quinta-feira, 29 de julho de 2010

Anulação de sentença de pronúncia - STJ

Juízo de valor
Excesso de linguagem de juiz faz STJ anular sentença

Com base no voto do ministro Jorge Mussi, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou uma sentença de pronúncia do juízo singular. A redação da decisão, segundo a turma, poderia influenciar desfavoravelmente o Tribunal de Júri, por pecar pelo excesso de linguagem do juiz. Nas palavras do ministro, “o juízo singular teceu manifestações diretas acerca do mérito da acusação capazes de exercer influência no espírito dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de cuidado no emprego dos termos, sendo constatado o alegado excesso de linguagem na decisão singular, motivo pelo qual se vislumbra o aventado constrangimento ilegal”.

A sentença se refere ao caso de Valmir Gonçalves, conhecido como Miró. Ele é acusado pelo assassinato de Carlos Alberto de Oliveira e pelo crime de lesão corporal contra Maria Barbosa, mulher da vítima. Em setembro de 2005, em Florianópolis, Miró e Carlos Alberto entraram em luta corporal, o que acabou resultando na morte do segundo, que foi assassinado a facadas. Além disso, Miró teria empurrado a mulher de Carlos Alberto contra um portão. Ele é acusado pelos crimes previstos no artigo 121 do Código Penal e aguarda o julgamento de Tribunal do Júri.

A defesa de Miró considerou que o magistrado utilizou juízo de valor na decisão de pronúncia. O excesso de linguagem e a falta de imparcialidade poderiam influenciar os jurados que irão compor o Conselho de Sentença, segundo a defesa. Por isso, os advogados apresentaram recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Porém, o TJ catarinense não acolheu a tese de constrangimento legal e de nulidade da sentença, mantendo-a em sua forma integral.

A saída encontrada pela defesa foi apelar ao STJ. Nos autos, escreveram ser “flagrante o excesso de linguagem utilizada pelo juízo singular”. Além disso, a redação da decisão, ao se aprofundar no exame das provas e na exposição da opinião do magistrado, era fator prejudicial à defesa. No pedido de concessão de Habeas Corpus, havia o requerimento de suspensão dos prazos recursais até o julgamento definitivo do recurso e a declaração de nulidade da sentença de pronúncia. Constava, ainda, a solicitação de elaboração de uma nova decisão provisional.

O ministro Jorge Mussi explicou que os jurados têm acesso à sentença de pronúncia do réu, já que os autos ficam à disposição deles. É a partir desses documentos que eles redigem as perguntas que farão às testemunhas e ao acusado. Levando isso em conta, em seu voto, o ministro declarou que “nesse caso, é mais um fator para que decisão de juízo singular seja redigida em termos sóbrios e técnicos, sem excessos, para que não se corra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular, bem justificando o exame da existência ou não de vício na inicial contestada”.

Para o relator, é clara a manifestação das convicções do magistrado na sentença. Ele considerou válidos os argumentos do acusado. “Baseado nas considerações feitas e na leitura da peça processual atacada, verifica-se que, na presente hipótese, o juízo singular manifestou verdadeiro juízo de valor sobre as provas produzidas nos autos, ao expressar, claramente e de forma direta, que seria impossível o acolhimento da tese de legítima defesa. Desse modo, afrontou a soberania dos veredictos da corte popular ao imiscuir-se no âmbito de cognição exclusivo do Tribunal do Júri”.

Por fim, Miró teve seu pedido de concessão de Habeas Corpus atendido. Outra decisão de pronúncia deve ser proferida conforme os limites legais. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Editorial Estadão

O TST e os 'filtros' processuais
26 de julho de 2010 | 0h 00

Estado de S.Paulo

Previsto por uma Medida Provisória (MP) de 2001 e concebido para reduzir em cerca de 70% o volume de processos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o princípio da transcendência não será mais adotado pela Corte. Assim como o princípio da repercussão geral e o recurso repetitivo, que já foram adotados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o princípio da transcendência é uma espécie de filtro que não deixa chegar à última instância da Justiça do Trabalho recursos considerados pouco relevantes, que tratem de matérias já pacificadas pela jurisprudência e sobre as quais não há divergências doutrinárias entre os magistrados.


Com isso, os processos mais corriqueiros poderiam ser decididos em apenas duas instâncias - as Varas Trabalhistas e os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) -, o que facilitaria a formação de uma jurisprudência mais uniforme e mais sólida do que a atual, elaborada sob forte pressão do excesso de trabalho das instâncias superiores da magistratura trabalhista. Além disso, os 25 ministros do TST teriam mais tempo para se aprofundar nos casos considerados social e economicamente mais relevantes no relacionamento entre empregados e empregadores.


Presidida pelo vice-presidente do TST, João Oreste Dalazen, a comissão encarregada de elaborar o projeto de regulamentação desse filtro concluiu que sua implementação é impraticável, dada a complexidade da legislação processual trabalhista. "Cada processo contém geralmente mais de dez pedidos. É uma cumulação de ações, o que dificulta a seleção de um deles", diz o presidente da Corte, ministro Moura França. Ele também alega que, nos litígios trabalhistas, é difícil definir as ações que se enquadram nos conceitos de "repercussão econômica e social" mencionados pela MP que criou o princípio da transcendência.


