidente da República.


DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJ-SP)




terça-feira, 25 de janeiro de 2011

PEDRO ABRAMOVAY E UM RÉQUIEM PARA A POLÍTICA CRIMINAL DO GOVERNO DILMA

Moysés Pinto Neto

Pesquisador transdisciplinar da violência. Doutorando em Filosofia (PUCRS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Professor de Criminologia e Direito Penal da ULBRA.

A notícia de que Pedro Abramovay foi demitido da Secretaria Nacional de Drogas é o primeiro sinal das piores expectativas que se avizinhavam desde que Dilma assumiu o Planalto em matéria de política criminal. Se havia dúvidas acerca da gradual e cada vez mais visível transição da preponderância do realismo de esquerda no Governo Lula (refiro-me, para os leigos, a políticas de prevenção à violência tal como o PRONASCI, que investem em melhorias na polícia, programas educativos, políticas de redução de danos etc.) para a esquerda punitiva no Governo Dilma, elas hoje parecem ter acabado.

O que Pedro Abramovay fez de tão grave para ser demitido? Simples, declarou que os pequenos traficantes (leia-se, a juventude pobre e negra – geralmente entre 13 a 25 anos – das favelas brasileiras que vende drogas para toda sociedade, inclusive boa parte da “de bem”) não deveriam ser encarcerados.

A situação surreal, no entanto, deve ser explicada, tal como Kafka dedicou longas páginas para narrar o absurdo que, no entanto, é o próprio mundo real em que vivemos. Respeito muito amigos petistas – alguns conheço pessoalmente, outros estão por aí na blogosfera – que depositaram severas esperanças em Dilma como legatária do Governo Lula, em especial naquilo que foi de melhor: eliminação da miséria e redução da desigualdade social. No entanto, Dilma já vinha mandando vários sinais negativos, e a área criminal – para um ponto de vista de esquerda – hoje se apresenta como a pior. Atribuo basicamente isso a três razões:

1) A “Guerra do RJ” – o “sucesso” da entrada do exército no Complexo do Alemão, aplaudido inclusive por parte da sociologia crítica nacional (com pessoas que eu admiro e respeito profundamente, mas discordo com veemência), apresentou louros políticos inquestionáveis para Sérgio Cabral e Dilma. Ficou claro que o antibelicismo radical não seria matriz da política criminal baseada nas UPPs. Aliás, “Tropa de Elite” – com seu sensacionalismo fascista – já havia preparado esse clima para esse evento, tornando o BOPE um símbolo nacional (o BOPE, uma tropa de extermínio). Aliás, a classe média só não aprovou mais porque faltou o banho de sangue que Capitão Nascimento tinha prometido. Se não veio, bem, ok, e ainda agradamos nossos amigos da esquerda que comemoram o “Estado de Direito” na favela.

2) A nomeação de José Eduardo Cardozo e Mário do Rosário – nomear para o Ministério da Justiça e para a Secretaria dos Direitos Humanos dois políticos que acreditam que a pauta dos direitos humanos no Brasil é o aspecto mais policialesco e caricato do “politicamente correto” foi também vergonhoso. Maria do Rosário, em especial, prestou um desserviço monstruoso ao Brasil ao ser responsável pela mudança nos crimes sexuais, prevendo a figuras estapafúrdias e mantendo moralismos como a criminalização da casa de prostituição (não é piada, isso é crime no Brasil!) e cometendo erros técnicos crassos.

3) O recuo de José Eduardo Cardozo das declarações de Abramovay: se era um bom sinal a troca de nome da Secretaria Nacional Anti-Drogas (nome tipicamente vinculado à War on Drugs de Nixon e Reagan) para Secretaria Nacional de Drogas, e transpô-la da pasta da defesa para a justiça (embora o ideal fosse para a saúde), tudo foi rapidamente derrubado. Pedro Abramovay disse o óbvio: é preciso parar com a monstruosa inflação carcerária no Brasil, quarta maior população prisional do mundo, atrás apenas dos EUA, China e Rússia, da qual quase 30% são relacionados com a política de drogas. O encarceramento dos pequenos traficantes só piora a situação: agudiza conflitos, não resolve nem o problema do uso problemático de drogas nem o do comércio, provoca o impacto da passagem no cárcere no preso, alimenta as fileiras do “crime organizado” (facções que dominam as prisões, como o PCC), destrói as opções de vida do sujeito e é mais do que tudo hipócrita: vivendo na periferia e com poucas opções, o sujeito (é bom lembrar que geralmente aos 12, 13 anos) vê a traficância como uma opção de vida atraente e acaba embarcando nela. É preciso ver que as gravíssimas questões biopolíticas da política de drogas (o higienismo da abstinência, a intolerância com a diferença, a gestão do corpo do drogado etc.) hoje em dia são menos importantes que a thanatopolítica da guerra às drogas, que se traduz como verdadeira política de extermínio no Brasil. Todo mundo – mesmo uma parte da esquerda menos interessada na questão criminal – dá de ombros para essa política exatamente porque se trata da vida nua, ou seja, da vida descartável.

