sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Adoniran Barbosa

Tendo em vista a recente postagem desse antológico vídeo de Elis com Adoniran, colaciono texto de Marcelo Semer sobre Adoniran Barbosa.


quarta-feira, 11 de agosto de 2010
....cem anos de Adoniran, o Carlitos do samba....

Adoniran Barbosa introduziu o excluído como personagem principal da cidade, o caipira urbano. Cantou os deserdados do progresso, os que sofreram com o crescimento sem tomar carona nele. Foi a mais completa tradução de Sampa.








Seria difícil não se comover com as histórias de uma mulher que morre atropelada vinte dias antes de seu casamento, de uma família despejada em reintegração de posse sem lugar para viver ou do morador de favela que vê seu barraco inteiro tragado por um enorme temporal.

Mas quando elas nos são contadas, e em especial cantadas, por Adoniran Barbosa, a agonia e a graça se misturam e nos fazem sorrir ao mesmo tempo em que nos tornam próximos das tragédias e mazelas de São Paulo, que ele conheceu e compôs como ninguém.

O tragicômico é assinalado com uma simplicidade nada menos que genial.

Em uma espécie de resignação sempre resistente, Adoniran reintroduziu o excluído como personagem principal da cidade. É ao redor dele, que ela ganha vida.

Adoniran cunhou seu Carlitos no samba - o adorável vagabundo, que nos faz rir com seu empenho e seu fracasso, sua fragilidade para enfrentar as violências, injustiças e intempéries da grande cidade. Ora boêmio, ora trabalhador, mas sempre um pobre com dignidade e bom coração.

Como Chaplin, Adoniran também misturou, ele mesmo, artista e personagem. Terno, chapéu e a eterna gravata borboleta se combinavam com a deliciosa e inconfundível linguagem, meio italiana, meio inculta, que dizia encontrar pelas ruas do Bexiga.

Como o matuto Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, Adoniran recriou o caipira na cidade grande.

Neste agosto, a contar-se pelos registros legais, Adoniran estaria fazendo cem anos. Mas ele está é fazendo falta. Um pouco da São Paulo antiga se foi com ele. A luz do lampião que não mais nos 'alumeia'.

Adoniran foi poeta grande da gente pobre. Seu habitat eram malocas e favelas, moradas de baixo custo e de quase nenhuma proteção.

Seus personagens serventes, engraxates, camelôs, jardineiros ou operários foram os portadores da poética do humilde, na qual um apaixonado faz aliança para a noiva com a corda do cavaquinho, o abraço é mais apertado, por que não usa "as bleques tais" e a solidariedade infinita, a ponto de quem está na desgraça enxergar um necessitado em situação ainda pior a quem deve ajudar.

É um samba da tristeza, mas, sobretudo, da saudade.

De quem viveu, mesmo na maloca, os melhores dias das suas vidas. Ainda assim, é um samba que nos delicia e faz rir dos erros, dos tropeços e gafes de seus Jocas, Matogrossos e de seus inúmeros Joãos.

Adoniran captou como poucos a sensação da exclusão, de quem foi sendo largado pelo caminho. A perda, a inadequação, o desconforto dos que sofreram com a industrialização e o crescimento, sem tomar carona nele.

O sentimento de estrangeiro em sua própria cidade, vítima desprotegida das transformações que os afastam ainda mais de seus modestos espaços.

Os barracos são derrubados para subirem os 'adifícios artos'.

A praça da Sé é modernizada e vira madame. Não tem mais o relógio para os namorados, o jornaleiro, o engraxate jogando cacheta o dia inteiro -ressabiado, ele recomenda: vai ver, mas não vai sozinho para não se perder.

A estação do trem do bairro que é 'pinchada' ao chão, para mais tarde fazer surgir o Metrô.

Tempos modernos. Adoniran cantou os deserdados da ordem e os excluídos do progresso.

A simplicidade, no entanto, escondeu um artista genial.

Um letrista incomparável que ultrapassou as regras da língua para atingir rimas inesquecíveis: a bala do revórver, as 'hora que vareia' e Pafunça, cujo desprezo comparou a de um 'alevador que num fununça'.

Como gostava de dizer, é preciso saber falar errado.

Adoniran fez do popular, clássico, mas ninguém desaprendeu com ele.

A truculência da censura viu uma péssima influência no português caricaturado de Samba do Arnesto. Ele apenas retrucou com sabedoria: vou esperar a burrice passar. Felizmente, ela passou.