Em 2007, uma outra comissão designada pela direção do TST para preparar um projeto de regulamentação desse mecanismo processual também havia chegado à mesma conclusão. Naquele ano, a Corte protocolou mais de 154 mil novos processos, que foram incorporados aos cerca de 243 mil que já tramitavam. Em 2009, o TST recebeu cerca de 204,1 mil novas ações para julgar - ante 183,2 mil, em 2008. A carga de trabalho é tão grande que 14 ministros já chegaram a receber, num único dia, cerca de 10 mil processos para relatar.


Com um total de 265,8 mil processos solucionados em caráter definitivo, em 2009 o TST bateu o recorde de julgamentos desde que começou a funcionar, há mais de seis décadas. E, por mais que venha acelerando a velocidade dos julgamentos, reduzindo o número de recursos à espera de decisão e registrando um índice anual médio de aumento de produtividade de 19%, a última instância da Justiça do Trabalho continua abarrotada de processos.


Adotado em vários países desenvolvidos, o princípio da transcendência era a grande esperança para acabar com os recursos de caráter protelatório apresentados por advogados de empresas e, com isso, descongestionar o TST. Pelas estatísticas da Corte, 80% dos casos dizem respeito a recursos interpostos por empresas de médio e grande portes contra decisões dos TRTs. Os 20% restantes são recursos protocolados por trabalhadores mais qualificados, a maioria com ensino superior, e que dispõem de condições financeiras para contratar advogados que defendam seus interesses num tribunal sediado no Distrito Federal.


É paradoxal que um dos mecanismos processuais mais reivindicados pelo TST, ao longo da década, seja descartado na fase de regulamentação. Como alternativa, a comissão presidida pelo ministro Dalazen vai sugerir outro tipo de filtro - a chamada "súmula impeditiva". Já adotada pelo STJ, ela proíbe a apresentação de recurso contra decisões que seguem o entendimento de matérias pacificadas pela Corte. Segundo o presidente do TST, a súmula também ajuda a coibir os recursos protelatórios. O problema é que sua adoção depende de projeto de lei, cuja tramitação deve ser demorada. Na prática, quase dez anos após a aprovação do princípio da transcendência, o TST volta à estaca zero em matéria de filtro judicial.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Do blog do Juiz Rosivaldo Toscano

INDIGNAÇÃO - POR ROSIVALDO TOSCANO

“As leis são as teias de aranha pelas quais as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas.”
BALZAC (1799-1850).


Sai no jornal: Mais uma fuga do presídio.
A João Chaves é o inferno neste mundo;
É Hamurabi retornando do esquecido
E propalando o animalismo mais profundo.

Combate, ó norma, o que gera o criminoso,
Seja a miséria, o abandono, o desengano.
Traz para o pobre a esperança de algo novo
Não só nascer, crescer e ver passarem os anos...

Que teia é esta que só prende os vaga-lumes ?
E as gravatas agem livres e impunes.
É o Direito um inseticida social ?

Corrupção nos palacetes do poder,
Milhões nos campos sem ter nem o que comer:
Neste país o absurdo é tão normal!

Natal, março de 1994.

Informativo STF, nº 578.

SEGUNDA TURMA

Trancamento de Ação Penal e Falta de Justa Causa

Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar, em relação ao paciente, o trancamento de ação penal instaurada para apurar a suposta atuação de membros de conselho administrativo de determinado banco nas causas que teriam levado à liquidação forçada da instituição financeira (Lei 7.492/86, artigos 4º e 17), nos termos relatados por comissão de inquérito no âmbito do Banco Central do Brasil - BACEN. Salientou-se que o STF tem reafirmado a validade de denúncias que, embora resumidas na descrição dos fatos, basear-se-iam em relatório formulado por comissão de inquérito do BACEN. No entanto, aduziu-se que isso não significaria que a exordial acusatória, ao confiar a delimitação aprofundada dos fatos e provas ao conteúdo do relatório administrativo, estivesse dispensada dos requisitos mínimos de validade. Asseverou-se que, no caso, o Ministério Público se apoiara exclusivamente no relatório do BACEN, o qual, de maneira expressa, afirmara que o paciente não tomara posse no cargo de membro do conselho de administração. Em conseqüência, reputou-se que o paciente não teria nenhuma responsabilidade nos fatos investigados. HC 95507/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-95507)


NOTAS DA REDAÇÃO
Autor: Áurea Maria Ferraz de Sousa;

É possível se afirmar que a ação penal é direito que se consubstancia em forma de impulsionar a jurisdição penal, para solução de uma lide penal, ou seja, é o direito de ação que se concretiza na esfera processual penal. Constitucionalmente atribuída ao Ministério Público, a ação penal será, em regra, pública, salvo quando a lei expressamente a declarar privativa do ofendido, hipóteses nas quais o direito à intimidade da vítima, por exemplo, sobrepõe-se ao interesse público de punir o deliquente.

CF/ 88

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

(...)