É óbvio que todas as patrulhas reacionárias e obscurantistas iriam se revoltar contra essa posição. O moralismo atroz que se manifesta no discurso que justifica a guerra às drogas – para qual concorrem os mais diversos “empresários morais” – somados à ignorância da população acerca do que está em jogo e o clima de pânico moral criado pela mídia certamente trariam resistência. Mas o ridículo foi o recuo covarde, minguado, poliqueiro de um Ministro da Justiça que, infelizmente, não teve coragem para dar um basta ao genocídio da população pobre em andamento. Em vez disso, prefiriu aderir ao discurso mais rasteiro e fazer aquilo que Elena Larrauri chama de “populismo punitivo”.

Se observamos o marcante artigo escrito por Maria Lucia Karam há mais de dez anos atrás, quando anunciava a esquerda punitiva, podemos observar que se trata exatamente da política adotada pelo Governo Dilma: “combate” ao crime de colarinho branco, aos crimes vinculados aos movimentos sociais (racismo, violência contra a mulher etc.) e “combate ao crime organizado” (o cifrão que Maria Lucia tão bem colocou como uma simples manobra retórica para justificar políticas de lei e ordem típicas da direita). A ênfase no realismo de esquerda típico do Governo Lula com o PRONASCI vai perdendo peso a cada dia para o punitivismo de esquerda, a aposta no sistema penal como mecanismo de legitimação do poder político-eleitoral.

O detalhe é que – como o amigo Marcelo Mayora apontou no twitter – o próprio Ministério da Justiça encomendou pesquisa sobre o tema que lhe indicava o caminho da descarcerização. Não importa que os setores mais retrógrados e cada vez mais ignorantes do mundo jurídico tachem a pesquisa de “garantista” ou algo do gênero; é uma pesquisa científica, com dados claros e conclusões importantes, e quem nesse caso sofre da mais fanática cegueira ideológica são esses próprios conservadores (agora também obscurantistas: odeiam “teorias” e a “academia”; em vez disso, propõe a prática que se dá no meio da papelada dos processos e do ar condicionado dos fóruns, como se isso fosse a vida real). O Ministério da Justiça agora joga fora os dados que ele próprio coleta em nome do populismo punitivo.

Na prática, Dilma está numa posição bem parecida com Bill Clinton nos anos 90. Clinton sabia que a pena de morte era a questão da maior densidade eleitoral, tendo sido responsável pela derrota do Partido Democrata nas eleições anteriores. Aderindo ao “pragmatismo”, resolveu ele próprio se mostrar “duro” e executar vários condenados, tendo por isso sido eleito. Na prática, o mega-encarceramento e as operações bélicas que Dilma e o Min. José Eduardo Cardozo estão aderindo pouco diferem disso. Todo o resto é pequeno diante da Guerra em andamento.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sistema carcerário brasileiro - por LFG

EXECUÇÃO PENAL
Sistema carcerário brasileiro: a latrina da justiça criminal


Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Se a Justiça criminal, como disse enfaticamente o juiz Luciano Losekann (Estado de S. Paulo de 14.11.10, p. C6), é a cloaca (o lugar imundo, a fossa, o esgoto) da Justiça social (pouco importando se o crime é do pobre ou do colarinho branco, fraudulento ou violento, do preto ou do branco), o sistema carcerário brasileiro constitui sem sombra de dúvida a latrina (recinto de dejeções, vaso sanitário) da Justiça criminal. A primeira pesquisa que nosso Instituto está disponibilizando para todos (www.ipcluizflaviogomes.com.br) bem retrata essa triste realidade.

As prisões, em países como o Brasil, abandonaram por completo o projeto humanista da modernidade, que as via como um centro disciplinar/correcional. Na era da pós-modernidade (era atual), em lugar de experimentar avanços civilizatórios, as prisões retrocederam aos escombros e obscuridades da Idade Média.