Adoniran é dono de uma biografia quase nada autorizada.

Seu nome, conta-se, é uma apropriação de um colega de boemia e um sambista. João Rubinato ficou apenas nos documentos. Nestes, nem sua data de nascimento é confiável. Na vida, se confunde com o personagem que criou. Por isso, ninguém cantou Adoniran como Adoniran.

Também ninguém cantou São Paulo o tanto quanto ele.

Jaçanã, Bexiga, Casa Verde, Mooca e o Brás. Ermelindo Matarazzo, Vila Ré e uma nostálgica Vila Esperança. Esquadrinhou cada um dos lugares do centro velho: Praça da Sé, Viaduto Santa Efigênia, Praça da Bandeira, Praça Júlio de Mesquita, Rua dos Gusmões. E quando saiu de São Paulo, num dia de praia, só podia mesmo ter ido ao Guarujá.

O espaço se fez tão importante quanto a língua. Quase não há músicas sem referências a bairros, ruas e vilas desta cidade na qual se abrigou por inteiro. Como Woody Allen, em Nova York, a figura de Adoniran é indissociável de Sampa.

Foi a nossa mais completa tradução, apesar de ter nascido no interior.

Mas nenhum estudo, palavra, ensaio ou artigo, é mesmo capaz de reproduzir a mínima parte da emoção que se tem em ouvir suas músicas.

Afinal, como ele mesmo cantou, "quem gosta de discurso é orador, quem gosta de conversa é camelô".
Postado por Marcelo Semer às 18:42

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Eros Roberto Grau - Estadão on line

Entrevista com Eros Grau no Estadão on line. Para o Ex-ministro do STF, a Lei da Ficha Limpa é "deslavadamente inconstitucional".

'Lei da Ficha Limpa põe em risco o estado de direito'
Eros Roberto Grau. Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal
03 de agosto de 2010 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo

Eros Roberto Grau deixou ontem a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) convencido de que a Lei da Ficha Limpa põe "em risco" o Estado de Direito. Ele acusa o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de ignorar o princípio da irretroatividade das leis. "Há muitas moralidades. Se cada um pretender afirmar a sua, é bom sairmos por aí, cada qual com seu porrete. Estou convencido de que a Lei Complementar 135 é francamente, deslavadamente inconstitucional."


O ministro sai do Supremo, após quase seis anos na mais alta instância da Justiça, onde chegou por indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em junho de 2004. Em entrevista ao Estado, Eros Grau critica também as transmissões dos julgamentos. "Isso só vai acabar no dia em que um maluco que se sentir prejudicado agredir ou der um tiro num ministro", afirmou.

O senhor deu várias demonstrações de cansaço no STF. O que o desanimou?

O fato de as sessões serem transmitidas atrapalha muito, porque algumas vezes o membro do tribunal se sente, por alguma razão, compelido a reafirmar pontos de vista. Existem processos que poderiam ser julgados com maior rapidez. Muitas vezes a coisa fica repetitiva e poderia ser mais objetiva.

O senhor é contra as transmissões?

Essa prática de televisionar as sessões é injustificável. O magistrado não deve se deixar tocar por qualquer tipo de apelo, seja do governo, seja da mídia, seja da opinião pública. Tem que se dar publicidade à decisão, não ao debate que pode ser envenenado de quando em quando. Acaba se transformando numa sessão de exibicionismo.

Existe a possibilidade de o tribunal deixar de exibir as sessões ao vivo?

Isso só vai acabar no dia em que um maluco que se sentir prejudicado agredir ou der um tiro num ministro. Isso pode acontecer em algum momento. Até que isso aconteça, haverá transmissão. Depois não haverá mais.

Em algum momento o senhor foi abordado na rua dessa forma?

Eu estava no aeroporto de Brasília com a minha mulher, depois do julgamento da lei de anistia, e veio uma maluca gritando, dizendo: "aí, está protegendo torturador". Foi a única vez que me senti acossado.

Para Eros Grau, o que é ficha limpa?

"Ficha limpa" é qualquer cidadão que não tenha sido condenado por sentença judicial transitada em julgado. A Constituição do Brasil diz isso, com todas as letras.

Políticos corruptos não são uma ameaça aos cofres públicos e ao estado de direito?