CP

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Trata-se de um direito público, já que a atividade jurisdicional que se pretende provocar é de natureza pública, e subjetivo, pois seu titular (o Ministério Público) pode exigir do Estado a prestação jurisdicional. Não se confunde com o direito material tutelado, e por isso, é denominado direito autônomo, sendo também abstrato, vez que a existência do direito de ação independe da procedência ou improcedência do pedido.

A decisão objeto do presente informativo de jurisprudência tem como tema principal a análise das condições da ação penal. As condições da ação penal são requisitos que subordinam o exercício do direito de ação. Vale dizer, em princípio, as condições da ação são as mesmas nas esferas civil e penal: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a causa.

Neste sentido, dispõe o artigo 3º do Código de Processo Civil: Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade. No âmbito criminal, entretanto, o Código de Processo Penal sofreu recentes alterações no que tange à matéria. Vejamos.

O artigo 395, com a antiga redação dispunha que:

Art. 395. O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer alegações e arrolar testemunhas.

O artigo, com a redação supra transcrita, cuidava do instituto da defesa prévia que, com a reforma processual sofrida no ano de 2008 (Lei 11.719/2008), deixou de existir. Hoje, sua nova redação trata das hipóteses de rejeição da denúncia e queixa, da seguinte forma:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

A matéria era regulada, anteriormente, pelo artigo 43 (hoje revogado) com a seguinte redação:

Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Parágrafo único. Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

Pois bem. De acordo com a nova ordem jurídica, as hipóteses de rejeição da petição inicial do processo penal são:

I – Peça acusatória inepta. O entendimento que recai sobre o inciso I do artigo 395 é o de que será inepta a inicial que não atender aos requisitos do artigo 41, do CPP, que dispõe: “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimento pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Vale dizer que, majoritariamente, entende-se que a inépcia pode ser alegada até a prolação da sentença.

II – Ausência de condições da ação ou pressupostos processuais. As condições da ação, como se sabe, são a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade ad causam e o interesse de agir. Os pressupostos, por sua vez, são de existência e de validade. O processo existe se há uma demanda, com efetivo exercício da jurisdição (que pressupõe competência e imparcialidade de um juiz), bem como se há partes que possam estar em juízo. A validade, entretanto, liga-se à originalidade do processo, ou seja, não podem existir litispendência, nem coisa julgada sobre os fatos em apreço.

III – Faltar justa causa. A justa causa para o exercício da ação penal deve ser entendida como a exigência de um lastro mínimo para a deflagração de uma ação penal. Aqui deverão estar presentes, dentre outras exigências, o mínimo de convencimento possível sobre a materialidade e autoria do delito.

É com base nesta hipótese que a Suprema Corte concedeu ordem a habeas corpus impetrado contra ajuizamento de ação penal. Veja-se que, de acordo com os fundamentos colacionados no corpo do presente informativo de jurisprudência, é entendimento do STF que a denúncia é válida, embora traga resumidamente a descrição dos fatos, quando ela basear-se em relatórios formulados por comissões de inquérito, no caso específico, elaborados no âmbito do BACEN. Ocorre que, por ocasião da denúncia oferecida no caso que deu origem ao julgamento do HC 95507/SP, o rel. Min. Cezar Peluso esclareceu que, o Ministério Público teria se baseado exclusivamente no relatório do BACEN, sem que, contudo, nele estivessem presentes indícios suficientes à propositura da adequada ação penal.

De acordo com a redação do informativo, o relatório do BACEN, de maneira expressa, afirmou que o paciente não tomou posse no cargo de membro do conselho de administração, consequentemente, concluiu-se que o paciente não teve qualquer responsabilidade nos fatos investigados, carente assim a peça inicial do lastro mínimo exigido a legitimar ação penal, quanto à autoria do delito.

sábado, 10 de julho de 2010

Blog do Gerivaldo

Reproduzo a postagem do blog do Juiz Gerivaldo Neiva concedendo liberdade provisória; na decisão alega a incostitucionalidade do art. 44 da Lei 11.343, amparado em jurisprudência do STF.

Autos: 00016....0063
Requerente: E. J. P.




Tráfico. Prisão em flagrante. 19 gramas de cocaína. Ausência de laudo de constatação ou definitivo. Liberdade provisória. Réu primário, bons antecedentes e endereço certo. Repercussão Geral no STF. Inconstitucionalidade do artigo 44, da Lei 11.343/06. Ausência de razões para decretação de prisão preventiva. Liberdade concedida.


O requerente foi preso em flagrante ao ser abordado em via pública desta cidade por policiais militares e, em sua posse, no bolso de um blusão, encontrado um pequeno pacote de cocaína que seria entregue a usuário desta cidade. Em seguida, passados 06 (seis) dias da prisão em flagrante, conforme consta dos autos principais às fls. 21, o acusado foi conduzido à sua residência por agente policial e Delegado de Polícia “onde foi realizada uma busca nos armários, tendo o policial e o delegado encontrado o restante da droga, ou seja, três pacotes e uma balança de precisão”. Ao final, informou a autoridade policial a apreensão definitiva de 19 gramas de cocaína. (fls. 22).
Alegou o acusado que é primário, tem bons antecedentes, profissão e endereço certos, não havendo razões para decretação de sua prisão preventiva. Juntou os documentos de fls. 08 a 21.
O ilustre representante do Ministério Público, em parecer de fls. 25 e 26, manifestou-se pelo indeferimento do pedido, sob argumento de garantia da ordem pública. Preocupado com a segurança pública e aumento da criminalidade, argumentou o ilustre Promotor de Justiça:
“Esta cidade, bem como toda a região, vem sofrendo de um patente crescimento da criminalidade, afrouxar a segurança que vem se tentando imprimir na região é, ao nosso sentir, remar contra tudo o que se tem feito nesta direção. O crime perpetrado causa enorme insatisfação e incômodo à ordem pública. Atos desta natureza provocam na população local um sentimento de descrédito na lei e insufla a prática da justiça privada, instaurando verdadeiro caos social.” (fls. 25)


Brevemente relatados, decido.