As duas rebeliões ocorridas em presídios do Maranhão (Complexo de Pedrinhas) e do Amazonas, no mês de novembro de 2010, com 21 mortos, evidenciaram, uma vez mais, as entranhas infestadas das misérias dessa nossa latrina, que se chama sistema carcerário brasileiro. Nota da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sublinhou a responsabilidade do Brasil em relação às pessoas que estão sob sua guarda.

Essas misérias vêm sendo denunciadas (corajosamente) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde (sobretudo) 2008. Praticamente todos os Estados brasileiros (26 Estados mais o Distrito Federal) apresentam as mesmas (e indescritíveis) mazelas: superpopulação carcerária, déficit no número de vagas, condições carcerárias deploráveis, desrespeito absoluto aos direitos das pessoas presas, demora no julgamento dos processos (44% dos presos não contam com sentença final), intenso tráfico interno de drogas, ausência de tratamento aos drogados, AIDS, violência indescritível, tortura, assassinatos em série, corrupção de agentes penitenciários, ociosidade, cooptação das organizações criminosas, rebeliões etc.

Por que chegamos nesse túnel (da ausência absoluta de civilização) que não conta (neste instante) com nenhuma luz no seu final? Porque o projeto moderno de prisão (chamado de disciplinar/correcional, ou seja, a prisão moderna teria como finalidade a correção do preso, como nos ensinava Foucault) naufragou completamente, sobretudo em países como o Brasil, onde é muito forte o populismo penal, o autoritarismo e as desigualdades sociais (de acordo com o último IDH o Brasil é o 72º país no ranking mundial).

O escopo corretivo (porque ainda se confiava na recuperação do preso) que norteou a filosofia das prisões durante muitas décadas desapareceu por completo (morreu, evaporou-se) em muitos países. A rigor, no Brasil, pode-se dizer que esse projeto moderno nunca foi levado muito a sério. De qualquer maneira, até a década de 80 (do século XX), a filosofia (talvez mito) da ressocialização do preso ainda convivia (embora ocupando a posição de prima pobre) com as atrocidades prisionais.

Nossa atual Lei de Execução Penal foi editada nesta década (Lei 7.210, de 11.07.84). No seu art. 1º ela diz: "A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado". Ainda se falava no mito da "integração social", com o sentido de ressocialização, recuperação ou reinserção do preso na sociedade.

Da década de 90 (do século XX) para frente, tendo como marco a Lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/90), de forma inequívoca, o velho e mitológico modelo corretivo/disciplinar (de recuperação do preso, reinserção social, ressocialização) cedeu espaço para outro tipo de prisão, agora submetida (subordinada) a um projeto punitivista "securitário" (de segurança máxima).

Cuida-se de um novo modelo de prisão (como diz M. Sozzo) "que abandona completamente como finalidade declarada a 'correção do criminoso', abraçando outros objetivos como legitimação da sua própria existência. Por um lado, a retribuição do dano gerado pelo delito por meio da produção intencionada de dor no preso. Por outro, de forma prioritária, a incapacitação ou neutralização do preso, durante um lapso de tempo mais ou menos prolongado, de forma tal que não possa reincidir no delito, 'protegendo o público', gerando 'segurança'". Os presídios e as cadeias, como latrinas do sistema criminal brasileiro, passam a ser centros sanguinários e violentos de distribuição de dor e de sofrimento excessivo (abusivo) (o filme Tropa de Elite 2 procurou mostrar isso de forma implacável).

O novo modelo de prisão, chamado de prisão-jaula ou prisão-depósito (ou, ainda, de prisão-latrina), é uma prisão sem trabalho, sem educação, sem família, sem observação, classificação e tratamento, sem flexibilização no encarceramento, sem segurança, sem individualidade, sem privacidade, sem respeito aos direitos mínimos das pessoas presas etc.

Não se trata, portanto, de uma prisão-fábrica ou de uma prisão-escola ou mesmo de uma prisão-mosteiro ou de uma prisão-família ou ainda de uma prisão-asilo ou de uma prisão-hospital. Tudo que se relacionava com a correção/disciplina desapareceu. Cuida-se (agora) de uma prisão que significa só encarceramento e isolamento, regulamentação, vigilância e sanção (mais dor, castigo, sofrimento, embrutecimento). É uma prisão (mais ou menos) segura. Mas com as características da "prisão-jaula" ou da "prisão-depósito" ou, ainda, como pensamos, da "prisão-latrina".