Sim, sem nenhuma dúvida. Políticos corruptos pervertem, são terrivelmente nocivos. Mas só podemos afirmar que este ou aquele político é corrupto após o trânsito em julgado, em relação a ele, de sentença penal condenatória. Sujeitá-los a qualquer pena antes disso, como está na Lei Complementar 135 (Ficha Limpa), é colocar em risco o estado de direito. É isto que me põe medo.

O que está em jogo não é a moralidade pública?

Sim, é a moralidade pública. Mas a moralidade pública é moralidade segundo os padrões e limites do estado de direito. Essa é uma conquista da humanidade. Julgar à margem da Constituição e da legalidade é inadmissível. Qual moralidade? A sua ou a minha? Há muitas moralidades. Se cada um pretender afirmar a sua, é bom sairmos por aí, cada qual com seu porrete. Vamos nos linchar uns aos outros. Para impedir isso existe o direito. Sem a segurança instalada pelo direito, será a desordem. A moralidade tem como um de seus pressupostos, no estado de direito, a presunção de não culpabilidade.

A profusão de liminares concedidas a candidatos, inclusive pelo Supremo, não confunde o eleitor?

Creio que não. Juízes independentes não temem tomar decisões impopulares. Não importa que a opinião publicada pela imprensa não as aprove, desde que elas sejam adequadas à Constituição. O juiz que decide segundo o gosto da mídia não honra seu ofício. De mais a mais, eleitor não é imbecil. Não se pode negar a ele o direito de escolher o candidato que deseja eleger.

Muitos partidos registraram centenas de candidaturas mesmo sabendo que elas poderiam ser enquadradas na Lei 135/2010, que barra políticos condenados por improbidade ou crime. Não lhe parece que os partidos estão claramente atropelando a Lei da Ficha Limpa, esperando as bênçãos do Judiciário?

Não, certamente. O Judiciário não existe para abençoar, mas para aplicar o direito e a Constituição. Muito pior do que corrupto seria um juiz, medroso, que abençoasse. Estou convencido de que a Lei Complementar 135 é francamente, deslavadamente inconstitucional.

Como aguardar pelo trânsito em julgado se na esmagadora maioria das ações ele é inatingível?

O trânsito em julgado não é inatingível. Pode ser demorado, mas as garantias e as liberdades públicas exigem que os ritos processuais sejam rigorosamente observados.

A Lei da Ficha Limpa é resultado de grande apelo popular ao qual o Congresso se curvou. O interesse público não é o mais importante?

Grandes apelos populares são impiedosos, podem conduzir a chacinas irreversíveis, linchamentos. O Poder Judiciário existe, nas democracias, para impedir esses excessos, especialmente se o Congresso os subscrever.

Não teme que a Justiça decepcione o País?

Não temo. Decepcionaria se negasse a Constituição. Temo, sim, estarmos na véspera de uma escalada contra a democracia. Hoje, o sacrifício do direito de ser eleito. Amanhã, o sacrifício do habeas corpus. A suposição de que o habeas corpus só existe para soltar culpados levará fatalmente, se o Judiciário nos faltar, ao estado de sítio.

O senhor teme realmente uma escalada contra a democracia?

Temo, seriamente, de verdade. O perecimento das democracias começa assim. Estamos correndo sérios riscos. A escalada contra ela castra primeiro os direitos políticos, em seguida as garantias de liberdade. Pode estar começando, entre nós, com essa lei. A seguir, por conta dessa ou daquela moralidade, virá a censura das canções, do teatro. Depois de amanhã, se o Judiciário não der um basta a essa insensatez, os livros estarão sendo queimados, pode crer.

Por que o Supremo Tribunal Federal nunca, ou raramente, condena gestores públicos acusados por improbidade ou peculato?

Porque entendeu, inúmeras vezes, que não havia fundamentos ou provas para condenar.

Que críticas o senhor faz à forma do Judiciário decidir?

As circunstâncias históricas ensejaram que o Judiciário assumisse uma importância cada vez maior. Isso pode conduzir a excessos. O juiz dizer que uma lei não é razoável! Ele só pode dizer isso se ele for deputado ou senador. Os ministros não podem atravessar a praça (dos Três Poderes, que separa o Supremo do Congresso). Eu disse muitas vezes isso lá: isso é subjetivismo. O direito moderno é a substituição da vontade do rei pela vontade da lei. Agora, o que se pretende é que o juiz do Supremo seja o rei. É voltar ao século 16, jogar fora as conquistas da democracia. Isso é um grande perigo.

Isso tem acontecido?