Inicialmente, convém discutir acerca da possibilidade legal do pedido, ou seja, a concessão de liberdade provisória em crime de tráfico.
Pois bem, a divergência sobre o tema, principalmente no âmbito do STF, terminou resultando no reconhecimento da “repercussão geral”, em 10.09.2009, pelo Supremo, no RE 601384, ainda não apreciada definitivamente pelo Pleno do STF.


PRISÃO PREVENTIVA – FLAGRANTE – TRÁFICO DE DROGAS – FIANÇA VERSUS LIBERDADE PROVISÓRIA, ADMISSÃO DESTA ÚLTIMA – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de ser concedida liberdade provisória a preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas, considerada a cláusula constitucional vedadora da fiança nos crimes hediondos e equiparados. RE 601384 RG / RS - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator: Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 10/09/2009 0 – Publicação: 29.10.2009 - Parte(s): Recte.: Ministério Público Federal - Recdo.: Vanderlei Pereira - Adv.: Luisa Fernanda Silva dos Santos.
Pela inconstitucionalidade da proibição, merece destaque os argumentos expendidos em voto do eminente Ministro Eros Grau:


Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em decisão que indeferiu pleito cautelar em idêntica via processual.
O paciente foi preso em flagrante com 452,4g de maconha. O pedido de liberdade provisória restou indeferido.
O impetrante alega que o Juiz indeferiu a liberdade provisória com fundamento no artigo 44 da Lei nº 11.343/06, sem apresentar qualquer justificativa cautelar apta à manutenção da custódia do paciente.
Requer seja afastada a Súmula 691 deste Tribunal e concedida a liminar a fim de que o paciente seja posto em liberdade.
É o relatório.
O Supremo Tribunal Federal vem adotando o entendimento de que o preso em flagrante por tráfico de entorpecentes não tem direito à liberdade provisória, por expressa vedação do artigo 44 da Lei nº 11.343/06.
O Ministro Celso de Mello, no entanto, ao deferir a liminar requerida no HC n. 97.976-MG, DJ de 11/3/09, observou que o tema está a merecer reflexão por esta Corte. Eis, em síntese, a decisão de Sua Excelência:


"Habeas Corpus". Vedação legal absoluta, em caráter apriorístico, da concessão de liberdade provisória. Lei de drogas (art. 44). Inconstitucionalidade. Ofensa aos postulados constitucionais da presunção de inocência, do due process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, visto sob a perspectiva da proibição do excesso: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do estado. Precedente do Supremo Tribunal Federal: Adi 3.112/DF (Estatuto do Desarmamento, art. 21). Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Não se decreta prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao status libertatis daquele que a sofre. Irrelevância, para o efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de eventual reforço de argumentação acrescido por tribunais de jurisdição superior. Precedentes. Medida cautelar deferida.


A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável.
O Juiz negou a liberdade provisória ao paciente fundado tão-somente no artigo 44 da Lei nº 11.343/06 (fl. 25 do apenso -- numeração do STJ).
Excepciono a Súmula 691/STF e concedo a liminar a fim de que o paciente seja posto imediatamente em liberdade, até o julgamento definitivo deste habeas corpus. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2009. Ministro Eros Grau. - Relator -.


Mais recentemente, no julgamento do HC 101.261, o Ministro Celso de Mello, afirmou que “apenas a natureza do crime não justifica a manutenção da prisão cautelar e a proibição ‘apriorística’ de concessão de liberdade provisória não pode ser admitida, pois é manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do ‘due process’ (devido processo legal), dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito”. Observou anda o eminente Ministro que “no curso de processos penais, o Poder Público não pode agir ‘imoderadamente’, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade”.
Por fim, para o ministro Celso de Mello, é inadequada a fundamentação da prisão com base no artigo 44 da Lei de Tóxicos, principalmente, depois de editada a Lei 11.464/2007, “que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que a paciente deveria ser mantida presa, ‘ante a imensa repercussão e o evidente clamor público’ e para ‘acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça’.” (fonte: http://www.conjur.com.br/2009-nov-13/stf-concede-liberdade-presa-provisoria-trafico-drogas).
No mesmo entendimento, mais recentemente ainda (09.03.2010), entendeu o STJ que é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006.