É disso que derivam o recolhimento de pessoas em contêiners (como foi constatado em Espírito Santo, por exemplo), as rebeliões, os degolamentos, as mortes, os assassinatos a sangue frio etc. De um modo geral a sociedade brasileira (que nem sequer protesta contra a educação sucateada, as filas da saúde, a morosidade da justiça etc.) não manifesta nenhuma preocupação com todo esse mundo de horrores medievais. Esquece-se de que tudo que diz respeito à condição humana também lhe diz respeito. Mas tudo tem seu preço. A criminalidade no nosso país não apresenta nenhum sinal de arrefecimento e parte dela é gerada justamente dentro das prisões-latrinas.

Rotina - Inocentes

Acorda cedo para ir trabalhar
O relógio de ponto a lhe observar
No lar esposa e filhos a lhe esperar
Sua cabeça dói, um dia vai estourar, com essa

Rotina (Rotina!) (x4)

Sua cabeça dói, não consegue pensar
As quatro paredes a lhe massacrar
Daria tudo pra ver o que acontece lá fora
Mesmo sabendo que não iria suportar essa

Rotina (Rotina!) (x4)

Até quando ele vai aguentar?
Até quando ele vai aguentar? (Rotina)

No lar sua esposa lhe serve o jantar
Seus filhos brincam na sala de estar
Levanta da poltrona e liga a TV
Chegou a hora do programa começar

Rotina (Rotina!) (x4)

O homem da TV lhe diz o que fazer
lhe diz do que gostar, lhe diz como viver
Está chegando a hora de se desligar
A sua esposa lhe convida para o prazer

Rotina (Rotina!) (x4)

Até quando ele vai aguentar?

Até quando ele vai aguentar? (Rotina)

Rotina (Rotina!) (x4)

Até quando ele vai aguentar?
Até quando ele vai aguentar?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Estadão - editorial

Pequenos traficantes

17 de janeiro de 2011 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo

Ao assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, que acaba de ser transferida do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para o Ministério da Justiça, o advogado Pedro Abramovay propôs o fim da pena de prisão para pequenos traficantes, alegando que a medida ajudará a reduzir a superlotação carcerária e evitará o envolvimento de delinquentes de baixa periculosidade com as facções que controlam as cadeias e penitenciárias. Segundo as estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, os traficantes de drogas representam, hoje, quase 20% da população carcerária.


Em entrevista ao jornal O Globo, do Rio, Abramovay diz que a Lei Antidrogas - que entrou em vigor há quatro anos - é um dos principais alimentadores da superlotação dos estabelecimentos penais. Entre outras inovações, a lei aprofundou a distinção entre o usuário e o traficante, que já era prevista pela antiga Lei de Entorpecentes, editada em 1976, passando a tratar o primeiro de modo leniente e o segundo com mais rigor.

A Lei de Entorpecentes punia o viciado com pena de detenção de 6 meses a 2 anos e o traficante com pena de 3 a 10 anos. Sob a justificativa de modernizar e humanizar as formas de tratamento do vício, a Lei Antidrogas abrandou significativamente a punição aplicada ao usuário, estabelecendo penas alternativas - tais como advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas. Já para os traficantes, a Lei Antidrogas estabeleceu penas de prisão mais rigorosas, que podem chegar a até 20 anos de prisão (para quem, por exemplo, financiar o narcotráfico).

Foi isso, segundo Abramovay, que teria causado o colapso do sistema prisional. "O usuário não tem prisão e, do jeito que está hoje, praticamente não tem pena. E para o traficante há uma pena altíssima. Só que a realidade é muito mais complexa, porque você não tem só essas duas divisões. Depois da lei, houve uma explosão carcerária. Em 2006, eram 60 mil pessoas presas por crimes relacionados a drogas. Hoje, há 100 mil pessoas presas. Não dá para ter na cadeia 40 mil pessoas que não deveriam estar lá. A gente está pegando quem não tem ligação com o crime organizado, botando na prisão e, pouco tempo depois, já com ligação com o crime organizado, devolvendo-o à sociedade. Temos de fazer uma opção entre disputar o pequeno traficante, para reintegrá-lo à sociedade, ou desistir dele, entregando-o ao crime organizado", diz o secretário nacional de Políticas sobre Drogas.