Lógico. Inúmeras vezes o tribunal decidiu, dizendo que a lei não é razoável. Isso me causa um frio na espinha. O Judiciário tem que fazer o que sempre fez: analisar a constitucionalidade das leis. E não se substituir ao legislador. Não fomos eleitos.

O senhor tem coragem de votar em um político com ficha suja?

Entendido que "ficha-suja" é unicamente quem tenha sido condenado por sentença judicial transitada em julgado, certamente não votarei em um deles. Importante, no entanto, é que eu possa exercer o direito de votar com absoluta liberdade, inclusive para votar em quem não deva.

O senhor está deixando o STF. Retoma a advocacia? Aceitará como cliente de sua banca um folha corrida?

Terei mais tempo para ler e estudar. Escrever também, fazer literatura. E trabalhar com o direito. Para defender quem tenha algum direito a reclamar, desde que eu me convença de que esse direito seja legítimo. Ainda que se o chame de "folha corrida".

E para Brasília o senhor pretende voltar?

Brasília é uma cidade afogada, seca, onde você não é uma pessoa, você é um cargo.




segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Defesa técnica - Remissão - ECA

TJ/RS

ECA. HOMOLOGAÇÃO DE REMISSÃO CUMULADA COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE SEM A PRESENÇA DE DEFENSOR - Não é possível homologar remissão concedida à adolescente, cujos pais não foram instruídos por defensor, face ao princípio constitucional de ampla defesa.
IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL CUMULADA COM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PARA MEDIDA DE INTERNAÇÃO – Para a conversão da remissão cumulada com prestação de serviços a comunidade para a medida de internação deverá ser instaurado o procedimento pertinente ao devido processo legal.
NECESSIDADE DE OITIVA DO MENOR PARA REGRESSÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA - Está consolidada na jurisprudência a imprescindibilidade da oitiva do menor para se realizar a regressão de medida sócio-educativa. A inobservância desta formalidade leva a anulação do ato, pois viola garantia da ampla defesa e do contraditório, impossibilitando o adolescente apresentar sua justificativa quanto ao eventual descumprimento das condições da medida estipulada. ORDEM CONCEDIDA. UNÂNIME.


HABEAS CORPUS
SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL

N 70004531497
SÃO FRANCISCO DE PAULA

M.T.. IMPETRANTE
Z.L.C.. PACIENTE
J.D.V.I.J. S.F.P.. COATORA

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os integrantes da Segunda Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, conceder a ordem.
Custas, na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Guinther Spode, Presidente, e a Dra. Ana Beatriz Iser, Juíza de Direito convocada.

Porto Alegre, 29 de julho de 2002.



MARIO CRESPO BRUM,
Relator.

RELATÓRIO

MARIO CRESPO BRUM (RELATOR) –
Trata-se de habeas corpus impetrado por MARCELO TURELA, em favor de ZILBER LUIS DE CONCEIÇÃO, alegando que o jovem está sofrendo coação ilegal por ato emanado do Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Francisco de Paula.
Aponta como ilegalidades: a homologação de remissão sem o acompanhamento de defensor; a conversão da medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade, decorrente de remissão, para internação, bem como determinação de internação sem oitiva do adolescente. Requer a concessão da ordem a fim de que seja o jovem liberado de sua internação.
Foram juntadas cópias de peças, inclusive da decisão atacada (fl. 18/20).
A autoridade apontada como coatora, a Magistrada da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Francisco de Paula, enviou as informações requisitadas (fls. 25/38).
A liminar foi deferida (fls. 43/44).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.

VOTO

MARIO CRESPO BRUM (RELATOR) –
Verifica-se dos documentos de fl. 13/17, que foi homologada remissão cumulada com prestação de serviços à comunidade ao adolescente, em que os pais deste não foram assistidos por defensor, ensejando ilegalidade.
Em recente reunião do Conselho de Supervisão da Infância e Juventude, realizada no dia 21/07/02, foi editado o enunciado de nº 1, o qual estabelece:
"Estará constitucionalmente apta a receber homologação judicial apenas a remissão transacionada entre o Ministério Público, adolescente autor de ato infracional, seus pais ou responsável, desde que estes tenham sido assistidos por advogado ou defensor público.
Deliberado na Reunião do CONSIJ, em 21/07/02. Unânime."