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CUSTÓDIA MANTIDA EM RAZÃO DA VEDAÇÃO LEGAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
1 - A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado, ressalvado o meu entendimento pessoal, que, mesmo na hipótese de crime de tráfico de entorpecentes - hediondo por equiparação -, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006, eis que entendido que a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por imperativo constitucional, é a regra, não a exceção.
2 - Mantida a custódia cautelar do paciente em razão da vedação legal, tecendo o magistrado, ainda, considerações de ordem genérica a respeito da necessidade de resguardo da ordem pública, sem qualquer demonstração concreta da imperiosidade da medida, fica evidenciado o constrangimento ilegal.
3. Habeas corpus concedido.
HC 155380 / PR - HABEAS CORPUS 2009/0234838-7 – Relator: Ministro HAROLDO RODRIGUES (Des. Convocado do TJ/CE) - Órgão Julgador: Sexta Turma - Data do Julgamento: 09/03/2010 - Data da Publicação/Fonte: DJe, 05/04/2010.


Vencida esta fase preliminar, passemos ao exame do caso em concreto.
Pois bem, o acusado fez prova documental de que é primário, tem endereço certo nesta cidade e apresentou documentos que fazem prova da regularidade de sua vida civil. Confessou, é verdade, que tinha em seu poder, depois de buscas em armários de sua residência, um total de 19 (dezenove) gramas de cocaína que seriam entregues a usuários desta cidade. Não se pode concluir, apesar disso, que sua liberdade, considerando sua conduta e antecedentes, represente perigo à ordem pública, conforme defendido tenazmente pelo ilustre Promotor de Justiça.
Aliás, é absolutamente compreensível a preocupação do ilustre representante do Ministério Público com relação ao crescimento da criminalidade e a segurança pública, mas o Poder Judiciário, antes de tudo, deve zelar pela garantia da ordem jurídica constitucional. Assim, reconhecer a possibilidade de concessão de liberdade provisória a um acusado, tomando-se como fundamento sua conduta e primariedade, no nosso entender, não significa “afrouxar a segurança” ou colaborar para a instauração do “caos social”.
É certo, de outro lado, que o tráfico causa o tal “incômodo” à ordem pública, mas manter na prisão um acusado primário e de bons antecedentes não será, certamente, a solução para este “incômodo”. O que se defende aqui, na esteira do entendimento do STF, é que este “incômodo”, por si só, ao lado das demais circunstâncias favoráveis ao acusado, não serve mais de fundamento para decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública.
Além disso, ressalte-se, são passados mais de 30 (trinta) dias da prisão do acusado e não existe nos autos qualquer tipo de prova pericial com relação ao material apreendido, seja em forma de laudo inicial ou definitivo, desatendendo-se ao disposto no artigo 50, da Lei 11.343/06, e tornando vulnerável o flagrante.
Isto posto, em que pese a falta de clareza e pobreza de argumentos do pedido, vez que sequer questionou a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei de Tóxicos, não havendo motivos para decretação da prisão preventiva do acusado, com fundamento no artigo 5º, LXV e LXVI, da CF, DEFIRO o requerimento para lhe conceder a Liberdade Provisória com a condição de não se ausentar da cidade e comparecer aos demais atos processuais, sob pena de decretação de sua prisão preventiva.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
Intime-se.

Conceição de Coité, 08 de julho de 2010
Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tráfico - Regime de cumprimento de pena

Tráfico de drogas: cabe regime aberto assim como penas substitutivas
29/06/2010-09:30
Autores: Áurea Maria Ferraz de Sousa; Luiz Flávio Gomes;

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Tráfico de drogas: cabe regime aberto assim como penas substitutivas. Disponível em http://www.lfg.com.br - 29 de junho de 2010.

Em abril de 2010 comentamos aqui no nosso Blog louvável decisão do Min. Ayres Britto (HC 97256/RS - STF) apontando todos os fundamentos que já vínhamos defendendo desde a edição da Lei 11.343/06 no tocante à possibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no tráfico ilícito de drogas.

A Sexta Turma do STJ (em 17.06.10) posicionou-se no mesmo sentido no HC 151.199, cujo relator foi o desembargador convocado Haroldo Rodrigues. Para o Tribunal da Cidadania é possível, a depender das circunstâncias do caso concreto, que o condenado por tráfico de drogas inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto ou mesmo aberto. O colegiado ainda reconhece a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para quem cometeu o crime de tráfico sob a vigência da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), alterada pela Lei 11.464/07.

No caso julgado pelo mencionado writ, o réu havia sido preso com 7,2 gramas de crack e um grama de maconha; era primário e sem registro de antecedentes criminais, motivos que ensejaram a fixação da pena em primeira instância no mínimo legal. Estas circunstâncias teriam sido fundamentais para a concessão de duplo benefício: imposição de regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade e substituição por duas restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução.

De acordo com o relator Haroldo Rodrigues, reconhecidas todas as especificidades do caso e levando-se em conta o princípio da individualização da pena, ela deverá ser cumprida no regime aberto, pois como não ultrapassa quatro anos (art. 33, §2º, “c”, do CP), não deve ser aplicado o artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/90, de acordo com o qual a pena por crime de tráfico de drogas deve ser cumprida inicialmente em regime fechado. Ainda mencionando o princípio da individualização da pena, o da proporcionalidade e o da efetivação do justo determinou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Confira os precedentes sobre o tema em informativos de jurisprudência do STJ e do STF, respectivamente:



Informativo n. 0427. Período: 15 a 19 de março de 2010.