A proposta por ele apresentada não é nova. Vem sendo defendida pelo Ministério da Justiça há mais de dois anos, sob a justificativa de que a revogação de penas de prisão para os pequenos traficantes evitaria o contágio dos pequenos pelos criminosos mais perigosos, além de permitir que a polícia concentre o trabalho de repressão nos grandes traficantes. No segundo semestre de 2009, o próprio Abramovay - que na época estava à frente da Secretaria de Assuntos Legislativos - negociou a apresentação de um projeto de lei nesse sentido com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Como os militares do GSI - ao qual estava subordinada a antiga Secretaria Nacional Antidrogas - não viram a proposta com simpatia, ela foi deixada de lado. Ressurge, agora, com a transferência do órgão para a alçada civil do Ministério da Justiça.

Evidentemente, a proposta é polêmica. Para os que a apoiam, o País estaria encarcerando muitos pequenos traficantes sem, contudo, ter sucesso na luta contra o narcotráfico. Para os que a criticam, a revogação de todas as penas de prisão para os pequenos traficantes estimula o envolvimento de jovens e adolescentes com o crime. Sem o risco da prisão, o pequeno tráfico passa a ser um excelente negócio.

Consciente deste risco e disposto a evitar que a polêmica se converta em problema político no início de sua gestão, o ministro Martins Cardozo afirmou que a proposta do secretário Abramovay não é prioritária no Ministério da Justiça. Isso dá a medida da falta de articulação administrativa do governo, uma vez que ministros e secretários foram escolhidos não com base numa filosofia de gestão, mas em função de injunções partidárias.




quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Prof. Rogerio Grecco e profª. Alice Bianchini - Direitos Humanos e Siste...

Conversa dos Professores sobre o sistema prisional brasileiro e espanhol.

Exercício da advocacia requer paixão e entusiasmo

Exercício da advocacia requer paixão e entusiasmo
Por Luís Carlos Martins Alves Jr.

Que quer dizer “grande advogado”? Quer dizer advogado útil aos juízes para ajudá-los a decidir de acordo com a justiça, útil ao cliente para ajudá-lo a fazer valer suas razões.

Útil é aquele advogado que fala o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não entulha a audiência com sua personalidade invasiva, não aborrece os juízes com sua prolixidade e não os deixa suspeitosos com sua sutileza – exatamente o contrário, pois, do que certo público entende por “grande advogado”. (PIERO CALAMANDREI)

Toda decisão judicial é construída a partir ou da consciência ou dos interesses do magistrado. Mas qual consciência? Quais interesses? Consciência moral, religiosa ou jurídica? O certo ou o errado em que plano? Interesses legítimos e confessáveis ou ilegítimos e inconfessáveis? Como advogar perante magistrados que julgam as causas a partir de seus próprios interesses? É possível advogar nessas situações? Como advogar perante magistrado que julga a partir de sua consciência jurídica?

Por consciência jurídica entendo a idéia do que seja certo ou errado a partir do ordenamento jurídico, do estabelecido nos textos normativos e nos precedentes jurisprudenciais.

Em relação ao magistrado interesseiro o papel do advogado é o de informar ao seu cliente acerca do caráter do julgador ou chamar a atenção pública para o caso, de modo a criar constrangimentos para o juiz.

Quanto ao magistrado que age de acordo com a sua consciência, de acordo com o seu juízo sincero acerca do que seja o certo ou o errado à luz do ordenamento jurídico, o papel do advogado é o de procurar convencer ou de influenciar o julgador em sua decisão.

Essa é a missão do advogado: influenciar o magistrado para que este decida de acordo com os seus interesses.

Tenha-se que se o magistrado age ou de acordo com a sua consciência ou de acordo com os seus interesses, o advogado sempre age de acordo com os interesses que representa. Com efeito, no momento em que o advogado assume o patrocínio de uma causa, ele deve defendê-la independentemente de sua consciência pessoal. Se o advogado não quiser agir contra a sua consciência ou contra os seus interesses, ele deve renunciar ao patrocínio da causa, pois, não raras vezes, mesmo o mais vil dos clientes, que cometeu o mais abjeto dos crimes, tem apenas o seu advogado.

Convencimento do magistrado
Como convencer o magistrado e o Supremo Tribunal Federal em particular de que a sua postulação deve ser acolhida?