De acordo com o enunciado, não é possível homologar remissão concedida à adolescente, cujos pais não foram instruídos por defensor, sob pena de eiva de ordem constitucional.
Adotando o posicionamento transcrito, tenho que a decisão homologatória deva ser desconstituída, a fim de se garantir a aplicação do princípio da ampla defesa ao menor. Dessa forma, o feito deve ser anulado ab initio, pois da concessão da remissão partiram todos os atos do procedimento, inclusive a internação do adolescente.
Por outro lado, ainda que se quisesse aceitá-la como válida, sua conversão para medida de internação (decisão de fls. 18/20) é ilegal. No instituto da remissão não há exame do mérito. Não implica o reconhecimento ou comprovação de responsabilidade, nem prevalece para efeitos de antecedentes. Com ela, pode ser incluída, eventualmente, a aplicação de quaisquer das medidas sócio-educativas, exceto a semiliberdade e a internação, como prevê o artigo 127 do ECA.
Estabeleceu este artigo limites à atuação ministerial e judicial, quando se trata de aplicação de medidas sem o devido processo legal, sem o exame do mérito da conduta infracional imputada.
Conforme leciona Julio Fabrini Mirabete:

“Fica ao prudente arbítrio do magistrado a aplicação de uma medida sócio-educativa, mais drástica, com exclusão da advertência, sendo de observar que para ser imposta medida de semi-liberdade ou internação, deverá ser instaurado o procedimento pertinente ao devido processo legal, art. 140, 141 e 182 a 190” (Júlio Fabrini Mirabete, do Ministério Público de São Paulo, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, sob a coordenação de Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, pg. 387/388).

Desta forma, não há dúvida de que a conversão da remissão cumulada com prestação de serviço à comunidade para medida sócio-educativa de internação é ilegal.
Também não se pode olvidar, que a regressão da medida sócio-educativa foi realizada sem inquirir-se o jovem. Já esta consolidada na jurisprudência a imprescindibilidade da oitiva do menor para tal ato. Há inclusive a súmula 265 do STJ neste sentido:

“É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa”.

É evidente que a inobservância dessa formalidade leva a anulação do ato, pois viola garantia da ampla defesa e do contraditório, impossibilitando o adolescente apresentar sua justificativa quanto ao eventual descumprimento das condições da medida estipulada.
Nesse sentido:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL. REGRESSAO. INTERNAMENTO. A DETERMINACAO DE REGRESSAO DE MEDIDAS RECLAMA A OITIVA DO MENOR INFRATOR PARA QUE SE MANIFESTE A RESPEITO DO DESCUMPRIMENTO, ASSEGURANDO-LHE O EXERCICIO DO DIREITO DE DEFESA E O ACOMPANHAMENTO DE CURADOR, SOB PENA DE NULIDADE. O ACOMPANHAMENTO DE DEFENSOR E IMPOSITIVO DESDE A INSTAURACAO DO PROCESSO DE APURACAO DE ATO INFRACIONAL. CONCEDEREM A ORDEM. (HABEAS CORPUS Nº 70002100485, SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. MARILENE BONZANINI BERNARDI, JULGADO EM 28/03/01)”

“EMENTA:ECA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE INTERNAÇÃO. FALTA DE OITIVA DO MENOR INFRATOR.
I - A decisão que determina a regressão da medida de semiliberdade para a de internação, por acarretar restrição ao status libertatis, não pode prescindir da oitiva do menor infrator (art. 110 e 111, V, do ECA).
II – A internação e a conseqüente expedição do mandado de busca e apreensão só podem ser determinadas em caráter provisório, a fim de que o menor seja encontrado e venha a se justificar.(STJ - T5 - QUINTA TURMA - RHC 9916/SP - 2000/0037154-8)”


“EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. REGRESSÃO DA SEMILIBERDADE PARA INTERNAÇÃO.
1. A regressão de medida sócio-educativa está sujeita às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
caracterizando-se constrangimento ilegal a sua decretação sem a oitiva do adolescente e a manifestação de seu defensor.
2. Ordem concedida. (STJ - T6 – SEXTA TURMA - HC 12839/SP - HABEAS CORPUS - 2000/0033322-0 ).

Por todo o exposto, é de ser desconstituído todo o procedimento.
Assim, concedo a ordem para o fim de desconstituir o procedimento desde seu início.
É o voto.

DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) – De acordo.


DRA. ANA BEATRIZ ISER – De acordo.



DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) – HABEAS CORPUS Nº 70004531497, de São Francisco de Paula: À UNANIMIDADE, CONCEDERAM A ORDEM.