Sexta Turma

TRÁFICO. ENTORPECENTE. SUBSTITUIÇÃO. PENA.

O paciente foi condenado e incurso nas penas do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. O Tribunal a quo, à vista do § 4º, reduziu-as em seu grau máximo, ficando estabelecido um ano e oito meses de reclusão em regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena. Inicialmente, destacou o Min. Relator que a Sexta Turma deste Superior Tribunal vem admitindo a substituição da pena mais gravosa desde o julgamento do HC 32.498-RS, DJ 17/4/2004. Destacou, também, que o STF, no julgamento do HC 82.959-SP, entendeu que conflita com a garantia de individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/1988) a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado, nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. Entendeu que, como a progressão tem a ver com a garantia da individualização, de igual modo, a substituição da pena mais gravosa. E concluiu pela concessão da ordem, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, deixando a cargo do juiz da execução estabelecer o que for necessário para a implementação das penas. A Min. Maria Thereza de Assis Moura e o Min. Og Fernandes salientaram que, até agora, seu posicionamento era denegar a ordem de habeas corpus, tendo em vista a decisão da Corte Especial que concluiu pela constitucionalidade da vedação. Mas, diante do posicionamento do STF no HC 102.678-MG, a decisão da Corte Especial sofreu outro posicionamento, em que restou assegurada a possibilidade da conversão da pena, aplicável nas hipóteses da Lei n. 11.343/2006, para o delito de tráfico, respeitadas as circunstâncias fáticas. Então, votaram também no sentido da concessão da ordem. Diante disso, a Turma, por maioria, também o fez. Precedentes citados: HC 120.353-SP, DJe 8/9/2009; HC 112.947-MG, DJe 3/8/2009; HC 76.779-MT, DJe 4/4/2008, e REsp 661.365-SC, DJe 7/4/2008. HC 118.776-RS, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 18/3/2010.



Informativo STF - Brasília, 15 a 19 de março de 2010 - Nº 579.

PLENÁRIO

(...)

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos - 5

O relator disse que o momento sentencial da dosimetria da pena não significaria senão a imperiosa tarefa de transportar para as singularidades objetivas e subjetivas do caso concreto os comandos abstratos da lei. Destarte, nessa primeira etapa da concretude individualizadora da reprimenda, o juiz sentenciante se movimentaria com irreprimível discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade e outra que já não tivesse por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado, sem prejuízo, de que a proposição da lei pudesse ser endurecedora nos crimes enunciados pela Constituição Federal (art. 5º, LXIII). Anotou que, se a lei não poderia fechar para o julgador a porta da alternatividade sancionatória, poderia prever, no entanto, a cumulação da pena que tivesse por conteúdo a liberdade com outra pena desvestida de tal natureza. Nesse sentido, explicou que o direito penal bem poderia cumular penas, inclusive a privativa e a restritiva de liberdade corporal (CF, art. 37, § 4º), mas lhe seria vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se deslocar com discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. Uma coisa seria a lei estabelecer condições mais severas para a concreta incidência da alternatividade, severidade legal jurisdicionalmente sindicável tão-só pelos vetores da razoabilidade e da proporcionalidade, outra seria proibir pura e secamente, como fez o art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, a convolação da pena supressora ou restritiva da liberdade em pena restritiva de direitos. (sem grifos no original)



Parece-nos que, enfim, começa a prevalecer na jurisprudência pátria o que bem mencionou o relator Haroldo Rodrigues: a efetivação do justo, emanado do sistema constitucionalista de direito. O sistema legalista deve ser conciliado com o constitucionalista. Na eventualidade de uma lei venha a conflitar com as regras ou princípios constitucionais, devem preponderar os últimos. O legislador disse que não cabe regime aberto nem substitutivas no tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 44). Mas a jurisprudência diz que cabe. Por quê? Porque a lei é inferior à Constituição. Havendo conflito entre elas, prepondera a última.

Sexo por computador

Sexo por computador

LÉO ROSA DE ANDRADE
Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.
Site: www.leorosa.com.br

Todas as pesquisas chegam à mesma conclusão. Sexo, a prática de sexo, está entre os pensamentos que mais passam pela cabeça de qualquer um de nós; são os que mais tempo ficam nela, são os que mais lhe dão prazer. O mundo inteiro deseja sexo. Contudo, é o que há de mais censurado. Parece que nada se vigia tanto, nada se controla tanto quanto o órgão sexual feminino. Creio que, também, as “partes” masculinas sofrem enorme censura. O corpo todo pode ser exposto. “Aquele” pedacinho, não. Sexo, não, não pode.

Investigações de laboratório confirmam a satisfação que o sexo proporciona. Nada é mais estressante do que a carência de sexo. Nada provoca mais prazer físico e psíquico do que o sexo. Não obstante, muita gente, mais gente do que se imagina, complica-se, seja para falar do assunto, seja para realizar o assunto. Desconfio que esta seja a raiz, sabida mas não assumida, da maioria dos males pessoais da nossa época: comer em excesso, negação da vida pela depressão, noites na internet, drogas. Há um fundo de insatisfação sexual em tudo isso. Duvido muito que alguém vá atacar a geladeira em estado de afeição e prazer sexual.