Toda causa ou controvérsia pressupõe uma adequada compreensão do fenômeno jurídico. Uma adequada compreensão do fenômeno objeto de uma demanda judicial requer o conhecimento dos textos normativos (Constituição, Tratados, Leis, Decretos e tantos quantos textos prescritivos existam), das circunstâncias fáticas, dos paradigmas coletivos (valores e verdades compartilhados pela comunidade) e dos prismas individuais (valores e verdades da própria pessoa).

É aquilo que o insuperável mestre Miguel Reale denominou de “Teoria Tridimensional do Direito”: as circunstâncias fáticas, os valores coletivamente compartilhados e os textos normativos. Eu acrescentaria os prismas individuais (a ciência, a consciência e a experiência de cada pessoa humana).

O advogado deve ter pleno domínio do Direito, em todas as suas dimensões, para tentar convencer o juiz. É preciso que o advogado tenha absoluta ciência de que do outro lado há um outro advogado procurando a mesma coisa, querendo o mesmo objetivo.

Em uma democracia com instituições e pessoas sérias, o direito é construído mediante o convencimento. E para convencer é preciso dominar a palavra. A advocacia é uma arte, a arte de convencer, de influenciar. Portanto, para convencer o magistrado o advogado deve ter pleno domínio da causa e deve estar tão bem preparado quanto o seu adversário e mais bem preparado que o próprio magistrado.

O magistrado não necessita de ter o mesmo conhecimento jurídico do advogado, o magistrado deve ter antes de tudo bom senso e deve agir com prudência e imparcialidade, ou seja, deve levar em consideração o esforço dos advogados. Juiz bom é juiz imparcial, no sentido de permitir-se convencer pela força dos argumentos jurídicos.

Compreensão judicial do fenômeno jurídico
Como o Supremo Tribunal Federal tem julgado as causas ou como deveria julgar as demandas sob sua responsabilidade?

Todos sabemos que os textos normativos (e o texto constitucional em particular) são “obras abertas”, são textos repletos de enunciados ou palavras com múltiplos significados, como soe acontecer com os termos “igualdade”, “dignidade”, “democracia” dentre outros.

Se os “enunciados” ou “termos” constitucionais não têm sentidos unívocos, mas plurívocos, como o Tribunal deve decidir ou atribuir força normativa a essas palavras? Qual a metodologia que o Tribunal tem utilizado ou deveria utilizar?

O primeiro passo é o de respeitar as palavras contidas no texto constitucional. O Tribunal não pode ignorar o que está escrito no texto. O Tribunal não pode dizer o que não estava escrito nem deixar de dizer o que estava escrito. O texto e o respeito ao texto é o ponto de partida para uma adequada solução da causa posta ao conhecimento do Tribunal.

A partir do texto, o Tribunal deve considerar as circunstâncias fáticas e os valores e verdades coletivamente compartilhados. O Tribunal não deve desprezar a sociedade e o mundo exterior, mas deve considerar essa sociedade e o restante do mundo. A Corte não deve se isolar para julgar.

O Supremo Tribunal Federal de 2010 pode julgar temas socialmente delicados que outrora seriam inimagináveis, como os temas do aborto, de cotas raciais, de pesquisas com células-tronco, de demarcação de terras indígenas, de união civil de homossexuais. E o Supremo Tribunal Federal de 2010 tem de julgar essas causas de acordo com a sociedade de 2010. Se estivéssemos em 1910 outro era o Tribunal e outra era a sociedade. Outras seriam as decisões.

Isso quer dizer que as palavras contidas no texto constitucional podem mudar de sentidos, pois as palavras são convenções lingüísticas coletivas e variam ao sabor das circunstâncias sociais.

Sempre cito os termos “igualdade e dignidade” na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA no tocante à questão racial e à clivagem entre negros e brancos naquele País. Com efeito, a Suprema Corte daquele País já decidiu que a pessoa de cor negra não possui a mesma dignidade da pessoa de cor branca (caso Dred Scott, 1857). Posteriormente, meio século depois, a Suprema Corte evoluiu e reconheceu a igualdade entre os negros e brancos, mas desde que ficassem separados (caso Plessy v. Ferguson, 1896). Mais meio século, e finalmente decidiram que a pessoa de cor negra é tão digna quanto a pessoa de cor branca, merecendo, ambas, conviverem juntos (caso Brown, 1954).