Penso que o conflito instalado na maioria das pessoas é entre o querer e o não dever. O mundo, desde a queda do Império Romano, é de repressão, interditos: um mundo de restrição ao prazer e de elogio aos sacrifícios. A Idade Média foi pura natureza humana contida, refreada, culpada. A segunda metade do século passado rompeu com isso. Sobretudo a partir da década de 1960, a juventude – as mulheres principalmente – começou a romper uma ortopedia moral de séculos. Os desejos vieram à tona, venceram os freios conservadores e se estabeleceram.

Estes ímpetos de buscar o gozo da felicidade, contudo, se chegaram como solução para muitos, para a maior parte das pessoas vieram como problema. O fato de eu poder ver e sentir a liberdade de comportamento nos livros, no cinema, na televisão, no meu vizinho, no meu colega de escola, não quer dizer que eu a receba em mim com conforto, que eu a realize. A liberdade está na minha frente, mas não em mim. Não está nos meus hábitos. Ou, se está, não será como liberdade tranquilizadora, mas como conflito.

A internet parece ser evidência disso. Na solidão da noite, milhares de pessoas que não conseguem dizer pessoalmente de si e ouvir sobre o outro, seduzir e dar-se por sedução, vão para seus computadores e mentem para alguém, ou curtem pornografia. O Brasil é campeão mundial em acesso a conteúdo pornográfico na internet, com 55% dos internautas [...] A média mundial é de 41% – sendo que 58% são homens e 18%, mulheres” (Folhateen, 08jun09, p. 6-7). A mesma matéria informa que 63% dos jovens não discutem abertamente sexo em casa. Homens entre 18 e 24 anos consomem mais pornografia on-line: 61% dos internautas brasileiros (FSP, 02jun10, p.F1).

Creio que angústia, culpa, segredo ou insegurança alimentam estes desvios. Se milhares de jovens brasileiros têm gosto de gozo por computador, algo está errado. Pais deveriam refletir sobre isso. Inseguros, arredios e depressivos normalmente são vítimas de repressão. Sexo é vida. Abra espaço para conversa, mas não se meta, não controle. Saiba que de algum modo haverá sexo. É um imperativo da natureza. Haverá sexo saudável, se houver liberdade, ou haverá filhos onanistas na frente do computador.

domingo, 4 de julho de 2010

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

sábado, 3 de julho de 2010

Informativo nº 0438 - STJ

Sexta Turma

TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO.


Faz coisa julgada formal e material a sentença que homologa a aplicação de pena restritiva de direitos decorrente de transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/1995). Assim, transcorrido in albis o prazo recursal e sobrevindo descumprimento do acordo, mostra-se inviável restabelecer a persecução penal. Precedentes citados: HC 91.054-RJ, DJe 19/4/2010; AgRg no Ag 1.131.076-MT, DJe 8/6/2009; HC 33.487-SP, DJ 1º/7/2004, e REsp 226.570-SP, DJ 22/11/2004. HC 90.126-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/6/2010.

Competência. Internet.

Informativo de Jurisprudência Nº: 0434 Período: 10 a 14 de maio de 2010.

Terceira Seção

COMPETÊNCIA. INTERNET. CRIMES CONTRA HONRA.

A Seção entendeu, lastreada em orientação do STF, que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967) não foi recepcionada pela CF/1988. Assim, nos crimes contra a honra, aplicam-se, em princípio, as normas da legislação comum, quais sejam, o art. 138 e seguintes do CP e o art. 69 e seguintes do CPP. Logo, nos crimes contra a honra praticados por meio de publicação impressa em periódico de circulação nacional, deve-se fixar a competência do juízo pelo local onde ocorreu a impressão, uma vez que se trata do primeiro lugar onde as matérias produzidas chegaram ao conhecimento de outrem, de acordo com o art. 70 do CPP. Quanto aos crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na Internet, a competência fixa-se em razão do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontra o responsável pela veiculação e divulgação das notícias, indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores ou sua efetiva visualização pelos usuários. Precedentes citados do STF: ADPF 130-DF, DJe 6/11/2009; do STJ: CC 29.886-SP, DJ 1º/2/2008. CC 106.625-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12/5/2010.

A interpretação e o Direito

O artigo de Miguel Reale Jr., publicado no Estadão de hoje, retrata bem a importância da interpretação, com todas as nuances sociológicas, ideológicas e criminológicas que envolvem o ato de julgar. Bom final de semana.
Segue o texto.

A Justiça tem muitos olhos
Espaço Aberto
03 de julho de 2010 | 3h 38

Miguel Reale Júnior

Um pobre desempregado, de passado limpo, entra numa casa e subtrai carteira com R$ 150. O dono, minutos depois, sai à procura do ladrão. Atraca-se com o suspeito, que joga a carteira fora e empurra a vítima, ferindo-a. Esse fato sofreu, no Judiciário, julgamentos diversos.