Nessa perspectiva, a eventual imutabilidade das palavras contidas nos textos não implica a imutabilidade dos sentidos dos textos. O Direito é “organismo vivo”, é permanente experiência social e para sobreviver deve se adaptar. Quem não se adapta, quem não se movimenta, não sobrevive, morre.

O Tribunal deve se movimentar deve se adaptar aos novos tempos e a nova sociedade cada vez mais complexa, mais plural, mais posmoderna, onde as verdades e as certezas são fluídas e os valores estão menos sólidos.

Nessa linha, o advogado, para convencer o magistrado e o Tribunal, deve conhecer o texto normativo, deve conhecer os precedentes do Tribunal e conhecer as manifestações individuais do magistrado.

Para vencer uma causa, o advogado deve apelar para a coerência da Corte e para a coerência individual do magistrado. Essa é a principal garantia e o maior patrimônio de um Tribunal e de um juiz: a respeitabilidade e a coerência, inclusive nos “erros” e nas “injustiças”.

O Tribunal (ou o magistrado) pode evoluir? Pode mudar de entendimento? Sim, pode, mas deve convencer e justificar adequadamente as razões de sua mudança ou de sua evolução.

A jurisprudência não pode ter a estabilidade das nuvens. O Tribunal deve ser coerente, deve passar uma mensagem de certeza, de previsibilidade e de segurança, pois deve permitir que as pessoas e as instituições “calculem” as conseqüências de suas escolhas normativas.

A atuação judicial do Supremo Tribunal Federal e do papel do advogado
Segundo Antonio Umberto de Souza Jr., o Supremo Tribunal Federal deve superar a “síndrome de gata borralheira para vivenciar o sonho de Cinderela”. Ou seja, para o Tribunal participar “do baile” das grandes causas, deverá agir como “gata borralheira” e julgar a imensa e azafamática pletora de Habeas Corpus e Agravos.

Com efeito, no Informativo 591 do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br), o Tribunal apreciou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que apreciou um acórdão do Tribunal de Justiça que apreciou uma decisão de Juiz Monocrático se um cigarro de maconha se caracteriza como uma falta média ou grave de um reeducando. Ou seja, quatro instâncias judiciais por algo irrelevante.

Nada obstante o enxame de questões irrelevantes, o Supremo Tribunal Federal tem sido convidado a atuar em questões importantes. Essa atuação enseja um ativismo ou um arbítrio judicial? Se o Tribunal julgar de acordo com o ordenamento jurídico é ativismo. Se julgar fora do ordenamento jurídico é arbítrio.

Caso de ativismo judicial: mudança de orientação no mandado de injunção (MMII 670 e 718).

Caso de arbítrio: precatório judiciário de empresas públicas e sociedades de economia mista (RREE 220.906 e 599.628), a despeito do disposto nos artigos 100 e 173, parágrafo 2º, Constituição Federal.

Como deve proceder o advogado para vencer uma demanda no Supremo Tribunal Federal?

Deve fazer uma análise minuciosa de precedentes similares. Deve analisar com atenção as manifestações dos Ministros em temas ou questões similares. Bater, com firmeza, nas seguintes “teclas”: (a) da indispensável obediência ao texto normativo; (b) do indispensável respeito aos precedentes e à coerência da Corte (certeza, segurança e previsibilidade) e; (c) da homenagem ao uma metodologia constitucional adequada para a solução do caso concreto, tendo em perspectiva a sistematicidade constitucional

Deve o advogado argumentar, com vigor, levando em consideração: (a) as circunstâncias fáticas; (b) os valores sociais institucionalizados e protegidos no ordenamento jurídicos; e (c) os enunciados prescritos no texto constitucional e nos demais diplomas normativos, bem como nos precedentes jurisprudenciais. Deve o distribuir memoriais (breve, sintético, analítico etc.), pedir audiências com os Ministros e defesa oral na Tribuna da Corte. Também deve ter absoluto respeito e consideração pela parte adversária e pelos outros colegas advogados adversários na demanda.

Esperança realista
Apesar de todas as dificuldades e de todos os eventuais dissabores, a advocacia requer paixão e entusiasmo, no sentido de absoluta dedicação à causa e devemos acreditar na força dos nossos argumentos e devemos ter fé em nosso trabalho.

E ainda que o advogado saiba que os seus argumentos sejam infrutíferos, ele não pode abandonar o seu cliente nem a causa que abraçou e jurou defender.

Peço licença para finalizar recordando o que disse Evandro Lins acerca de Sobral Pinto (dois monstros da advocacia brasileira), nos períodos sombrios da ditadura Vargas em defesa dos presos políticos: “Nas horas agudas da repressão política, o arbítrio é ilimitado e é irracional a ação dos verdugos. O papel do advogado é muito importante e não apenas ilusório, nesses momentos, com a simples ação de sua presença. É conforto para o preso, esperança para a família e temor para o carrasco”.
Anuário da Justiça São Paulo 2010: a mais completa radiografia do Judiciário Paulista
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Luís Carlos Martins Alves Jr. é professor de Direito Constitucional no Centro Universitário de Brasília, procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Exame de Ordem

Notícia veiculada no site Conjur informa que o Ministro Peluso, em decisão monocrática, suspendeu a liminar concedida pelo TRF da 5ª Região que autorizava dois bacharéis a se inscreverem nos quadros da OAB sem aprovação prévia no exame de ordem.
Como já foi reconhecida a Repercussão Geral sobre o tema, matéria fica sob o crivo do Pleno.

Suspensa liminar que autorizava inscrição na OAB
Por Mariana Ghirello

O presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso, suspendeu a liminar que obrigava a Ordem dos Advogados do Brasil a inscrever dois bacharéis em Direito em seus quadros sem que tenham sido aprovados no Exame de Ordem. A liminar foi concedida pelo desembargador Vladimir Souza Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. No processo, a OAB afirma que a liminar causa grave lesão à ordem pública, jurídica e administrativa, afetando não somente a entidade, mas toda a sociedade.

O ministro suspendeu a execução da liminar, que permitia a inscrição dos bacharéis, até a decisão final no processo da OAB. "(...) Ante o exposto, defiro o pedido, para suspender a execução da liminar concedida nos autos do Agravo de Instrumento 0019460-45.2010.4.05.0000, até o trânsito em julgado ou ulterior deliberação desta Corte", diz trecho do despacho do presidente do Supremo.

De acordo com autos, os dois bacharéis em Direito ingressaram com Mandado de Segurança na Justiça Federal do Ceará para poderem se inscrever na OAB sem a prévia aprovação no Exame de Ordem. Para isso, alegaram que a exigência é inconstitucional, usurpa a competência do presidente da República e afronta a isonomia com as demais profissões de nível superior e a autonomia universitária.

Em primeiro grau, o juiz federal negou o pedido de liminar, por entender que a liberdade profissional prevista na Constituição está condicionada às qualificações profissionais que a lei estabelecer — no caso, a Lei 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. "Não tenho receio de afirmar tratar-se de medida salutar para aquilatar um preparo mínimo do profissional, bem como para auxiliar na avaliação da qualidade de ensino dos cursos de Direito, os quais se proliferam a cada dia", afirmou o juiz-substituto Felini de Oliveira Wanderley.

Os bacharéis recorreram e, individualmente, o desembargador Vladimir Souza Carvalho concedeu a liminar. Ele salientou que a advocacia é a única profissão no país em que, apesar de possuir o diploma do curso superior, o bacharel precisa submeter-se a um exame. Para o desembargador, isso fere o princípio da isonomia.

Carvalho também destacou que a regulamentação da lei é tarefa do presidente da República e não pode ser delegada ao Conselho Federal da OAB. Além disso, a área das instituições de ensino superior estaria sendo "invadida", com usurpação de poder por parte da entidade de classe.

O processo subiu para o Superior Tribunal de Justiça, mas o presidente da corte, ministro Ari Pargendler, enviou o processo ao STF por entender que a discussão é de caráter constitucional. Acrescentou que a Suprema Corte já deu status de Repercussão Geral à matéria, no Recurso Extraordinário 603.583.

Souza Carvalho determinou que os bacharéis em Direito sejam inscritos na OAB do Ceará "sem a necessidade de se submeterem ao Exame da Ordem". Os bacharéis apontaram a inconstitucionalidade da exigência de prévia aprovação em exame como condição para inscrição nos quadros da OAB e exercício profissional da advocacia.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, considerou positiva a suspensão da liminar pelo ministro Cezar Peluso. Para ele, a decisão reafirma a importância do exame de Ordem. "A decisão garante, ainda, que a qualidade do ensino jurídico deve ser preservada na medida em que o advogado defende bens fundamentais aos cidadãos. Aqueles que fazem um curso de Direito de qualidade e se dedicam aos estudos são aprovados no Exame de Ordem", disse.