Para a juíza de primeira instância, configurara-se a hipótese do roubo impróprio, quando a violência se dá após a subtração da coisa, para assegurar sua posse, aplicando a pena mínima de quatro anos de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto. O Ministério Público, por sua vez, recorreu da sentença ao ver no fato ataque grave à sociedade alarmada, sendo o acusado merecedor de pena maior, a ser cumprida em regime fechado, como exemplaridade para sossego da comunidade.

Em segunda instância adotou-se a tese da defesa no sentido de que o furto se consumou ao sair o ladrão da casa, tendo a violência à vítima se dado quando o réu já tinha posse da carteira. Houve, então, segundo esta vertente, duas ações separadas: furto e depois lesão corporal. O furto, no entanto, ao ver dos desembargadores, fora cometido para suprir as necessidades básicas da vida e a lesão corporal não passara de legítima defesa de sua liberdade, contra ato abusivo da vítima, que exorbitou de suas razões. O réu foi absolvido.

O fato foi apreendido diversamente pela juíza e pelos desembargadores. Para a juíza, teria havido um roubo consumado com violência posterior à subtração para garantir a posse da coisa furtada.

Para o Tribunal de Justiça, um furto e depois uma lesão corporal. Como se vê, na escolha de versão dos fatos e na seleção do que é juridicamente relevante, quem decide pode fazê-lo de acordo com sua subjetividade, formada por circunstâncias de vida conformadoras de sua maneira de apreender a realidade.

A divergência, no entanto, vai além: estende-se à avaliação do fato. Para a acusação, houve uma perigosa atitude que amedronta a sociedade; para a juíza, um fato de gravidade média; para o Tribunal, atos justificados para a preservação da subsistência e da liberdade.

A juíza ignorou as circunstâncias de a carteira ter sido jogada fora pelo ladrão e de a violência ter sido praticada não para assegurar a posse da coisa, mas para se evadir, o que indicaria ter havido uma tentativa de furto e uma lesão corporal. Reconheceu o roubo, todavia com pena comedida.

Já o tribunal desdobrou o fato em dois momentos, visando a absolver: o furto praticado em "estado de necessidade", a lesão corporal decorrente de legítima defesa.

No acórdão, decidiu-se movido por compaixão. A justificação do furto com base na excludente do estado de necessidade revela as condicionantes de ordem ideológica e de política criminal ao se avaliar a conveniência ou não da punição. Assim, argumenta-se que "o Estado vê-se então diante de um conflito: proteger incondicionalmente o bem jurídico patrimônio ou suportar a lesão a este bem jurídico como única solução possível naquele momento para a preservação da garantia constitucional às necessidades vitais básicas".

Trata-se de uma opção valorativa, em vista da qual, com razão, reconhece não constituir o patrimônio um valor absoluto, cumprindo ser visto em sua função social. Exagera, no entanto, ao desconsiderar a posição da vítima em defesa do direito de preservar de imediato o seu patrimônio.

A compaixão fez o julgador esquecer até mesmo o disposto no antigo Código Civil, artigo 502, então vigente, que dispunha: "O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo" - a mostrar que a vítima atuava sob o a legitimidade outorgada pela lei civil. A decisão, distante da dogmática, foi conduzida pelos valores da comiseração e em vista das consequências pessoais e sociais de eventual condenação. Em consequência, a vítima tornou-se criminosa ao se entender que, ao agir em defesa de seu patrimônio, teria incorrido no exercício arbitrário das próprias razões, a ponto de justificar a reação do ladrão que a empurra e fere.

Como se vê, a interpretação da lei também se presta a divergências, com vertentes contrárias, racionalmente sustentáveis, em busca do justo no caso concreto, razão pela qual não se pode atribuir má-fé ao julgador que molda concepções jurídicas de forma a casá-las com a decisão, a seu ver, correta, que pretende editar.

Assim, tem razão Atienza, para o qual, "para sermos agentes racionais, precisamos de outras virtudes além da racionalidade", como, por exemplo, a sensatez, a prudência, a humanidade, a compaixão. A racionalidade é um essencial requisito da decisão, mas o seu controle, por via da exigência da motivação das sentenças, não afasta, por si só, que o veredicto seja ditado por uma intuição do certo e do errado.

Percebe-se que, em vez de a Justiça ser cega, na verdade, tem ela muitos olhos, cada qual visualizando o fato sob uma perspectiva e gerando uma diversa avaliação. Tal não desmerece a Justiça, apenas revela a imensidão dos seus desafios, uma vez que a racionalidade está em diferentes caminhos, com o gravame de se poder motivar racionalmente a decisão de cunho emocional.

O controle da correção jurídica da decisão, contudo, pode realizar-se tendo em vista os precedentes, a doutrina, a adequação da sentença aos valores constitucionais e aos valores reputados relevantes na sociedade.

Mas, por mais que o magistrado se escude nos precedentes ou na dogmática, sentenciar é sempre árduo, em busca de se afastar de posições emocionais muitas vezes imperceptíveis. Por isso, julgar deve sempre gerar receio, pois quando tal não ocorrer surge o risco do arbítrio.

Julgar é um exercício lógico, mas também uma arte. Enfrentar o desafio de julgar pode ser um teste para o leitor que se arrisque a avaliar o caso acima retratado e dar o seu veredicto.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA